Por Luis Mendonça Espinha
Excerto do portefólio, do R. V. C. C. do secundário, concluído a 8 de Outubro de 2009, através do C. N. O. da Escola Secundária, Engenheiro Calazans Duarte, na Marinha Grande.
E tudo começou a 9 de Fevereiro, de 1963, algures numa colónia ultramarina…
Do que não me lembro e por isso não me conheço, desse tempo ficam apenas algumas dicas do percurso que fiz ao colo dos meus pais, que haviam contraído matrimónio em 1961, no lugar de Palanca, uma pequena povoação a sudoeste de Sá da Bandeira, hoje denominada de Lubango.
Huíla, (e já nesse tempo as populações indígenas denominavam a cidade como Huíla ou Lubango, enquanto que os colonos portugueses chamavam Huíla como nome do distrito).
Entretanto, o meu pai foi colocado em Nova Lisboa, actual Huambo, também aqui adoptariam o nome da província para nome da cidade.
O meu pai era polícia nessa altura, mas só “conseguiu” ser polícia durante 4 anos. Entretanto rebenta a chamada guerra colonial em 1961 e em 1963 nasce aquele que hoje escreve, o primogénito. Eu fui um bebé doente, o que obrigava a grandes deslocações dos meus pais à capital da província (Luanda) para consultas médicas. Esta situação associada a um baixo rendimento, levou a que o meu pai optasse por abandonar a polícia e passasse a ser comerciante em Sá da Bandeira. Estamos em 1965 e entretanto, nasce o meu primeiro irmão. A guerra continua lá longe no Norte e Leste de Angola e eu já tinha 2 anos de idade.
Damos agora um salto no tempo e avançamos até à idade dos meus 6/7 anos, que me parece ser a idade que a minha memória alcança e que me permite lembrar que tinha um elemento masculino na família que tinha uma forma de brincar comigo que eu não apreciava especialmente, pois ele puxava-me os cabelos, para me chatear. Só mais tarde, muito mais tarde, consegui associar às minhas recordações quem era essa pessoa que eu “nunca quis” memorizar, através de uma conversa em família, na qual eu abordei este assunto. Não deixei de vociferar contra o tio, que afinal até é um bom rapaz!
Do tempo dos primeiros passos na escola, uma escola primária que se situava muito perto de minha casa, recordo com muita saudade o meu “primeiro amor”. Menina alta e muito, mas mesmo, muito magra, a Isabel…acreditem que eu me lembro de lhe afagar o cabelo embevecido com a sua anuência. Ainda neste período e nesta escola aconteceu algo de trágico. Morreu alguém da escola, não me recordo quem, mas que morava perto da escola e que os mais velhos não me deixaram ver o defunto.
Esta escola ficava num topo da praça Luís de Camões, ficando a minha casa no topo oposto. Numa lateral era o liceu e na lateral oposta havia sido construída recentemente uma igreja, onde eu frequentava a catequese. Foi ainda neste tempo que os meus pais e os meus tios e ainda um primo deles, tinham o hábito de se reunir em família numa quarta-feira por mês, alternadamente em casa de cada um, onde as senhoras se entretinham com a conversa e a fazer malhas e croché, as crianças brincavam com os últimos brinquedos que o anfitrião tinha recebido e os homens jogavam à sueca, comiam caju, palitos salgados e bebiam whisky com 7up. Eram serões muito agradáveis, em que o tempo voava, ficando sempre a pena de termos de ir embora. Mas, mesmo inesquecível, era a ida ao futebol ao domingo para ver o Sporting de Sá da Bandeira jogar. Eu, agarrado ao meu pai, qual siamês agarrado à sua progenitora, mas sentados numa Kawasaki 50, com os meus curtos braços, esforçava-me para não cair da motorizada, tentando abraçar a barriga ( já proeminente) do meu pai. Numa destas viagens a coisa correu mal, pois escapou-se-me um pé do estribo e encostei a perna ao escape. Foi cicatriz que levou alguns anos a desaparecer.
Lembro-me de mim como uma criança engenhosa, com grande imaginação na construção de brinquedos, mas algo introvertida. Dos meus 9/10 anos não me lembro de nenhum colega de escola, a não ser da minha “amada” Isabel, nem me lembro de brincar com o meu irmão que tinha apenas menos dois anos que eu, com excepção para os jogos de hóquei sem patins que jogávamos os dois num pequeno espaço cimentado que não tinha mais de dois metros quadrados. As balizas eram a porta de casa e o portão do muro que circundava a casa. Estranho….talvez!
Mas lembro-me perfeitamente dos meus primeiros negócios a sério. Tínhamos sempre muitos pés de couve plantados no quintal, que era todo murado, onde havia também árvores de fruto. Então, vendíamos folhas de couve, 100% frescas, pois eram colhidas no momento conforme o cliente pedia. As mulheres negras, de passagem pela rua, chamavam por alguém, dizendo algo com esta leitura sonora: «Tchindêrê» que penso querer dizer «branco ?». Eu perguntava-lhes que quantidade queriam de couve, e já nessa altura existia aquilo a que chamamos hoje de inflação, pois se a época era de pouca couve, levavam menos pelo mesmo dinheiro, que variava entre um angolar e um angolar e cinquenta centavos, o molho.
Agora falarei do João! Quem foi o João?
O João foi o irmão mais velho que eu não tive, e talvez por isso não brincasse muito com os meus irmãos que eram mais novos!?
O João era um rapaz mulato, que trabalhava para os meus pais. Alto, espadaúdo, bonito até! Não sei qual a sua origem, sei apenas que de “criado” tinha pouco, pois comungava da nossa mesa, os meus pais obrigaram-no a estudar, vestiam-no e calçavam e era muito meu amigo. O senão da história é que ele tinha um quarto só para ele, mas era nos anexos da casa. Que pena hoje tenho de fazer parte de uma geração, descendente de outra que já naquele tempo começava a apregoar a igualdade, mas que hipocritamente metia os “Joões” no anexo e hoje continua a metê-los nos contentores. O João chorou algumas vezes a conversar comigo, mas a minha capacidade de compreendê-lo ainda não era suficiente para absorver e ajudá-lo nas piores horas. Ele não era, nem nunca foi, maltratado, usava de toda a liberdade nas horas em que não havia trabalho, que no fundo também não matava. Tratava dos animais, da horta, do pomar e fazia alguns recados. O João tinha apenas 16 anos, quando eu fiz 10 anos. E certo dia chegou a casa, já noite dentro após o seu passeio, todo marcado e com uma ferida na cabeça. Tinha-se metido em sarilhos! Fomos com ele para o hospital e, desde então, o João tornou-se uma pessoa muito fechada. Lembro-me de a minha mãe tentar conversar com ele, mas era difícil. Nunca soubemos o que aconteceu. Entretanto decorria o ano de 1972 e a profissão do meu pai era, nesta altura, a de camionista. Tínhamos uma camioneta Ford D400 verde. Toda verde! Linda! O meu pai fazia distribuição de bens alimentares e na primeira sexta-feira de cada mês fazia entregas nas lojas que havia espalhadas, pelas aldeias e lugares das zonas periféricas da cidade, e quando falo em zonas periféricas, em Angola, falo de centenas de quilómetros em plena mata africana. Nessas lojas os brancos tinham os seus negócios, onde exploravam a seu belo prazer os negros em trocas comerciais de produtos, em que os nativos ficavam sempre a perder, mas convencidos que tinham feito um bom negócio. Havia muito pouco dinheiro e, então, traziam milho, tabaco, cera, mel, animais de galinheiro e, às vezes, gado bovino ou caprino para trocar por açúcar, sal, óleo, farinha, banha e bebidas licorosas.
Durante os períodos de férias escolares, eu não perdia uma viagem destas com o meu pai e foi aí que “fui obrigado” a aprender a gostar da música de acordeão, pois aquele leitor de cassetes não parava de tocar os corridinhos de Maria Albertina e seu acordeão.
Normalmente, partíamos à sexta-feira e só regressávamos ao domingo. Numa dessas viagens tivemos um problema. Ficámos atolados no barro, numa daquelas picadas que já tínhamos ultrapassado dezenas de vezes sem problemas, mas naquela noite ficámos lá presos. Solidários, aproximaram-se alguns negros, saídos do nada no escuro da noite, no meio da selva africana. Naquelas condições, hoje em plena Amadora ou similar, teríamos sido linchados e a camioneta despojada de toda a sua valiosíssima carga e incinerada de seguida. Felizmente esse ódio não existia, pelo contrário eles sabiam da importância que tinha aquele transporte ser feito. Prontificaram-se a ajudar e foram buscar duas juntas de bois à sua sanzala. Um telemóvel, naquela altura, vinha a calhar! Mas ainda bem que não era o tempo do telemóvel pois também não haveria junta de bois!...se calhar nem Espinha para o RVCC!
Conseguimos desatascar a camioneta com a preciosa ajuda dos negros. Seguimos viagem, não sem antes o meu pai presentear os ajudantes com alguns produtos que levava à consignação. Era já madrugada dentro quando chegámos àquele que seria o nosso destino, no início da noite, para passarmos a noite. Tratava-se de um velho amigo e cliente de meu pai que nos dava normalmente asilo na noite de sexta-feira. Todos enlameados, lá comemos alguma coisa e descansámos 3 ou 4 horas. Enfim, noite para recordar sempre!
Eu também tinha família fora da cidade, no meio do mato e, de vez em quando, passávamos lá um fim-de-semana, para irmos à caça à noite, digo irmos porque eu também ia. Caçar à noite, no meio da mata, quilómetros e quilómetros percorridos no Land Roover, sem G.P.S…. Só se atirava à caça grossa, um coelho só era morto no regresso, se a noite tivesse corrido mal.
Um tio meu ofereceu-me uma arma vulgarmente chamada de Pressão de Ar, quando eu ainda não tinha feito os meus dez anos. Pasme-se! Hoje, eu não daria a um sobrinho meu tal objecto, mas se o fizesse nunca seria antes dos 18 anos, e mesmo assim com algumas reticências. De facto, eu devia ser um menino muito responsável. Só pode ser! Recordo-me de me embrenhar sozinho mata dentro, num desses fins-de-semana, em casa dos meus tios, na Capunda, mais de duas horas, cruzei-me com negros e suas proles, saudávamo-nos uns aos outros, eles armados com suas catanas e zagaias (arma de arco), eu com a minha pressão de ar, mas que só eu sabia ser apenas uma arma de chumbo de calibre 4.5, pouco mais que uma fisga. Cheguei a um descampado com muito capim, pontuado aqui e ali com pequenas árvores, onde corria um pequeno riacho. Eram tantas as rolas e pombos bravos que ali estavam para saciar a sede que eu, qual atirador, nervoso com o espectáculo de tanta fartura, não consegui acertar numa que fosse.
Que vergonha! Quando regressei estava tudo calmo, ninguém estava preocupado com a minha ausência prolongada, e eu apenas trazia um papagaio moribundo com uma chumbada, que eu lhe tinha dado, tentando em vão salvá-lo, pois tão belo era o exemplar, quanto o arrependimento que me invadia a consciência.
Em casa deste meu tio havia sempre carne de caça seca, em tiras que, quando eram postas em cima das brasas, começavam a contorcer-se como se fossem cobras. Era um pitéu muito apreciado e muito picante também. Ainda em 1972, já no final do ano, mudámo-nos com armas e bagagens para a cidade de Moçâmedes, actualmente denominada de Namibe. Esta cidade situa-se no extremo sul da costa atlântica de Angola, definindo praticamente a presença humana nesta zona do país, na fronteira do deserto do Namibe, deserto este único no mundo, pois só nele se pode encontrar uma planta chamada Welwistchia Mirabilis.
Na zona para onde fomos viver existia um porto de águas profundas, onde apenas atracam grandes navios de transporte de minério, semelhantes aos grandes petroleiros, mas com porões secos. Estes navios atracavam sempre vazios e quando entravam na baia pareciam autênticos prédios flutuantes, com dezenas de metros fora de água, nunca com menos de 150 metros de comprimento e saíam carregados de minério de ferro, afundados no oceano, ficando de fora apenas uma pequena franja do navio, que à distancia mais não pareciam que enormes jangadas. O Saco Mar era um bairro de pescadores, mas principalmente de ferroviários, que trabalhavam no terminal ferroviário, que abastecia o sistema de tapetes rolantes, que carregavam os navios. Esta linha de caminhos-de-ferro tinha origem na zona da Jamba, onde eram as minas de ferro. Chegavam aqui enormes composições com 80, 90 vagons e às vezes ainda mais, todos os dias, com esse minério.
Recordo-me especialmente de dois colegas, o Jorge Cebola e o Eusébio. O Jorge era branco e tinha com ele as maiores brigas por causa da Manuela; o Eusébio era negro e disputava com ele a primazia do melhor aluno da sala. Modéstia à parte eu era o melhor aluno e ele tinha a melhor caligrafia. Ele desenhava as letras, confesso que o tentava imitar! Foi nessa escola que aprendi o Hino Nacional, com sessões fixas ao sábado, mas não só, foi aí que aprendi a tabuada, que ainda hoje sei de fio a pavio, os rios, caminhos de ferro, distritos e províncias da Metrópole e das províncias ultramarinas, etc. etc. Também nesta escola tive a oportunidade de fazer a minha primeira representação de teatro, fazendo o papel de Camões da zona.
No Saco Mar não havia igreja, então foi adaptado um pavilhão de uma água que lá existia e onde durante muito tempo fizemos corridas de carros de rolamentos, corridas de miniaturas de automóveis, em pistas marcadas com giz que “pedíamos emprestado” à escola. Perdemos o nosso espaço, mas ganhamos uma capela. Fiz lá a minha 1ª comunhão.
Entre a loja do meu pai e o porto de mar havia uma pequena quinta que era do meu tio Amadeu, onde basicamente eram cultivadas a oliveira e a videira para uva de mesa. Nunca vi cachos de uvas tão grandes como aquelas que ali se produziam. O meu tio também negociava em peixe seco que distribuía para todo o país, em caixas feitas de finas tábuas e cintadas com fita de aço, caixas essas que tinham aberturas entre tábuas enormes, apenas não permitindo que o peixe caísse. Ficava assim o produto à mercê de toda a imundice, mas que aquilo, passado rapidamente pelas brasas e comido com pirão, era bom, lá isso era! Não havia A.S.A.E…. nem necessidade de a criar! Havia pleno emprego, por isso as pessoas estavam ocupadas na sua vida e não havia necessidade de criar mais um organismo para “dar emprego à família ou amigos”.
Quando visitávamos os meus avós paternos, eu imediatamente ia fazer uma visita ao mato à procura de frutos silvestres, que na zona mais árida de Moçâmedes não havia e aquilo que hoje encontramos nas grandes superfícies com o nome de Physalys a um preço exorbitante importado da América do sul, não é mais nem menos aquilo a que em Angola chamávamos de «matipas». Hoje também já se encontram plantas cá e que se dão muito bem. Tinha também o hábito de sair à noite e ir ter com os negros, na sanzala, onde tocavam e dançavam e que já me conheciam como o neto do patrão.
O meu avô para além de uma grande propriedade agrícola, tinha muito gado bovino e suíno. Alimentava os animais com aquilo que a terra dava, e então usava grandes panelas feitas de metade dos latões de 200 litros, para cozer batatas, couves e cereais numa “caldeirada” para porcos, mas que eu não resistia em provar, tirando uma batata, queimando os dedos para lhe tirar a pele e, sem que ninguém visse, lá saboreava o manjar.
Voltando a Moçâmedes, no ano lectivo de 1974, já eu frequentava o 1º ano do ciclo preparatório, deslocávamo-nos de comboio, que era puxado por uma máquina a vapor, numa contradição tecnológica enorme em relação às máquinas que traziam os comboios de vagons carregados de minério de ferro. Às vezes com 120 vagons acoplavam 3 máquinas serpenteando a planície para cá do início do planalto central que começava na Serra da Chela, já no distrito da Huíla.
Entretanto, dá-se aquilo a que os historiadores políticos convencionaram chamar “Revolução de Abril”.
Para a verdadeira história de Portugal e de África, ficarão também as consequências de um processo mal conduzido, uma descolonização precipitada e irresponsável, levando a que milhares de pessoas retornassem à Metrópole e outros milhares viessem como desalojados, não de uma guerra, mas sim “Desalojados de Abril”, e que milhões de africanos tivessem décadas de sofrimento que nunca tinham experimentado antes do 25 de Abril de 1974. Foram mais de 30 anos de fuga de africanos para a Europa, esvaziando aqueles países dos melhores quadros que possuíam, à procura de melhores condições de vida. Aparentemente, a primeira década do novo século marcará o ponto de viragem, em que o fluxo migratório terá um retrocesso e, entretanto, as antes colónias portuguesas têm sido novamente colonizadas por outros, como por exemplo, os Chineses, depois de os Russos e Cubanos terem deixado a sua mestiçagem durante os anos 70 e 80, principalmente em Angola.
Tomada a difícil e sempre adiada decisão, começaram os preparativos para deixarmos Angola. Começaram os serrotes e martelos a trabalhar, fazendo caixotes de enormes dimensões onde foram embaladas mobílias inteiras. Depois de despachados todos os caixotes e dois automóveis por via marítima, ficámos a aguardar que chegasse a nossa vez de partir. Quase todos os dias nos deslocávamos ao porto comercial de Moçâmedes para nos despedirmos de amigos que embarcavam para Luanda. Numa dessas despedidas ficou parte de mim, quando a minha “namorada” partiu. Só voltei a ver a Manuela uma vez em Portugal, muito mais tarde e sei que hoje se encontra no Canadá.
Chegada a nossa hora de partir, dirigimo-nos para o porto, onde o meu pai fez a entrega das chaves de casa e ofereceu-a, assim como a camioneta e tudo o que não pudemos despachar, a dois amigos, um de Cabo Verde e um português, de forma a que eles aproveitassem para explorar o resto do negócio, enquanto houvesse algo para vender, embora cada vez houvesse menos. Com a chegada de pequenos barcos de pesca, cheios de refugiados esfomeados do norte de Angola, tinham simplesmente dizimado tudo o que ainda havia para comer. Lembro-me perfeitamente de eles até a água das latas de salsichas beberem. Mais tarde, tivemos conhecimento que tinham abandonado Angola, via África do Sul, pois a ponte aérea já tinha terminado e a guerra estava instalada, sob os améns do acordo de Alvor.
Embarcámos num cargueiro, a meio da tarde e a minha única bagagem era uma caixa de sapatos, onde trazia dois pássaros, que a meio da viagem haviam de fugir e perder-se no mar. Centenas de pessoas espalhadas pelos porões procuravam o melhor sitio, se é que isso era possível, tal era o barulho ensurdecedor das máquinas. Depois de uma viagem barulhenta, acostámos no porto de Luanda no dia seguinte, ao início da tarde. Fomos levados para o aeroporto, onde no meio de centenas de fardos de mantas pretas, mais parecíamos um acampamento de ciganos, em que cada um fazia a sua tenda. Entretanto, caía a noite e a alimentação que nos era dada era, para mim, muito estranha. Sandes enroladas em sacos de plástico….percebi, mais tarde, tratar-se da comida que era fornecida nos aviões.
Pela madrugada fomos acordados, porque chegara a hora de embarcarmos. Naquele aeroporto só se via gente de um lado para outro, cada um tentando resolver o seu problema. As lágrimas entre os adultos eram o estado de alma comum. Já na despedida de Moçâmedes, quase em uníssono se chorou, ao ver a nossa terra a ficar para trás, desaparecendo no horizonte, onde acabamos por ter e guardar novas imagens, de perspectivas diferentes daquilo que conhecemos em terra firme. Terra que viu nascer os meus avós maternos, que eram descendentes de Madeirenses, que tinham aportado no sul de Angola, terra que recebeu o meu pai com um ano de idade, terra a quem os meus avós paternos deram mais de trinta anos de vida. Mas também foi a terra que nos viu nascer, e onde recebemos aquilo que será sempre parte de nós e da nossa memória. Hoje, já quarentão, não abdico dos ritmos africanos, do gingar que apenas aos nativos fica bem, dos tambores na noite africana. A marca africana contagia mesmo aqueles que nunca pisaram terra abaixo do paralelo 30˚. A vinda de milhares de africanos para a Europa, trouxe também uma cultura desconhecida, com um especial perfume, que nos chega através da música, da escrita, da pintura, da escultura. Escritores como José Eduardo Agualusa, Agostinho Neto, Ana Paula Tavares (poeta) ou Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos (Pepetela), a arte da “máscara azul de Angola”, máscara de madeira com grande importância em rituais culturais, representando a vida e a morte, a passagem da infância à vida adulta, a celebração de uma nova colheita ou o começo da estação da caça. A música onde a presença do Semba, Kuduro ou a Kizomba já são realidades incontornáveis, que representam o lado bom da abertura de Angola ao mundo, em consequência da sua independência política. Quando a promoção turística em Angola acontecer, então teremos um colosso na sua plenitude, podendo mesmo vir a liderar as influências politicas subsarianas naquele continente.
15 de Outubro de 1975, chegámos a Lisboa, depois de uma paragem técnica em Abidjan ( Costa do Marfim). Foi ao princípio da tarde em que, ao pôr o nariz fora do avião, tive a sensação de ter entrado numa câmara frigorífica. Imagine-se gente africana, com roupas leves, a aterrar em Lisboa em pleno Outono!
Depois das peripécias todas com o desembarque, foram entregues dez mil escudos ao meu pai para as “primeiras impressões”. O meu pai tinha uma carta de chamada para vir para Leiria, através de uma irmã da minha mãe, onde viríamos a ficar cerca de um ano e meio, instalados num pavilhão da, então, Prisão Escola de Leiria. Milhares foram para pensões e hotéis durante anos, mas os meus pais preferiram enfrentar a situação, procurando imediatamente trabalho. Viemos três famílias, juntas desde Angola, uma delas era a do sócio do meu pai em Angola, numa fábrica de pastelaria e geladaria.
Na Prisão Escola trabalhava o meu tio como caseiro e eu, sortudo, tive acesso ao Colégio Interno dos Maristas que hoje é o edifício da P.J., nos Pousos. Por 500 escudos mensais tinha tudo, menos a companhia da família, que só via uma vez por mês. Não foi fácil adaptar-me, mas mais difícil foi para os meus pais e irmãos que passaram fome, mesmo fome! O pouco que tinham para comer era-lhes oferecido pela instituição, que fazia passar a carroça com os panelões pelo pavilhão e onde vinham batatas e couves a nadar em azeite. Era o que havia! A pouca carne que eles arranjavam eram os pombos que “roubavam” durante a noite no pombal.
Entretanto, o meu pai e o sócio resolveram montar uma pastelaria na Marinha Grande. Ainda hoje existe a pastelaria Flórida, que se situa na Embra, hoje em novo edifício. Em 1977, sou aconselhado a sair do colégio por falta de vocação religiosa, venho para a Mª Grande, onde estudo mais dois anos e, em 1979, cometo o erro muito comum de abandonar a escola e abraçar o mundo do trabalho.
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
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Hoje queria receber flores orvalhadas
Daquelas que colhias nas madrugadas
A. Inês
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Porque a vida não é só trabalho...
O meu mundo é deste mundo
Luís Manuel de Sousa Rocha
Reconhecimento Validação e Certificação de Competências – Nível Secundário 2008/20009
Plano de trabalho
I – Introdução
A história (im) provável dum espermatozóide que chegou primeiro
Esta é a primeira reflexão. Neste capítulo abordo o meu nascimento num ano tão importante na história da Europa – Maio 68, Primavera de Praga - e quando e como tive consciência destes factos, Que afinal não têm importância nenhuma…
II- Aprender sem saber para quê
Memórias da infância, adolescência e juventude. Da idade dos porquês à idade dos para quês.
Neste capítulo escrevo sobre momentos da minha vida que hoje sei que foram importantes para o que vim a ser. Parte da infância na Alemanha, a escola (as primeiras estranhezas – mas para que é que serve este conhecimento?), a vida duma criança nos arredores duma pequena cidade industrial (a Marinha Grande).
Estas memórias são recuperadas a pensar no Referencial, mas têm mais relação com a minha visão crítica da sociedade tecnológica, que penso que é a que o Referencial defende. É uma reflexão actual, (em criança eu fui deixando de me interessar pela escola, só gostava da terra), porque hoje é que já tenho um discurso sobre o meu olhar contemplativo e acima de tudo interpretativo da natureza.
III - Para quê este saber? Para que serve? Onde está a continuidade?
Idade maior, perguntas e respostas, decisões e compromissos
Neste capítulo continuo a captar memórias da minha vida, ponho questões sobre o que aprendi e dou algumas respostas que então encontrei. (O crescimento da minha capacidade argumentativa).
Vou seleccionar decisões sobre o trabalho, e também sobre a vida privada. Também estão condicionadas por aquilo que entendi do Referencial.
IV – Os dois eus face ao Referencial de Competências – Chave
- O que se espera que eu seja – As minhas competências, ou as competências evidenciadas pelo bom cidadão (vou fazer uma abordagem a todos os Grandes Temas das três áreas (núcleos geradores, como vem no Referencial), em todos os contextos, mas isso não quer dizer que vá evidenciar competências em todos.
- Quem eu realmente sou – uma perspectiva crítica do mundo onde sou um bom cidadão. Neste capítulo, que é só reflexão, vou escrever sobre o que realmente penso duma sociedade tecnológica e consumista, e dizer as competências que eu acho que são necessárias para a nossa sobrevivência, a médio/longo prazo.
I
A história (im)provável de um espermatozóide que chegou primeiro
1968 foi um ano mágico! Nasci. No limite das probabilidades (quais são realmente as probabilidades de cada um de nós existir? – Dizem os matemáticos que estão próximas do zero.) a minha mãe trouxe-me a este mundo. Não houve festa nem fogo-de-artifício. Num modesto quarto da casa que ainda hoje é o quarto dela, ajudada por uma parteira diplomada pela experiência, apenas a minha mãe, sofrendo longas horas as dores do parto, me deu à luz.
Era dia, num mundo onde já quase tudo era o que viria a ser. Mas eu não sabia.
Em Praga, uns meses antes, enquanto as papoilas floriam, os tanques soviéticos tinham esmagado uma tentativa de reformar o sistema comunista da Checoslováquia e de construir um “socialismo de rosto humano”. A esperança da liberdade foi adiada. Viria a ser, trinta anos depois, uma liberdade envenenada. Mas aqueles jovens checos, que agitaram essa bandeira, só vieram a compreender isso, quando já eram homens feitos.
O regime da Europa de leste começava a dar sinais de fraqueza. Mas eu ainda não sabia. Longe no tempo e no espaço, num canto da Europa, numa cidade clandestinamente comunista, só viria a sabê-lo também já maduro, e continuo a não compreender.
Na Europa Ocidental, o capitalismo tinha já feito a sua investida do pós-guerra, como uma Fénix renascida, e a sociedade de consumo estava em marcha. Em Paris, as papoilas também floriam nessa Primavera, do Maio 68. Mas eu ainda não compreendia nada e até hoje compreendo pouco. Só sei que os estudantes se revoltavam contra a opressão, contra os valores da tradição burguesa e gritavam liberdade e prazer. Iremos ver as consequências…do prazer e da liberdade!
Do outro lado do Atlântico, em S. Francisco, jovens de túnicas coloridas, calças à boca-de-sino e flores no cabelo fumavam cachimbos da paz e faziam sexo sem preservativo, nos parques da cidade, enquanto no extremo oriente caíam bombas americanas sobre Hanói.
Quando, anos mais tarde, estes factos se revelaram e me despertaram curiosidade (uma verdadeira raridade no meu tempo de escola!) comecei a entender que somos todos um produto da história.
Uns meses antes, uma aventura de um espermatozóide tinha terminado em vitória. Nadando livremente à velocidade alucinante de 11 centímetros por hora , numa corrida de alguns minutos, um “fecundante” portador do cromossoma Y venceu todos os obstáculos e a concorrência e consagrou-se vencedor. Um óvulo (ou ovócito?) foi fecundado. No calor dos corpos, uma célula masculina encontra outra célula, feminina, tornam-se uma, depois duas, depois muitas, num crescimento exponencial e progressivamente diferenciador, seguindo as informações do código genético (decifrado nesse mágico ano por uns cientistas que ganharam o Nobel da Medicina ) fez-me do sexo masculino, determinou a cor dos meus olhos, dos meus cabelos, os limites da minha estatura e as potencialidades da minha inteligência. Em que percentagem… não sei. Acho que ainda ninguém o pode dizer com certeza, apesar dos milhões de milhões de dólares já gastos na procura dos “segredos” inesgotáveis da biologia.
Tal como milhões de seres humanos e todos os outros animais têm feito há milhões de anos, o meu pai e a minha mãe apenas cumpriram uma lei da natureza e deixaram que os seus fluidos corporais se encontrassem. Não sabiam nada de genética! E mesmo que soubessem, esse conhecimento não lhes teria servido para fazer, por este processo natural, velho como o mundo, uma filha em vez dum filho, louro em vez de moreno, olhos azuis em vez de esverdeados, preto em vez de branco. Mas não quero menosprezar este conhecimento. Actualmente é ele que permite a muitos casais poderem ser pais, em laboratório. Muitos milhares de humanos que andam por aí, tantos que já não são notícias, foram “bebés - proveta” feitos em laboratório, por um processo chamado “fecundação in vitro”.
Aquele serzinho rechonchudo, saído do aconchego do útero materno para a violência do mundo, estava longe de imaginar que cada ser humano, individualmente, pode tão pouco! Foram precisos muitos anos a interrogar-se para perceber que o lugar onde nasceu, o contexto económico, o grupo social a que pertenceu à nascença, as circunstâncias históricas…em que nasceu e viveu, tudo isso foi condicionante do que viria a ser. Não há um destino traçado, excepto para aqueles que acreditam nisso.
Hoje sei o que sei, sei como sei que sei e muito do que sei não sei para que sei.
Todos os dias as mesmas perguntas, as mesmas indignações perante as injustiças do mundo, perante as decisões irracionais dos responsáveis e eu, cidadão, com tantos direitos e liberdades garantidas na Constituição e em todas as declarações de boas intenções, sem poder fazer nada. Um protesto que ninguém ouve, um grito que ecoa no vazio, uma luta que termina em primeira página dum jornal mas que não muda nada. Ao cidadão resta o direito à indignação e ao protesto.
II- Aprender sem saber para quê
Recordações da infância, adolescência e juventude. O início da estranheza
Por razões que a minha razão só muito mais tarde conhecerá, fui desenvolvendo um olhar sobre o mundo que me provocava, desde cedo, uma certa estranheza.
Arrancado da casa materna e duma pátria que ainda não conhecia, dizendo ainda mal as primeiras palavras, fui levado para 3000 Km de distância. Como milhões de portugueses, como milhões de seres humanos neste mundo, os meus pais foram em busca duma vida melhor. Num país definhado pela visão mesquinha dum governante, a Primavera Marcelista, que tinha trazido alguma esperança a muitos portugueses, durou apenas o tempo da estação. Depois o cinzentismo do longo tempo fascista voltou. A PIDE tornou-se DGS, mas a perseguição política e a censura mantiveram-se, a guerra colonial continuou a consumir recursos e vidas de jovens (felizmente o meu pai passou por esta guerra sem grandes traumas), Portugal continuou isolado dos seus parceiros. Numa Alemanha com uma história que eu desconhecia, tal como não sabia o que se passava em Portugal, milhares de portugueses ajudavam a reconstruir esse país que rapidamente se tornou a maior potência europeia. Numa cidadezinha, Oxter, uma criança é apenas uma criança. Recordo, hoje, sobretudo as cerejeiras à beira da estrada, as casas com traves de madeira sobressaindo no branco das paredes, os passeios no campo e o meu olhar atento a todos pormenores da natureza. Aquele menino de calções azuis já anunciava o homem que hoje olha com a mesma atenção os mesmos pormenores.
O regresso a Portugal, no início, foi um choque. Como qualquer criança, eu estava encantado com uma cidade onde havia tudo e na Marinha Grande, no lugar do Pêro Neto, não havia nada. Parecia-me então. Passado o choque inicial, aqui fui criando raízes, com os amigos e a terra e percebendo que o meu lugar era aqui.
A minha infância foi vivida entre os bancos da escola, onde facilmente e com gosto aprendi as letras e os números e os prados verdes sem muros, onde andava aos pássaros.
O rapaz e o pássaro
Metáfora da liberdade
Era tarde, era sempre de tarde, na hora da luz tardia e das sombras compridas.
Na oliveira mais alta que dominava o prado, no ramo mais alto, o tentilhão cantava, macho, peito vermelho, avermelhado mais ainda pela luz que o iluminava. O rapaz por detrás da cortina, por detrás da janela, olhava, olhava e ouvia, tarde após tarde, dia após dia.
O rapaz tinha muitos pássaros engaiolados, mas nenhum como aquele, e foi numa tarde de primavera tardia, em que entardeceu mais tarde o dia, que o rapaz decidiu que queria o tentilhão só para ele, e num dia em que as estrelas esperaram pela lua nova e o vento esperou pela noite, o rapaz esperou que todos se juntassem, e naquela noite traiçoeira, o traidor e o traído encontraram-se na copa da oliveira inocente. O olhar abriu-se já tarde na mão do rapaz, e o sorriso do rapaz, mesmo na noite escura, brilhou, e no seu peito, o coração batia com muita força, batia tanto como o coração que estava apertado na sua mão, e na mão veio o tentilhão até à casa do rapaz. À sua espera estava também a sua casa, uma gaiola mais bonita do que as outras, pendurada no sítio mais alto, e ali ficou, com vista para a parede branca, a única em que a luz batia.
Na manhã seguinte, o rapaz levantou-se com o dia e correu para confirmar a verdade. Lá estava o tentilhão a lutar desesperadamente enfiando o bico em cada espaço, uma e outra e outra e outra vez. O rapaz sabia, conhecia aquele desespero, já o vira antes, muitas vezes. Sabia também que não iria durar muito, e realmente não durou. À hora da luz tardia e das sombras compridas já o pássaro desistira, estava conformado. Com o sorriso da vitória no rosto, o rapaz foi-se deitar.
Dois dias e duas noites passaram e o tentilhão não cantava, não cantava nem comia. Mais dois dias e duas noites se passaram no mais profundo silêncio, sem luta nem fome. Nessa noite, o rapaz deitou-se e sonhou que cantava numa oliveira que reinava como um castelo sobre o prado… e acordou. Acordou e correu, correu até à gaiola. Quando chegou, o tentilhão também estava acordado. Estavam ali todos, a noite, o traidor, o traído e o vento. Imóvel, o rapaz não percebeu os olhos abertos do pássaro, até que o vento, rasgado em notas ásperas, o levou até à velha oliveira. E percebeu que era no silêncio da noite que o pássaro via a liberdade. Aproximou-se, abriu a porta da gaiola e foi-se deitar. De manhã, a porta da gaiola continuava aberta e o tentilhão continuava na gaiola. Morto! Vitorioso! Pegou no tentilhão com muito cuidado, foi ao prado, apanhou um ramo de papoilas e sepultou o tentilhão sob a copa da oliveira, juntamente com as flores que nunca dormem. Ao chegar a casa, soltou todos os pássaros.
Hoje, o homem ainda olha pela janela, por detrás da cortina, mas já não há oliveiras nem prados, apenas o vento, com notas ásperas, toca um requiem em sua memória.
Hoje, penso nos pássaros e escrevo aves, invejo-lhes a liberdade e morro um pouco sempre que vejo um documentário de televisão sobre espécies desaparecidas.
O meu gosto precoce pela natureza fez de mim um coleccionador, não de animais empalhados, mas dos fascículos da Fauna, que se transformaram num livro que ainda guardo.
Vencidos os primeiros 6 anos de escola, sem sobressaltos, entrei para a técnica (o nome que então davam à Escola Calazans Duarte) e chumbei logo no 7º ano. A escola parecia-me um exercício de obrigatoriedade (e era mesmo, por isso se chamava escolaridade obrigatória), sem qualquer atracção e sem uma explicação que justificasse tamanha privação da vida. E aquelas disciplinas todas, com matérias que não tinham nada a ver com a vida, com a minha vida, não ajudavam nada. Se nessa altura não entendia para que servia aquilo que tinha de aprender, hoje essa pergunta infelizmente tem uma resposta simples: eu e todos os outros estávamos a ser preparados para aceitar com obediência e sem resistência um mundo artificial, para fazermos parte dele e para o continuarmos. Talvez por isso eu resistisse tanto, talvez seja essa ainda a razão porque tantas crianças rejeitam a escola.
Fui uma criança que demorou a crescer, para mim havia coisas mais importantes do que a escola: as brincadeiras e principalmente as incursões pelos pinhais e bosques da vizinhança.
O chumbo valeu-me uma forte reprimenda pela parte dos meus pais. Numa família modesta, com três filhos a estudar, não havia muita margem para erros. Mas passei para o 8º. No ano seguinte a coisa repetia-se, tudo era tão mais importante do que a escola. Mas aí, antes do ano lectivo acabar, com o pressentimento de outro chumbo, o meu pai disse-me: “se chumbares este ano, vais trabalhar”. Eu soube logo que o meu destino estava traçado! E sinceramente, não tive dificuldade em adaptar-me a esta nova realidade. Ninguém me perguntou o que gostaria de fazer, e se me perguntassem eu também não saberia responder, e assim lá fui eu para os moldes para plásticos. Tinha 15 anos, e a avaliar pela explosão industrial deste sector nos anos 80, um emprego com futuro. Sem saber, estava a tornar-me uma peça da engrenagem industrial, a contribuir para um modelo de sociedade que continua a trazer problemas insolúveis para a natureza. Tinha escapado da cumplicidade da escola mas tornava-me cúmplice através do trabalho. Compreendo hoje que não havia como escapar.
O que mais me custou foi passar de três meses de férias para apenas um, eu que estava habituado a um campismo semi - selvagem, a viver um Verão em pleno, e de repente eu ia trabalhar e os meus amigos continuavam a sentir o sol e o sal. Aí, confesso que desejei muito voltar à escola. Voltei, para estudar à noite, no curso que então fazia sentido, tendo em conta a minha profissão, o Geral de Mecânica. Mas naquilo que fazia sentido aprender num curso de mecânica, a escola estava alguns passos atrás, pelo menos eu assim entendia, porque o curso tinha muitas disciplinas teóricas e mesmo as práticas estavam cheias de teoria. A experiência de trabalho de 8 horas diárias impedia-me de reconhecer alguma utilidade ao curso. Resultado: também não foi por esta via que terminei a escolaridade obrigatória.
Não foi fácil, levantar-me às sete e ir para o trabalho, ir a casa almoçar (1 hora), voltar ao trabalho (4 km para cada lado), voltar a casa, ir para a escola e voltar para casa, sempre de bicicleta. É obra!
Este ciclo foi interrompido quando, cinco anos depois, mudei de empresa. Os novos patrões exigiam mais horas e eu tive de optar, estudar ou trabalhar, e o trabalho era a única escolha possível.
Entretanto cumpri o serviço militar obrigatório. A ideia de que os grupos (desde as pequenas equipas às sociedades humanas) só funcionam se houver hierarquia foi a aprendizagem mais importante deste momento da minha vida.
III- Para quê este saber? Para que serve? Onde está a continuidade?
Idade maior, decisões e compromissos, perguntas e respostas
Farto da rotina do rigor e do aço, decidi mudar o sentido da minha vida. Sem encargos de importância, deixei tudo e fui para França. Tornava-me, agora voluntariamente, mais um dos actores da grande saga da emigração portuguesa.
Através duma empresa de trabalho temporário, fui trabalhar num ofício que conhecia bem: fresador, numa empresa de componentes para aviões. Adaptei-me com facilidade ao trabalho na fábrica. Depressa aprendi a falar francês e a conviver com estes “outros” europeus, por isso me integrei bem na sociedade francesa. Evitei sempre o convívio exclusivo com a comunidade portuguesa, joguei futebol numa equipa mista (franceses e portugueses). Enfim, julgo que tomei a atitude mais inteligente e que é bem expressa pela sabedoria popular: à terra onde fores ter, faz como vires fazer. Habituado a trabalhar com rigor, nos moldes, impressionei os patrões, embora considere que os franceses são mais exigentes e rigorosos e com uma conduta orientada por valores morais mais sólidos. Enredada na teia do capitalismo, uns meses depois, a fábrica foi deslocalizada. Fui então trabalhar, com contrato a meio tempo, para a Câmara de Partenay (perto de Poitiers), onde me tornei uma espécie de ajudante de arqueólogo (nas escavações de uma igreja) e construtor de ruínas (na reconstrução de uma cidadela medieval).
Um ano depois voltei a Portugal. Achei que não tinha o direito de reivindicar fosse o que fosse fora do meu país. Ainda não tinha a noção de ser um cidadão europeu. Aliás não acredito que esta noção de cidadania seja interiorizada nas próximas gerações. Toda a organização territorial que ultrapasse a pátria parece-me anti-natural, pois acho que os seres humanos são animais de território definido, ao qual se apegam, desde que há milhares de anos se tornaram sedentários e cultivadores da terra.
De volta à pátria, com 24 anos, quis dar mais sentido à minha vida, e tentar algo que realmente me seduzisse: ser guarda-florestal! Era um rapaz cheio de convicções e este era o trabalho que me iria permitir ser um vigilante e protector da natureza. Mas quando me fui inscrever nos Serviços Florestais, um choque! Era necessário o 9º ano! Pela primeira vez senti que ter deixado a escola sem concluir a escolaridade obrigatória foi um grande erro.
Seguiram-se empregos com contratos de duração variável. Deixei a bancada e passei para o balcão de recepcionista no único hotel da Marinha Grande. Passagem breve e um tanto atribulada, por isso, terminados os seis meses do prazo contratual, não me renovaram o contrato. Depois as superfícies comerciais, primeiro o Continente, como operador de calçado, onde as normas impediam a minha progressão e, por isso, percebi que o meu futuro não passava por ali. Com a abertura do Intermarché na Marinha Grande, concorri e entrei para a secção de bebidas e, seis meses depois, subi para Responsável do Alimentar.
Uma oferta inesperada, para gerir um restaurante em Leiria, foi um desafio enorme. Aceitei. Os dois anos seguintes foram um grande desgaste, principalmente na hora das refeições, mas foram compensadores.
De repente…os filhos e tudo mudou. A busca pela profissão, onde eu me sentisse pertencer, parou. Tinha de conseguir um trabalho com horários fixos, com tempo para a família. E assim voltei à bancada e aos moldes, desta vez para vidro, na Ricardo Gallo, onde fiquei durante 5 anos e onde vivi plenamente a experiência de trabalhar numa grande empresa, fazendo parte do operariado industrial e tornando-me um sindicalista. Com a saída da Ricardo Gallo, agora Gallo Vidro acabou também, e felizmente, a minha experiência sindical, pois tinha-me sentido manipulado. Há 3 anos, surgiu uma nova oportunidade de ser um operário do século XXI, trabalhando por objectivos numa pequena empresa (mais dinheiro).
Hoje olho à minha volta e vejo colegas de infância que ainda têm o mesmo emprego de há 20 anos atrás e penso: como é possível? Como é que eles conseguem? Não consigo deixar de sentir alguma inveja.
Sei que este emprego não vai ser o último, não perdi a esperança de me realizar através dum trabalho não alienado. Contudo, olhando para este meu país tão desigual, não posso deixar de me sentir triste. A prepotência e a incompetência passam tão impunes! Fui explorado, subestimado e traído. Os compadrios, idolatrar, favores… continuam a ser os trunfos com que se ganham os jogos. Tornei-me um defensor incondicional da honestidade, atribuo-lhe cada vez mais valor, à medida que percebo que se torna mais rara.
Mas a vida não é uma escolha. A partir do momento em que somos responsáveis por ela, temos duas opções: ou seguimos pelos caminhos que ela nos apresenta ou podemos ser nós a abrir os nossos caminhos. E é essencialmente neste ponto que se distinguem os seres, é aqui que o querer, o acreditar e a força de vontade fazem a diferença.
A insatisfação perante um rumo que a vida toma, obriga a parar, a reflectir e a procurar a causa que originou esse efeito, neste mundo onde a liberdade é uma ilusão criada pelos que têm poder para conformar os que o não têm. Aquela estranheza que desde tão cedo motivou as minhas perguntas, levou-me a procurar respostas naqueles homens, que ao longo da história, as foram encontrando e as deixaram aos vindouros sob a forma de ideologias e utopias. Não foi fácil entendê-los. Por isso, eu, que até há pouco tempo não simpatizava muito com os livros, fiz um longo caminho quase solitário para a encontrar: “ é a economia, estúpido”!
Hoje suporto melhor essa estranheza porque encontrei alguém com quem posso partilhá-la em batalhas intermináveis de palavras, sem nunca me indispor com a interlocutora. Entre o filosofar espontâneo (como ela gosta de dizer) e a invenção de mundos (im)possíveis: através da poesia e histórias irreais, vou criando mundos alternativos. Onde posso sonhar.
Ao longo da vida fui aprendendo com pais, vizinhos, amigos e inimigos, conhecidos e desconhecidos, com os animais e com as coisas, absorvendo o que combinava comigo. O resto, esqueci, ou não dei importância. Fui escolhendo apenas as peças que encaixam no meu puzzle. O que em cada momento foi necessário para sobreviver são os meus saberes fundamentais.
Cada época, cada cultura tem os seus. Tal como eu tive em cada fase da minha vida. Até à Idade Média a explicação dos mestres era inquestionável. Depois, a experiência tornou-se fonte do saber. Uns séculos depois, a ciência tornava-se o único saber válido. Assim se ensinava e assim se ensina nas nossas escolas. A tradição e a experiência dos seres humanos comuns já não valem nada. Só a ciência é que explica tudo, ou pelo menos tem essa ambição. Mas em todas as épocas passadas, a sobrevivência humana foi assegurada sobretudo pelo trabalho, pela produção e pelo comércio. Em suma, pela economia.
Na minha vida, os saberes que me asseguraram a sobrevivência foram-se tornando cada vez mais complexos. No princípio, bastou-me a linguagem, para exprimir necessidades e afectos, depois, já na idade escolar, aprendi a ler, a escrever e a fazer contas, e muitas outras matérias, disciplinas, para fazer testes, para ter positiva no fim do período, para passar de ano…Terei aprendido? Então porque é que me lembro tão pouco do que aprendi? E pouco é dizer muito! Será que realmente se adquirem conhecimentos que nunca se põem em prática? O Inglês, que hoje falo razoavelmente, pois consigo fazer-me entender e até escrevo, o Francês através do qual comunico com parentes em França e falo com os amigos que voltam todos anos no Verão… terei aprendido na escola, ou na praia e num ano de trabalho em França? E o que hoje sei sobre a natureza, sobre a história e a geografia, aprendi na escola ou com os programas dos canais temáticos da televisão? Aprender é um processo muito complexo, certamente a escola teve importância, mas não demasiada, visto que a abandonei tão cedo. A escola parece-me (quando hoje reflicto) um lugar onde se estimula a competição, onde só vencer é que conta e, quando se fazem alguns vencedores… fazem-se muitos vencidos. Só nos ensinam a gostar de nós e nunca a sacrificarmo-nos, o que nos torna egocêntricos. É o culto do narcisismo que se prolonga por toda a vida.
Nunca tinha pensado, antes de começar a escrever para este portefólio, se alguma vez necessitei dalgum conhecimento, a que se possa chamar científico, para sobreviver. Mas hoje sei que a minha vida, nos moldes em que a vivo, depende inteiramente da ciência. O automóvel que conduzo, a televisão que vejo, o telefone que me liga às pessoas de quem gosto e que liga a mim pessoas que desconheço, a aparelhagem que me faz chegar a música de todas as gerações, a máquina fotográfica com que capto os lugares da minha memória e os trechos sobreviventes da natureza tão maltratada, (um pássaro, uma flor, uma nuvem, um céu azul, um mar prateado, um amanhecer…) todos os equipamentos que cada vez mais ocupam o espaço que antes era da natureza, a máquina em que diariamente trabalho, o analgésico que tomo, a roupa que visto… enfim, é difícil imaginar algo nesta sociedade tecnológica que não tenha por detrás um conhecimento científico!
Fui aprendendo muitas coisas ao longo da vida. À minha custa, como se costuma dizer, quando se quer dizer enfrentando dificuldades, errando e assumindo os erros.
Mas há momentos na vida em que voltar a estar sujeito à disciplina do pensamento, à reflexão sobre o conhecimento, se torna uma ideia com interesse e nos leva a tomar decisões que antes não fomos capazes de tomar. Aconteceu-me a mim. Aproveitar um programa do governo, para voltar à escola, mesmo sem saber o que me esperava.
Vencida a etapa da escolaridade básica através do RVCC, porque não avançar para o nível secundário? E assim, aos 40 anos, aqui estou de novo a aproveitar esta Nova Oportunidade.
De quê?
De obter um diploma com mais valor social? Não é assim tão (des)interessante. (Serve o outro eu da minha esquizofrenia).
Conseguir uma progressão na carreira – bastante improvável.
Um suplemento de auto-estima – desnecessário. Ou não será? Nunca se sabe.
Talvez uma oportunidade de cruzar este olhar com outros, os olhares daqueles que com o seu trabalho se tornam cúmplices da construção de um mundo no qual sinto estranheza. Confrontar os meus pontos de vista com os deles, dizer-lhes com toda a frontalidade que também eu sou cúmplice. Fui sempre. Mas antes não sabia. Agora já sei.
IV – Dois eus face ao Referencial de Competências – Chave
O que se espera que eu seja – o bom cidadão
Quem eu realmente sou – uma perspectiva crítica de um mundo onde sou o bom cidadão
Um cidadão condicionalmente livre e incondicionalmente responsável
Ninguém é, nem pode ser, inteiramente livre, pelo simples facto de não conseguirmos viver sós, pois somos seres sociais. Por isso a liberdade de cada um acaba onde a do outro começa. Mas a liberdade, nesta era em que tanto se fala dela, significa ser responsável; os compromissos assumidos, sem constrangimento, pelo menos físico (ameaça de prisão, por exemplo, que é a situação extrema de privação de liberdade) obrigam-me a responder por eles, a respeitá-los e honrá-los, mesmo que isso exija sacrifício. A liberdade é uma utopia que guiou a humanidade ao longo dos tempos, pela qual muitos lutaram e conseguiram algumas vitórias, pelo menos nalgumas partes do mundo. Por exemplo: fim da escravatura e do comércio de escravos, mas ainda não o fim da escravatura assalariada nem o fim do tráfego de crianças; fim da desigualdade política entre homens e mulheres, mas ainda não o fim (felizmente!) das diferenças que resultam da biologia. Como cidadão assumo a minha liberdade (condicionada), conquistada pelas gerações que lutaram contra a ditadura, congratulo-me de poder falar livremente, indignar-me e protestar, votar, e tudo isso faz alguma diferença.
Como pai, sou responsável pelo bem-estar e educação dos meus filhos, o que me faz estar atento às suas necessidades, a trabalhar para satisfazê-las, a ajudá-los a construir um futuro. A sacrificar-me por eles, porque só o amor é companheiro do sacrifício. Não vou dizer: dar-lhes tudo o que eles merecem, porque isso é uma ambiguidade tão estúpida, que não me atrevo a escrevê-la. (mas escrevi!)
Vivendo num mundo onde o egoísmo e o cinismo coexistem com alguma (pouca) solidariedade e bondade (ainda menos), onde nos ensinam a amar as coisas (o carro, a sofá, o telemóvel, a aparelhagem…) mas não as pessoas, enfrento diariamente situações conflituosas (em casa, no trabalho), com as quais aprendo a ser tolerante e a ouvir os pontos de vista dos outros. Sobre elas reflicto, hesito, procuro colocar-me para além dos meus próprios preconceitos (que, como toda a gente, tenho) e aceitar as diferenças como riqueza, pois sou contra o pensamento único e reajo mal sempre que tentam impor-mo. Sou uma pessoa pacífica, sem ser um pacifista. Tenho um coração que, como canta Sérgio Godinho, parte pra guerra com os olhos na paz!
O meu espaço de liberdade é dentro de mim, nas horas infindáveis em que invento um mundo em que posso viver em paz e ser feliz. Um mundo harmonioso de seres humanos e natureza, onde possamos amar sem objectos intermediários, no qual todos os dias possa extasiar-me com a beleza dum céu azul e dum mar calmo ou agitado, atravessado pelos sonhos de tanta gente. Sei que esta é uma visão romântica, talvez até uma utopia. Mas na vida também aprendi que a utopia é afinal um lugar que apenas ainda não existe. Entre a realidade e o sonho, procuro ser… um bom cidadão.
O bom cidadão tem de ser “in”
Como bom cidadão do século XXI devo, na minha vida quotidiana “privada”:
Ter consciência de viver num mundo de complexidade sem precedentes, construído a partir duma concepção científica e tecnológica, no qual, para me sentir integrado, deverei possuir competências dessa natureza, caso contrário serei visto como um tecno-excluído, um info-excluído, um analfabeto técnico. Ou, para usar gírias de outras gerações, “estar out”, ser um “Quadrado”.
Na vida “privada”, penso que isto significa:
- ter a casa equipada com as máquinas que facilitam a vida, aligeiram o trabalho humano, substituindo o esforço físico por energia, adquiridas de forma ponderada, com critérios económicos, ecológicos e funcionais; partilhar as tarefas domésticas reorganizadas pela existência das máquinas e pelo facto de as mulheres terem, em geral, um emprego; saber utilizar os equipamentos correctamente de forma a não os estragar, instalá-los e pô-los a funcionar lendo o manual de instruções, ainda que escrito em língua estrangeira, (o cidadão do século XXI deve ser do tipo “do it yourself”, mas na verdade está cada vez mais dependente dos outros!) e ainda reconhecer princípios científicos em que se baseia o seu funcionamento, isto é, perceber que um fogão a gás consome um tipo de energia (fóssil), que uma máquina de lavar consome energia eléctrica ou que um telemóvel funciona sem fios, porque há satélites à volta da terra, que também me dizem qual o melhor caminho para chegar a um destino pretendido, e que algures, por aí, há algo misterioso a que os cientistas chamam o espectro electromagnético.
Também significa saber utilizar um telemóvel que tire fotografias, uma máquina fotográfica ou de filmar, o que se tornou tão indispensável como ter comida na mesa, e de preferência tudo digital, porque as mecânicas já são peças de museu.
O nascimento dos filhos, as festas de aniversário, as viagens, as férias, enfim os momentos da família feliz têm de ser fotografados, filmados e guardados para mais tarde recordar. Cada cidadão se tornou um pseudo-artista e a vida quotidiana o tema preferido da arte. Depois, junta os amigos e dá-lhe uma valente seca com: “olha que bebé tão lindo”, “isto foi quando o meu filho fez um ano”, “este sou eu na minha viagem a Cuba”, “aqui são os amigos do meu filho, todos uns craques da bola, mas ele é o melhor”! Haja paciência!
Também eu sucumbi a esse apelo de me tornar um artista de fotos e filmes caseiros. Ainda não fui muito longe nas minhas produções, até porque as instruções, que se diz estarem numa linguagem que todo o cidadão entende, não são assim tão fáceis. Umas fotografias dos filhos, umas paisagens nostálgicas, um pormenor interessante da natureza…mas, não vou além disso. Com o telemóvel sou melhor (ou pior), dependendo dos dias e do destinatário das mms.
- Também se espera que o meu comportamento em casa revele a consciência de que, no mundo tecnológico, a energia é o supremo bem e que todos os recursos são limitados, porque a terra é finita, sendo necessário, portanto, não desperdiçar: água, energia eléctrica, calor!
No supermercado devo saber identificar produtos de baixo consumo energético, (Classe A) em casa apagar luzes desnecessárias, não dormir em frente ao ecrã, sobretudo se estiver a ver um bom filme, vigiar os putos antes de dormirem, não vão eles também adormecer com os MP4 nos ouvidos ou o ecrã do Magalhães a piscar. É suposto que, se cada cidadão fizer uma utilização/consumo racional dos recursos energéticos e outros, estará a contribuir para um ambiente sustentável, podendo deixar às futuras gerações uma terra ainda habitável e ainda capaz de suportar milhares de milhões de seres humanos com o mesmo estilo de vida de que hoje podemos usufruir (coisa em que eu não acredito). Pessoalmente gostaria de deixar aos meus filhos um mundo onde pudessem viver felizes e saudáveis, mas quando vejo imagens das cidades do futuro, como Xangai, Tóquio ou São Francisco – (Canal História, As cidades do futuro) onde não há uma árvore a não ser nos jardins dos ricos, onde milhões de pessoas não têm água potável, enquanto ao lado são desperdiçados milhões de litros para regar a relva dos campos de golfe para milionários (Canal História, As Guerras da Água) onde milhares de pessoas tomam banho de sol em gigantescos solários e praias artificiais, e andam pelas ruas com máscaras protectoras… para dizer apenas o mínimo, pergunto-me se num mundo assim alguém pode ser feliz?! È este o mundo para o qual contribuirei sendo um bom cidadão? Políticos, economistas, sociólogos e outros sábios afirmam que este modelo de desenvolvimento, com mais ciência, mais tecnologia, é sustentável se…formos bons cidadãos. Mas eu tenho as minhas dúvidas, que mais adiante explico.
Como bom cidadão, sou o primeiro responsável pela minha saúde. É recomendável que tenha um comportamento saudável – alimentação equilibrada, adequada à idade, exercício físico, (tenho de procurar um desporto mais adequado à minha idade, porque o futebol está a dar cabo de mim!) práticas de lazer saudável, isto é nada de “fast food”, de gorduras, açúcar, álcool (o que vai contra a cultura do prazer e do consumo), pedalar e caminhar, em vez do uso e abuso do malfadado automóvel. Não sou assim tão bom cidadão. Sempre que posso, faço-o. Mas só posso quando está sol e os dias são compridos. Pela minha saúde!!
Só leio folhetos sobre saúde se estiver num consultório médico e não houver mais nada, mas presto atenção à publicidade da televisão se forem realmente conselhos sobre saúde (Vigie o seu coração, olhe o colesterol, controle a sua tensão), mas sou totalmente céptico em relação às propriedades mágicas do Isostar, das formas Luso, dos Danacol ou outros danones que fazem corpos saudáveis e barrigas desinchadas… mas só a quem já as tiver!
Quem me dera poder comer sempre de acordo com as recomendações dos nutricionistas, respeitar a roda dos alimentos. Se ao menos pudesse confiar que mais conhecimento científico não irá alterá-la novamente. Mas continuo a pensar que, mais importante do que a quantidade seria a qualidade dos alimentos, o que já ninguém pode garantir, desde que toda a agricultura e criação de gado se tornaram industriais. O que me vale é ainda haver muitos quintais, graças aos quais posso saborear ainda alguns alimentos que escapam ao crescimento rápido, estimulado pelas hormonas e pelos adubos.
Como bom cidadão, vivo de acordo com as minhas possibilidades, e mesmo não fazendo um orçamento, não gasto mais do que ganho, pago os impostos a tempo e horas e até o faço via electrónica, tudo isto pagando a uma contabilista, pois é para isso que elas (e eles) existem. Entre as prestações obrigatórias para amortizar os empréstimos, as contas do supermercado e as despesas com a educação dos filhos (a escola pública já não assegura a formação que devia; também aqui, aos poucos, as promessas da Constituição vão sendo abandonadas) pouco sobra. Poupanças gostava de fazer, a pensar em imprevistos, mas os investimentos estão fora dos meus planos, porque para cumplicidade com o sistema já me basta consumir, trabalhar, ter salário e produzir diariamente mais-valia para o patrão.
As tecnologias de informação e comunicação fazem parte do meu dia-a-dia de bom cidadão. Do telefone ao telemóvel, do rádio à televisão e ao computador, a minha vida tornou-se mais fácil graças a estes equipamentos. Mulher, filhos, amigos, a toda a hora em contacto. Ligado ao mundo com as notícias ao acordar, no caminho para o emprego; ligado ao sonho no aconchego da casa: chinelos e um bom filme antes de dormir! O computador só quando é mesmo obrigatório, como agora está a ser para ir escrevendo este portefólio e fundamentar algumas afirmações com dados pesquisados na internet, porque não arrisco falar do que não sei (nem quero saber, pois não gosto de depender do que não consigo controlar). As ondas electromagnéticas, a electricidade e a electrónica, produto do trabalho de milhares de cientistas, e a tecnologia que daí resultou (que faz uns quantos milionários graças à exploração do trabalho de milhões de seres humanos!) tornaram a minha vida uma beleza!
E tudo isto numa casa bem pensada, espaço de bem-estar, num local aprazível, (o pior é a estrada que passa em frente!) construída segundo as regras e materiais amigos do ambiente. Tenho sorte! Não vivo num apartamento de subúrbios, construído à pressa com os materiais mais baratos (cortiço dos pobres), nem num condomínio fechado, vigiado por sistemas de segurança (cortiço dos ricos). Como a maioria dos portugueses, vivo numa casa a crédito! Até quando a posso pagar… é um enigma! Tal como todos os equipamentos, ecologicamente sofisticados, de que necessito para ser um cidadão como este referencial de competências pretende! Mas entre as dezenas de possibilidades, a minha escolha incluiu um quintal, um ribeiro ao fundo… para não me esquecer, nunca, do rumor das águas que correm, do sabor de um frango caseiro ou duma salada de tomate cultivado pelas minhas próprias mãos!
Casa - lar, doce lar! Espaço de bem-estar, espaço de lazer, espaço de convívio, espaço de cultura. Podemos ter uma casa e nada disso! Ou podemos não ter essa casa e encontrar, fora dela, tudo isso. A casa pode ser um mero abrigo. Talvez não precisemos realmente de mais. Eu poderia viver, e muito bem, numa casa na serra, feita de pedra e madeira, reconstruída pelas minhas próprias mãos e pelas mãos de outros como eu, desde que tivesse no Verão a sombra dum castanheiro e no Inverno uma lareira acesa e uma renda branca bordada sobre a mesa . Não perdi a esperança. Mas as necessidades, que durante séculos foram tão supérfluas que nem existiam, são hoje as necessidades básicas, razão por que o trabalho é cada vez mais alienado, e a maioria das pessoas o justifica pela necessidade do salário para pagar a casa, o recheio, o carro, as férias, os créditos e os créditos dos créditos…. Todos os dias, há contas para pagar!
Então, não é uma sorte viver no século XXI?!
O profissional do século XXI
Os direitos e o direito ao protesto
Herdeiro do século dos direitos do homem (ou melhor, dos homens e das mulheres também - escrevo já para evitar a correcção da técnica orientadora!), o profissional do século XXI deve reconhecer os seus direitos mas compreender que há outros – os do capital - e que quando entram em conflito… vence o mais forte. Basta ouvir as notícias diariamente neste ano de crise. O governo salva os bancos mas todos os dias centenas de operários ficam sem emprego, a viver provisoriamente (ou até ao resto da vida) com míseros subsídios. São velhos demais para voltarem a ter emprego quando (e se) houver melhores dias e novos demais para se reformarem. Vão ter que viver de expedientes, e alguns, se calhar, não muito legais. O actual Código de Trabalho não deixa dúvidas: a força dos trabalhadores e das suas organizações do século XX deu lugar à necessidade de sobrevivência do capital. Pelo menos é o que se pode deduzir das leituras que os vários partidos fazem das alterações introduzidas, como a flexibilidade, os bancos de horas, a simplificação dos despedimentos ainda que seja com “justa causa”. Quem não se adapta, não se reconverte, não investe na sua formação… está fora! No capitalismo global, os direitos dos trabalhadores, expressão tão cara na Europa social e também na Europa ex-comunista, são, cada vez mais, letra morta. As greves, hoje, não são mais do que uma espécie de manifestação do direito ao protesto e raramente se traduzem em vitórias dos trabalhadores. Porque um exército de desempregados está disposto a trabalhar mais por menos dinheiro, as empresas podem reestruturar-se, o que quase sempre significa despedir trabalhadores, negociar reformas antecipadas ou propor pré-reformas, declarar-se insolventes, falidas, e na maior parte dos casos ser deslocalizadas para um qualquer lugar no mundo onde milhões de homens, mulheres e crianças trabalham por um salário de sobrevivência, sem descanso e sem direitos.
O trabalho por objectivos substituiu o princípio igualitário que já cheira a mofo, “trabalho igual, salário igual”, uma bandeira que também eu agitei e que agora está desbotada, a lembrar vagamente que houve um tempo… em que o capital não podia viver sem o exército de trabalhadores. No século XXI, muitos gostam de dizer que não há antagonismo entre o capital e o trabalho. Patrões e trabalhadores cooperam, uns não exploram os outros, mas produzem, juntos, mais-valia. Trabalham por objectivos. Mas os objectivos de uns não são os dos outros. Muita sorte têm, os que têm trabalho. Embora na Constituição esteja escrito, com todas as letras, no seu artigo 58º, “Todos têm direito ao trabalho” e que cabe ao estado executar “políticas de pleno emprego” , parece que também estes princípios se tornam letra morta sempre que as empresas “entram em crise”, o que quer dizer têm menos lucros.
Era assim, no ocidente, até há meia dúzia de anos atrás. Enquanto o mundo se tornava uma fábrica e um hipermercado global, com milhões de homens, mulheres e crianças em países do terceiro mundo, que por agora alimentam e se alimentam do capitalismo glorioso do ocidente, em agonia. Por agora! Ninguém arrisca previsões rigorosas, mas todos os comentadores enchem a boca com “as novas potências emergentes”, a China, a Índia, o Brasil, que irão engolir o velho mundo! Basta ouvi-los nos grandes debates! Ou estar com atenção às etiquetas dos produtos. Tudo o que consumimos é made algures no Extremo Oriente ou na América Latina.
Eu sou um trabalhador em extinção do século XXI, com uma profissão que combina perícia humana e tecnologia sofisticada. Numa pequena empresa, de sete operários, um deles o patrão-trabalhador-empresário, recupero moldes para garrafas, contrariando a célebre máxima da sociedade de consumo, “use e deite fora”.
Na linha de montagem, ou em qualquer outra organização, o profissional do século XXI deverá ter uma palavra a dizer para melhorar a eficiência do seu trabalho e da organização. A pessoa certa no lugar certo - como dizem os gestores de recursos humanos -, adaptação ao imprevisto, e concluem sempre que… mais tecnologia torna o processo mais eficaz, menos dispendioso, mais rentável! De vez em quando, um operário, mesmo sem saber álgebra linear, matemática aplicada ou qualquer outro saber complexo de engenheiros e doutores… descobre a optimização de uma tarefa. Comunica-a às chefias. Torna-se o empregado do mês (também já fui), terá o seu retrato à vista de todos, como exemplo. Talvez receba um prémio, talvez seja convidado a subir uns lugares na hierarquia! Gestão participada - dizem os peritos! Numa pequena empresa é fácil que isto aconteça, sobretudo porque muito do trabalho depende ainda da perícia humana.
A luta pela sobrevivência leva os seres vivos a descobrir soluções engenhosas. Por ela, muitas gerações de seres humanos, há milhares de anos, deslocam-se na terra, à procura de melhores condições de vida. Este é o principal factor da emigração, que se pode ler em qualquer livro de história e também aprender por experiência, como é o meu caso, entre milhões. Estas deslocações sempre deram origem a sociedades multiculturais, muito antes da palavra existir. Emigrantes por todo o mundo foram discriminados nos empregos a que conseguiam chegar, e até mal vistos, principalmente em tempos de escassez, porque há uma tendência a considerar que tiram os empregos aos da terra. É o instinto de sobrevivência a funcionar. No século XXI, aceitar todos, ter as fronteiras abertas, principalmente na Europa, ignorar as diferenças, não mostrar preconceito de superioridade, é que se tornou politicamente correcto. Portugal, que também é uma sociedade multicultural, acolheu nas três últimas décadas milhares de africanos dos PALOP’s, (ex-colónias africanas) brasileiros e mais recentemente os imigrantes de leste, que aqui esperam encontrar “a terra da oportunidade”. Comportam-se aqui como quaisquer emigrantes em qualquer parte do mundo: trabalham, poupam, integram-se com mais ou menos dificuldade, suportam, quando calha, as piadas discriminatórias.
Há dias, o Vladimir, um ucraniano que trabalha comigo, fez-me a pergunta, que todos os dias eu faço a mim próprio:
- Ó Luís, porque é que trabalhamos tanto?
Respondi-lhe:
- É para ganhar dinheiro.
- Mas para quê - retorquiu ele - quanto mais ganhamos, mais gastamos. Quando aqui cheguei, ganhava 500 euros e isso bastava-me para viver. Agora ganho mais e não chega!
Só alguém inteligente pode pensar assim. Inteligência que não é privilégio dos brancos, nem de uma ou de outra cultura. Muitas vezes, preconceituosamente, achamos os estrangeiros ignorantes, apenas porque não conseguem comunicar com clareza, por causa da barreira linguística. Por isso não compreendo como pode haver racismo. Mas compreendo que, quando o trabalho escasseia, o instinto de sobrevivência leve as pessoas a culpar os outros, sobretudo os estrangeiros. E assim surgem os líderes políticos como Le Pen e Berlusconi que capitalizam o descontentamento social gerado pela falta de empregos, com promessas absurdas de expulsarem os estrangeiros dos seus países. Hoje é difícil imaginar o nosso país sem os milhares de imigrantes que por cá trabalham. Tão difícil como imaginar a história de Portugal e a do mundo sem a emigração portuguesa que dura há 5 séculos. Pelos quatro cantos do mundo se espalharam, deixaram modos de vida e uma língua que fez nascer, nesses países, agora independentes, grandes escritores, como Mia Couto, o branco com o coração mais negro que li. Os imigrantes de leste trazem consigo uma cultura exótica que enriquece as comunidades portuguesas, com folclore, gastronomia, festas. E tornam-se também personagens de romances, enriquecendo a literatura portuguesa. O exemplo que conheço é prova disso: O Apocalipse dos Trabalhadores, de Valter Hugo Mãe. Mas os estrangeiros serão sempre “outros”. Por melhor que falem a nossa língua, por muito bem que façam os seu trabalhos, ai deles se alguma coisa correr mal! Logo apontarão o dedo à sua origem estrangeira. Todos temos preconceitos. Basta aparecer uma oportunidade para eles virem ao de cima.
Só temos esta Terra
Quando a última árvore for cortada,
Quando o último rio estiver vazio,
Quando o último peixe for apanhado,
Só nessa altura o Homem perceberá
Que não pode comer dinheiro.
Uma máquina mais eficiente, de preferência que faça o trabalho sozinha, é o sonho de qualquer empresário, grande ou pequeno. Mas as tecnologias também são descartáveis. Elas tornam-se, ou têm que tornar-se, obrigatoriamente, obsoletas para serem substituídas continuamente por outras, mais eficientes, que produzam mais e mais depressa, para que a sociedade seja iludida com a obrigatoriedade de consumir para ser feliz. A fórmula é simples e tem resultado: mais e melhores máquinas, para mais produção para mais consumo. A obsessão da eficiência, fazer mais e melhor em menos tempo motiva a construção de equipamentos cada vez mais sofisticados e autónomos mas não (ainda não!) capazes de dispensar totalmente a presença humana. Uma máquina complexa exige sempre uma formação mais complexa, reconversão dos trabalhadores e pode levar à “dispensa” daqueles que não se adaptarem. Talvez um dia, em breve, todas precisem apenas de engenheiros e programadores e deixará de haver lugar para trabalhadores menos qualificados. Não é o que acontece em sociedades altamente tecnológicas, como o Japão, onde não há maquinistas de comboios mas engenheiros que os programam?! Já não se trata apenas de saber usar um computador, mas saber programar todos os equipamentos que funcionam segundo os princípios da cibernética. O bom cidadão do século XXI virá a ser apenas um engenheiro ou doutor. (Como se todos os males modernos não fossem criados e sustentados por doutores e engenheiros!) A crescente complexidade tecnológica parece ameaçar a existência, ou pelo menos a maior parte, da força de trabalho humana. A tecnologia substitui o trabalho manual, a comunicação entre as máquinas substitui a comunicação humana, o homem torna-se um espectador da sua obra-prima! O fato de macaco será substituído pela bata branca, os ambientes de trabalho serão imaculados, as tecnologias, limpas, como nos filmes de ficção científica. A humanidade vive com receio de ser governada pela máquina mas a verdade é que somos escravos dela há muito, desde que o vapor substituiu a força humana e animal. É para esse mundo que estão a ser formadas as novas gerações, postas em frente ao ecrã de televisão mal acabam de nascer, que à entrada para a escola exigem aos pais um telemóvel de última geração e que aos 10 anos já são peritos a usar um computador. A tecnologia substitui as brincadeiras com os amigos, e na idade adulta, se conseguirem trabalho, serão também profissionalmente tecnodependentes.
E enquanto não chegam as “tecnologias limpas” (mas haverá alguma tecnologia limpa?), as empresas devem assumir a sua responsabilidade ambiental. Essa é hoje uma exigência na Europa Unida, para as empresas que pretendam ser certificadas. A certificação dá credibilidade! Assegura que tudo na empresa é correcto: espaço adequado, tecnologia eficaz, trabalhadores formados, política ambiental. Só não assegura que a empresa pague as dívidas aos bancos e à segurança social ou os salários aos trabalhadores, mesmo que tenha recebido milhões de euros de incentivos. Ela pode mesmo deslocalizar-se e receber, noutro local, novos incentivos. Ironia das ironias, é que os países prejudicados pela deslocalização são os mesmos que contribuem financeiramente para a oferta de incentivos noutros países. Nenhuma certificação evita a falência e a deslocalização. O mercado soberano é que decide! É a economia… estúpido!
O lixo e a necessidade de o reaproveitar são causa e efeito da tecnologia. Lembro-me bem do tempo em que todo o lixo doméstico era reciclado em casa, servindo de comida para os animais ou para fazer estrume. Fazia-se a compostagem muito antes de existir o conceito que agora está na moda. Mas também me lembro das lixeiras à beira da estrada, antes das questões ambientais fazerem parte das preocupações dos nossos políticos. Há duas décadas não existia sequer um Ministério do Ambiente em Portugal. Foi criado em 1990, com o nome simples Ministério do Ambiente, no ano seguinte tornou-se Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, chama-se agora Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional e tem um papel determinante em todas as decisões nacionais e internacionais que envolvam recursos. . Essas preocupações eram apenas dos povos nórdicos, já então muito ricos e muito conscientes da sua responsabilidade na preservação do ambiente. Eram também os países tecnologicamente mais avançados.
A tecnologia cria a toda a hora problemas para os quais são pensadas soluções destinadas a manter o modelo tecnológico de sociedade. Soluções essas que criam novos problemas. É preciso reciclar tudo, porque os recursos são limitados mas a ambição e a sede do consumo são ilimitados (é o que nos diz diariamente a publicidade nas suas diversas formas). E assim se cumpre a lei de Lavoisier: na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. A preservação do ambiente dá actualmente emprego ou ocupação a milhões de pessoas: desde homens do lixo (agora técnicos de ambiente), não falando nos milhares de crianças da Índia que percorrem as lixeiras à procura de coisas para vender e assim sobreviver (não foi esse cenário de miséria que ajudou o filme Slumdog Millionaire a ganhar 8 óscares?!) aos engenheiros de ambiente e aos cientistas que, com os seus super - computadores, criam cenários optimistas da sobrevivência deste modelo de sociedade ou simulam as catástrofes, as mudanças climáticas irreversíveis e até o fim do mundo! Só temos esta terra, que “não herdamos mas pedimos emprestada aos nossos filhos”, por isso não deveríamos comportar-nos como uns novos-ricos esbanjadores. Mas comportamos!
Também este canto do mundo, que foi em tempos clandestinamente comunista, foi tocado pela febre de mais tecnologia, tecnologia mais avançada, pelo desejo de fazer parte da grande fábrica mundial.
Há duas décadas, a Marinha Grande era conhecida como capital do vidro, mas pouco se parecia com as cidades industriais que conheci na Alemanha (de que tenho vaga memória) e em França. Não passava de um conjunto de lugares, mal articulados, ligados por maus acessos (hoje não me parecem muito melhores!) a um centro onde se concentravam as principais unidades industriais que davam emprego à maioria das famílias. Em menos de duas décadas, fecharam praticamente todas as vidreiras, excepto as grandes unidades de vidro de embalagem (Barbosa & Almeida (ex-CIVE), Santos Barosa e Ricardo Gallo – agora Gallo Vidro, de capital espanhol, onde trabalhei durante cinco anos e onde fiz a minha curta aprendizagem de sindicalista). A criação de uma Zona Industrial, resultado das pressões políticas (não apenas ambientais) permitiu a deslocação dalgumas indústrias, por exemplo a Crisal, 1ª empresa a mudar-se para lá. Em meia dúzia de anos foram aí instaladas outras, algumas das quais resultaram do desmantelamento ou de qualquer outro exercício de ilusionismo económico, assegurando-se assim o emprego de milhares de marinhenses. Nos anos 90, nem as novas instalações e a tecnologia de ponta, nem os planos de reestruturação para a Cristalaria, nem as greves e outras manifestações operárias salvaram estas empresas. Já no século XXI, as que ainda restavam (Marividro, Canividro) acabaram por fechar. A zona industrial de Casal da Lebre, definida no Plano Director Municipal, aprovado em 1995 e que está a precisar urgentemente de concretizar a sua revisão, garantiu a transferência de muitas empresas retirando-as do coração da cidade (onde ficaram as que continuam a trazer problemas – basta ver os acessos à Gallo Vidro ou, ainda mais gritante, o túnel de acesso à Santos Barosa!) e levou muitas outras a instalarem-se lá. Mas qualquer pessoa com dois dedos de testa, consegue ver os erros que ali foram feitos: um acesso único que é também a única saída – eu queria ver se houvesse um acidente industrial!- ; as árvores foram todas abatidas e substituídas por relvados, exigindo água de rega que seria totalmente dispensável se tivessem mantido os pinheiros; sem sombras, o espaço tornou-se seco e quente. O nome das ruas é de pasmar! Rua da Alemanha, Rua da Bélgica, Rua da Espanha, Rua da França…um sinal parolo de internacionalização. Parece que adivinhavam que um dia chegaria o capital internacional para “salvar” as empresas. O investimento de milhões de contos que ali foi feito, em fábricas, (por exemplo a Mandata e a Neovidro) ninguém sabe onde foi parar. Hoje o que resta delas são edifícios quase novos totalmente ao abandono e centenas de operários que ficaram sem emprego e alguns sem os direitos. Muito do que ali foi feito são golpes na economia e na identidade marinhense. Onde é que está o equilíbrio património natural/património construído que constitui um dos objectivos do PDM?! Só se for nos livros dos escritores locais, ou nas fotografias antigas que se podem ver nos museus. Nesta luta insana contra a natureza, a que se chama progresso e civilização, já se sabe que quem vence… é a economia, estúpido!
Nesta Zona Industrial mantém-se em laboração apenas uma fábrica de Vidro, a Crisal, hoje propriedade de um grupo americano, Libbey, porque o capital não tem pátria. Mas os trabalhadores têm. Têm pátria, família, casas e carros para pagar.
Pouco antes da indústria do vidro entrar em crise, uma nova indústria começou a florescer, os moldes. Pequenas e médias empresas, todas filhas naturais da indústria do vidro (dos moldes para o vidro) nasceram como cogumelos nos anos 70 e principalmente nos anos 80 do século XX, impulsionadas pelos Fundos Europeus. Depois da adesão de Portugal à CEE, tinha que se modernizar o país e depressa! Os operários vidreiros, para muitos dos quais a fábrica foi a única escola, foram para a reforma ou para o desemprego, ou foram recuperados para a nova indústria, inicialmente bastante artesanal.
Mas sendo uma indústria de maior exigência tecnológica, em pouco tempo os moldes passaram a ter técnicos, não operários. O colectivismo que caracterizou a indústria vidreira, que vinha da tradição operária do século XIX, deu lugar ao individualismo no trabalho, à pequena equipa, o que também se explica (mas não só) pela pequena dimensão da maioria destas empresas.
Quem conheceu a Marinha Grande há duas ou três décadas e a visita hoje em dia nota que alguma coisa mudou. As bicicletas deram lugar aos carros de alta cilindrada que competem pelas estradas e aos outros, que só olhamos para eles quando entopem a cidade em hora de ponta, porque as estradas pouco mudaram. Para os turistas, a surpresa deve ser total: já não visitam uma fábrica de vidro, visitam um museu. A FEIS, mãe de todas as fábricas de vidro, depois de uma longa agonia acabou por ser vendida a um Dinamarquês que a levou à falência, como já fizera com a J. Ferreira Custódio (ou terá sido o resultado inevitável da globalização!?). E os edifícios da primitiva fábrica dos Irmãos Stephens (afinal desde o século XVIII que o capital não tem pátria!) transformaram-se naquilo em que sempre se transforma o trabalho: um museu, uma biblioteca, uma escola, uma galeria de arte, enfim… cultura! Os milhares de postos de trabalho foram reduzidos a umas escassas dezenas de técnicos com formações especializadas.
Outras unidades industriais, algumas com valor arquitectónico, tornaram-se ruínas e assim continuam. É o caso da Ivima que, depois de desactivada, já foi abrigo de toxicodependentes e até cenário de filme. Agora é apenas ruína, mas já há notícia de que os poderes locais encontraram uma solução para ela, não isenta de polémica . Outras empresas ligadas indirectamente ao vidro, como a de empalhamento dos garrafões, conheceram sorte diferente. Por exemplo, a fábrica da palha, agora local de diversão nocturna. Ou a antiga fábrica de tijolo, onde foi construído o Centro Comercial, que conserva a memória numa chaminé e no nome, o Atrium Cristal, mais um elefante branco da autarquia socialista. Para quem ainda não reparou, existe ali um mercado que se calhar nunca vai abrir. Entretanto, o velho mercado, que funcionou durante várias décadas na antiga fábrica da resinagem, bem no centro da Marinha, fechou, por decisão da ASAE. Não tinha condições, era terceiro mundo! E agora temos uma cidade com esta situação: um mercado fechado, um mercado que não abre e umas tendas gigantes onde a população se abastece de alimentos frescos ao fim-de-semana. Que por acaso se parece ainda mais com uma cena de terceiro mundo.
O pinhal, que foi uma das condições para a existência da primeira fábrica, mantém-se como pulmão do concelho, sobrevivendo aos fogos e à invasão urbana de hotéis e SPA’s nas zonas balneares. Mas a sua função já mudou. A lenha ou energia de biomassa (como agora se diz) ao ser substituída pelas energias fósseis (petróleo e gás) na alimentação dos fornos, transforma-se também uma memória: o projecto do Museu da Floresta ganhou no ano passado um novo fôlego. Já tem uma Engenheira Florestal responsável e certamente criará mais meia dúzia de empregos, todos para especialistas numa área qualquer .
A saúde no país real
Somos responsáveis pela nossa saúde, mas esperamos que o Estado nos proteja, que o patrão cumpra os seus compromissos sociais que nos asseguram a assistência em caso de acidente, o subsídio em caso de desemprego, a reforma no caso de sobrevivermos até lá. E ainda nos julgamos livres! Esperamos que o sistema nacional de saúde funcione bem, mas funciona sempre mal. No emprego fazemos o que nos compete: cumprimos as regras de higiene e segurança no trabalho (auriculares, luvas, botas, óculos protegem-nos de eventuais acidentes) partindo do princípio que a empresa as cumpre! E quando não cumpre? Chamamos a ASAE e arriscamo-nos a perder o emprego?
Consertar moldes, o que faço, é muito diferente de dar concertos. Precisarão as profissões ditas da cultura, por exemplo professores, directores de museus, escritores, jornalistas, cantores, actores, bailarinos, concertistas e outros artistas de uma protecção especial da sua saúde? Professores talvez! Pelas notícias que de vez em quando aparecem na televisão e inflamam os ânimos nas escolas, ou mesmo pensando nos carros de polícia Escola Segura que patrulham as entradas das escolas, mas que nunca lá estão quando acontece alguma coisa, parece que ser professor está a tornar-se uma profissão de risco. (E tu professora, já pensaste bem na tua vida? Já adormeceste a olhar o escuro e ao pensar na tua vida ela transformar-se em escuridão? Tens coragem de mudar, agora que um político sentado num trono divino “te impõe um argumento fálico”? Ou mostras resultados ou estás feita!)
Jornalistas, quando estão em missões especiais nas zonas de guerra, se calhar também deviam fazer pelo menos um seguro a favor da família, porque sujeitam-se a levar com um rocket perdido ou a serem desfeitos por um bombista suicida. Mas se tudo correr bem, talvez até ganhem prémios e então a missão valeu bem o risco. Não são assim tantos os jornalistas que têm morrido nas guerras. Muitos mais foram e são os soldados que combatem e morrem pela pátria ou pela ganância geoestratégica dos políticos e dos seus mandantes.
Quanto aos cantores, é bom que façam um seguro da voz, que é o seu ganha-pão. E os bailarinos das suas pernas. Mas que o façam por conta própria! Ou agora cantar e dançar para entreter e para alienar multidões também é um serviço público? Se o Estado tivesse sistemas especiais para estas e muitas outras profissões da cultura não havia orçamento que resistisse. E porque é que estas profissões deviam ter esse privilégio? São mais importantes do que pedreiro, operário fabril ou agricultor, por exemplo? Muito pelo contrário, são “profissionais” destes que sustentam a humanidade. E já têm muita sorte se conseguirem uma consulta num centro de saúde público em tempo útil, quer dizer antes que a doença se torne incurável ou mesmo antes de estarem mortos.
Eu que sou um bom cidadão, também tenho sentido de justiça. Por isso, como trabalhador que paga os seus impostos a tempo e horas, exijo aquilo a que tenho direito: os serviços do sistema nacional de saúde. Mas sei que se quiser ter melhor, (o que não é difícil!) tenho de pagar. Por isso fiz um seguro de saúde que me dá algumas garantias de não apodrecer no corredor de um hospital em caso de acidente!
No local onde trabalho, só queria mesmo era ter condições para um bom banho ao fim do dia, uma janela por onde entrasse o sol, e que o patrão pensasse que estas condições mínimas já seriam o máximo! Já lho disse em todas as línguas que conheço! Eu trabalho numa empresa do país real. Há quem tenha muito melhores condições de trabalho, eu sei. Mas há muitos milhares de portugueses que trabalham sem o mínimo de condições de higiene, segurança e saúde e sobrevivem.
Bem -vindos ao país real, autores do Referencial.
Bom cidadão… ma non tropo
Eu era uma criança quando se deu o 25 de Abril. Estava na Alemanha, mas mal a ditadura partiu os meus pais regressaram. Não percebi nada do que se estava a passar. Era política e isso não dizia respeito a uma criança de 7 anos. Mas hoje percebo muitas coisas e sei que também são política. Hoje sei que poder votar, participar em manifestações (apesar da decepção que tive por perceber que também eu era manipulado), pertencer a um sindicato ou a um partido político, ou dizer mal do governo, coisa que não faço todos os dias só porque nem sempre encontro interlocutores, por exemplo, só foi possível graças ao 25 de Abril. Está tudo escrito na Constituição da República Portuguesa, no capítulo mais interessante, os direitos dos cidadãos.
Quanto aos sindicatos, acho que já conheceram melhores dias. O capitalismo selvagem, a globalização, o liberalismo e sobretudo a tecnologia que dispensa o trabalho humano, são tudo faces da mesma moeda e estão a liquidar as organizações de trabalhadores e as lutas colectivas. Acabou-se o “um por todos e todos por um”. Agora é o salve-se quem puder. É a lei da selva. E o que pode o comum cidadão fazer? Indignar-se e protestar.
Se toma conhecimento da realidade profunda ainda fica pior. Por exemplo: nos últimos 30 anos, a diferença de rendimentos entre ricos e pobres aumentou escandalosamente. A riqueza dos 3 bilionários (três, disse bem!) mais ricos do mundo é maior do que o Produto Interno Bruto dos 48 países mais pobres do mundo; 968 milhões de pessoas não têm acesso a água potável; 2,4 milhares de milhões de pessoas não têm acesso a cuidados básicos de saúde; 1,2 milhares de milhões de pessoas (pouco menos de ¼ da população mundial) vivem na pobreza absoluta, ou seja com menos de 1 dólar por dia e 2,8 milhares de milhões vivem apenas com 2. O relatório que consultei diz mais: o conjunto dos países pobres, onde vive 85,2% da população mundial, detém apenas 21,5% da riqueza do mundo, enquanto o conjunto dos países ricos, com 14,8% da população mundial detém 78,5% da riqueza do mundo . E a isto se chama liberalismo, globalização e progresso! Onde estão os movimentos operários internacionais? O que podem fazer os sindicatos?
E os partidos políticos não estão melhores. Todos desconfiam deles. Todos… talvez não. Com certeza os militantes fanáticos acham que não pode haver política sem partidos e os militantes de eleições também devem achar o máximo andar nas campanhas com as camisolas do partido, não importa qual seja, a distribuir sacos de plástico, esferográficas e bonés nos mercados das cidades. Lixo! E se calhar a fazerem discursos ambientalistas! O que todos querem é um Job para o seu Boy. Mas o cidadão comum não acredita nos partidos. No dia das eleições, o bom cidadão lá vai pôr o voto, é até uma boa oportunidade para sair com a família, passa-se pela mesa de voto e segue-se para a volta dos tristes. O pior é se chove! Não apetece nada sair de casa. Ou se está bom tempo. Passava-se um belo dia na praia! Não é o que mostram os níveis de abstenção dos últimos anos? E não são estas as justificações que os comentadores, que passam o dia das eleições nos estúdios de televisão, pagos a peso de ouro, nos costumam dar?!
Os cidadãos têm muitas razões para esta indiferença. E se tivessem mais informação, ainda acreditariam menos na política. Se soubessem por exemplo que os governos dos países ditos democráticos gastam em média nove mil euros em despesa militar por cada soldado e apenas 90 euros por cada criança em idade escolar, ainda achariam que vale a pena ir votar?!
Eu sou um bom cidadão, mas sem exageros. Voto sempre, mas nunca li a Constituição, apenas alguns artigos (já seleccionados) quando fui líder sindical. Aliás, tenho dúvidas que a maioria dos portugueses alguma vez a tenha lido. Bom, talvez os estudantes de direito e todos os advogados do país a conheçam bem, e melhor ainda os deputados, principalmente os da oposição de esquerda, porque muitas vezes, quando há debates na Assembleia, oiço o Jerónimo de Sousa e o Francisco Louçã dizerem que tal ou tal lei não pode passar porque é inconstitucional, o que quer dizer que vai contra a Constituição, que é a lei fundamental do país. Até gostava de perceber como é que, se está escrito na Constituição que todos têm direito ao trabalho, se pode despedir milhares de trabalhadores e isso não é inconstitucional. Consequências da globalização!
E também gostava de perceber para que é que serve uma Declaração Universal dos Direitos Humanos - que diz que o direito à vida é o primeiro e mais sagrado direito humano e que quase todos os países do mundo assinaram - se alguns deles têm pena de morte. (Com a qual até concordo, para muitos crimes que não a prevêem). Pergunto-me para que servem essas declarações de boas intenções, se os países que as assinam não têm que cumprir o que lá está escrito.
Claro que, se um dia precisar, vou mesmo ler o Código do Trabalho, compará-lo com os artigos da Constituição e tentar perceber como é que uma coisa pode ser e não ser ao mesmo tempo. Mas o mais certo é ter de pagar a um advogado que faça isso por mim. Não se fazem leis para que os cidadãos as entendam e possam resolver entre si as questões. Se assim fosse como é que se arranjava emprego para os advogados, juízes e todos os funcionários dos tribunais?
Saberes, poderes e instituições
e o bom cidadão… perdido no meio delas
Deve haver por aí muita gente descontente com este modelo económico e social. Percebo isso quando às vezes pego num livro radical, leitura que no último ano passei a apreciar (graças à minha técnica orientadora, professora Alice Marques, que eu penso que já se está a passar para o meu lado), porque me faz sentir que não estou sozinho, mas cada vez acredito mais que não consigo mudar nada. E já somos muitos, o que é um conforto!
Neste mundo em que tenho de sobreviver como bom cidadão e consumidor consciente, estou atento às organizações que defendem os direitos das pessoas. Acho piada haver por aí tanta gente generosa a fundar organizações que não são dos governos. Até me dá vontade de dar um voto de confiança à humanidade. Gosto das organizações ambientalistas como os Green Peace. Têm formas de protesto muito originais. Andam pelos mares a defender as baleias e os golfinhos e a perseguir barcos carregados de lixos perigosos, mas andam também eles em barcos todos sofisticados, pelo que não solucionando o problema acabam por fazer parte dele.
Vivendo nós numa sociedade de consumo, é natural que tenham surgido organizações tipo Deco. Esta associação faz-me pensar que quem produz e põe os produtos no mercado pode ser sem escrúpulos e só ver o lucro, e que os governos não têm meios (ou não querem ter) de proteger os cidadãos contra a ganância. Se fosse tudo gente honesta só se produziam coisas boas para os consumidores. Mas como não são, lá têm de ser os cidadãos a organizar-se para se defenderem. Pessoalmente fico lixado quando sou enganado com um produto qualquer. É bom poder reclamar. É um direito e nos direitos não se deve mexer. Mas como não acredito que isso mude o mundo…!
Com a saúde, o caso é mais sério. Porque há tanta ciência e tecnologia neste campo, e os médicos têm tanto prestígio, acho que para a maior parte das pessoas é Deus no céu e o médico na terra, que qualquer doente fica intimidado. Para começar, vai-se ao médico quase sempre num estado de fragilidade. Ou se está doente, ou se vai fazer um check up para prevenir qualquer coisa. Mas com tantos equipamentos que descobrem tudo, é difícil, para não dizer impossível, sair dum consultório sem uma doença, sem uma credencial para fazer um exame especial ou sem uma receita dum medicamento para tomar. Logo isso coloca o doente num estado de inferioridade e sem capacidade de escolha. Não há quem nos defenda dos lobbies da indústria farmacêutica. De vez em quando, lá vem nas notícias um escândalo qualquer dum medicamento que afinal se descobriu que faz mal, mas entretanto já milhões de pessoas o tomaram, algumas se calhar já terão morrido pelos efeitos secundários, e não há nada a fazer. Ninguém as defende. Não sou lá muito bom cidadão nas questões da saúde. Primeiro porque acho que ter ou não ter saúde depende em primeiro lugar de comportamentos saudáveis e nem sempre os tenho; em segundo porque só recorro aos médicos quando me sinto doente. E ainda por cima tenho as minhas convicções quanto à indústria farmacêutica. Mesmo sem nunca ter visto um relatório sobre os lucros desta, não tenho dúvida que tratar da saúde… é a economia, estúpido!
Sei muito bem que as pessoas nos países ditos desenvolvidos vivem mais tempo do que em séculos passados e que isso também se deve à medicina. Mas também sei que é o estilo de vida destas sociedades que origina a maior parte das doenças que actualmente afectam milhões de pessoas. Não há hipótese de ser saudável num mundo onde nos empanturramos de enlatados, engarrafados, fritos, estaladiços e açucarados, frangos, porcos e vacas e até peixes alimentadas industrialmente, hortaliças verdinhas e frutas apetitosas criadas à pressa. No mesmo mundo onde vivemos controlados pelo relógio, passamos horas dentro dos automóveis ou a apanhar com os gases dos escapes em cima, nos sentamos exaustos ao fim do dia em frente ao televisor, sem tempo para fazer exercício, sem paciência para sabermos como correu o dia de escola aos nossos filhos, sem disposição para falarmos… sem tempo para sermos felizes e… a sonhar com o Euromilhões. Não deve ser por acaso que o Valium é a droga mais vendida em todo o mundo e outras do género, utilizadas para o mesmo efeito: diminuir a ansiedade.
Estamos muito preocupados com a saúde, porque o Estado gasta milhões em hospitais, médicos, enfermeiros e medicamentos para manter os seus cidadãos vivos e de boa saúde. Parece que ninguém quer perceber que prolongar a vida sem condições dignas é uma perda de tempo e um esbanjamento de recursos. Vamos lá discutir a eutanásia a sério. Sem deixarmos que a Igreja se antecipe a manipular as mentes confusas dos cidadãos. Será que esta questão não tem prioridade em relação ao casamento dos homossexuais?!
Agora também é muito correcto recorrer às terapias alternativas. Até está na moda. Efeito da globalização! Porque vieram os asiáticos para o Ocidente e também porque uns aventureiros de cá foram para o Oriente nos anos 60 e, ao voltarem, trouxeram consigo as medicinas orientais. Mas há para aí tanta charlatanice, que até se torna compreensível que o estado não reconheça a essas “medicinas” o mesmo estatuto da medicina agora chamada convencional. Pois se leva mais de meia dúzia de anos a formar um médico e o investimento que isso significa nem imagino quanto será, valerá a mesma coisa ir fazer uma acção de formação de 100 horas ou uma viagem de turismo à Índia, chegar e montar um consultório para tratar da saúde às pessoas?! E serão essas terapias alternativas adequadas ao nosso estilo de vida? Se nós precisamos de curar uma dor de cabeça de repente, porque temos de ir trabalhar de qualquer maneira, teremos tempo para andar em consultas de naturopatia ou em sessões de acupunctura até recuperarmos o equilíbrio do corpo e nunca mais termos dores?! Quanto a mim estou convencido que as terapias alternativas são uma questão de moda e não serão levadas a sério enquanto aqueles que as praticam não forem tão credenciados como os médicos. Nessa altura, podemos falar de liberdade de optar por esta ou aquela terapia, desde que elas sejam postas em pé de igualdade, ou seja que constem também nas especialidades médicas que o Estado põe à disposição dos cidadãos no Sistema Nacional de Saúde. Mas com o lobby da indústria farmacêutica a crescer… há-de ser difícil. Cada cidadão perdeu o direito de se declarar doente, só o médico pode declará-lo e dar-lhe baixa, não pode modificar a sua situação de vida, o seu desgaste no trabalho, as suas preocupações com ter dinheiro para pagar as contas, garantir-lhe o emprego e o salário, mas pode receitar-lhe drogas que lhe tirem essas preocupações. A Organização Mundial de Saúde está sempre a fazer listas de medicamentos, aos milhares, remédios bem comprovados para moléstias bem comprovadas. Uma comissão de peritos que estudou o mercado dos medicamentos nos Estados Unidos chegou à conclusão de que 60% dos medicamentos que existem no mercado são destituídos de valor, mas no mundo desenvolvido mais de metade da população adulta e um terço das crianças toma algum medicamento .
A medicina profissional está a criar uma nova humanidade: de crianças nascidas em hospitais, alimentadas por receita e empanturradas de antibióticos, que quando forem adultas viverão no desalento duma cidade moderna e que por sua vez irão gerar e criar, seja por que preço for, uma geração ainda mais dependente de medicamentos. A indústria farmacêutica já é uma grande vencedora. Ainda hoje mesmo ouvi uma notícia sobre os laboratórios Roche (acho): os lucros no ano passado cresceram mais de 50%! Isto não é por acaso.
Mas para já, nós, cidadãos, que não temos como fugir à tirania da indústria farmacêutica e dos médicos, temos que nos dar por satisfeitos com os genéricos. Que esta coisa de tomar só medicamentos de marca… via-se mesmo que era o lobby a funcionar. Assim, os laboratórios criaram as suas linhas brancas e isso até lhes melhorou, e de que maneira, o negócio. É outra coisa que me vem dar razão quando digo que a avidez do lucro é a desgraça da humanidade: se é possível fazer os medicamentos mais baratos, entre 20% a 35%, porque é que os fazem tão caros? Custos de investigação? Desenvolvimento de novos produtos, como agora se diz? Claro! É … outra vez… a economia, estúpido!
Alternativas a ter em conta deveriam ser as receitas tradicionais, pois foi a partir desta sabedoria empírica que nasceu a medicina moderna. Felizmente ainda se conserva esta sabedoria nas nossas aldeias. Mas porque também se tornou uma moda, até as “mezinhas” já podem ser encontradas nas prateleiras dos supermercados, embaladas, prontas a consumir. O Belmiro não perde uma oportunidade de fazer dinheiro.
Temos muita sorte em estar deste lado do mundo. Já não temos malária, nem diarreia nem tuberculose (esta acho que voltou, porque é uma companheira inseparável da miséria) que matam milhões no terceiro mundo: 12 milhões de crianças todos os anos em África, com estas doenças perfeitamente curáveis. Não é de admirar que apenas 0,1% do orçamento (mais ou menos 100 milhões de dólares) da pesquisa médica e farmacêutica mundial seja destinada à malária, enquanto 26,5 biliões são investidos pelas multinacionais farmacêuticas em pesquisa sobre as doenças dos países ricos: cancro, doenças cardiovasculares, do sistema nervoso, doenças endócrinas e do metabolismo. É que as vendas de medicamentos para África são apenas 1%!
Ambiente, tecnologia e… É a economia… estúpido!
Antes de iniciar estes textos para o Portefólio Reflexivo de Aprendizagens, ouvi uma parte (todos os núcleos de Cidadania e alguns de Sociedade Tecnologia e Ciência) e li muitas vezes o referencial de competências em diversas versões (curta simplificada, média complicada, e longa, aqui e ali mais compreensível) e discuti-o bastante com a profissional que me orienta. Não é fácil imaginar uma maneira de escrever tudo o que sei, o que penso que sei e questionar o que não sei sobre temas que estão todos relacionados. Tenho hábitos de pensamento complexo, mas não tenho prática de escrever esse tipo de pensamento, por isso acho que seria mais fácil para mim debater com a técnica e as formadoras o referencial e dessa forma validarem-me (ou não) as competências. Tenho uma visão desencantada da humanidade, como já deu para perceber, e estou convencido de que, mais tarde ou mais cedo, vamos pagar muito caro o modelo de sociedade que há séculos estamos a defender. Sou um amante da natureza, sinto-me parte dela e por isso sou também um observador muito atento. Quando vejo um lugar, que já foi verdejante e a fervilhar de vida, ser transformado num loteamento para construir fábricas ou hotéis, penso sempre que é mais um erro. E fico doente, como se me poluíssem directamente. Nunca conseguiria viver numa grande cidade porque as acho o cúmulo da desnaturalização da humanidade. Viver num apartamento, num “andar” (que nome mais estúpido) seria como arrancar-me a última réstia da natureza. Mas é neste mundo que vivo e é nele que terei de sobreviver. Não creio que a solução para os seus problemas seja mais tecnologia, pois esse tem sido o sentido da evolução e sabemos para onde nos está a levar. Também não creio que a solução seja voltarmos todos a viver como há milhares de anos atrás, embora aprecie bastante os ficcionistas que imaginam o mundo depois do fim. É que nesses filmes há sempre uma derrota total da civilização da máquina e no fim é a natureza que consegue sobreviver e salvar o que restou da humanidade. Para defender a minha ideia aqui ficam alguns números assustadores: “as extinções acontecem actualmente a um ritmo acelerado. Foi estimado que diariamente se extinguem cerca de 100 espécies, a maior parte delas ainda desconhecidas para a ciência. O maior número de extinções terá ocorrido a partir do século XVII, calculando-se que desde então tenham desaparecido do nosso planeta cerca de 486 espécies animais e 600 de plantas e que outras 3565 espécies animais e 22137 de plantas estejam actualmente ameaçadas de extinção. Nas aves, grupo particularmente bem estudado, 11% das espécies conhecidas foram classificadas como estando ameaçadas de extinção, estando 168 catalogadas como criticamente em perigo, 235 como em perigo e 704 como vulneráveis. Prevê-se que, se não se tomarem medidas adequadas, 400 espécies de aves desaparecerão nos próximos 100 anos…” Segundo cientistas bem credenciados “as razões para a presente extinção em massa estão relacionadas com a actividade humana, e incluem destruição de floresta e de outros habitats, caça e pesca, introdução de espécies não nativas, poluição e mudança climática” .
Que a intervenção humana provoca aquelas alterações climáticas catastróficas, parece ainda haver dúvidas. Que devasta a biodiversidade, não. Aqui os cientistas põem-se de acordo. Basta pensar em catástrofes ecológicas, por exemplo o afundamento do Prestige, ou o acidente de Chernobyl e como as populações locais viram os seus meios de subsistência desaparecer e os seus filhos nascerem com deformações monstruosas. Não se pode negar o óbvio.
No livro Ecologia para principiantes (mais uma leitura recomendada pela minha orientadora e que sinceramente aconselho a todos os que se interessam pelas questões do ambiente) há uma página muito interessante. Pode até ser ficcionada, mas sugere que os primeiros habitantes da terra já tinham uma certa consciência do que faziam à natureza, sem lhe causar danos irreparáveis. Nesses tempos o mundo teria uns escassos milhões de habitantes, caçavam, abatiam umas árvores e queimavam-nas, pescavam, colhiam frutos selvagens e isto durou, segundo o livro, 99% da história da humanidade. A agricultura, depois o comércio, as civilizações é que começaram a pôr em causa o equilíbrio ecológico. Mas a catástrofe começou a sério com a industrialização nos séculos XVIII-XIX, mais propriamente a partir de 1780, quando o engenheiro inglês James Watt inventou a máquina a vapor. E com a ganância imperialista. Cada inovação tecnológica foi vista como uma vitória do homem sobre a natureza, mas o que realmente se passa é que toda a tecnologia é uma agressão à natureza. E assim, os elementos básicos essenciais à vida, carbono, hidrogénio, oxigénio, azoto, enxofre e fósforo, começaram a ser esbanjados e inutilizados, os recursos renováveis e não renováveis passaram a ser excessivamente explorados, a poluição começou a contaminar o ar que respiramos, os alimentos que comemos e a água que bebemos, o ambiente foi inundado com produtos químicos (ciência!), o cancro e muitas outras doenças tornaram-se epidémicas (e é preciso mais investigação, mais ciência e mais tecnologia, para diagnosticar e curar), as espécies vão desaparecendo, enfim, o futuro está comprometido, por amor ao lucro fácil e a isso se chama desenvolvimento económico. O automóvel, símbolo do triunfo da civilização e da liberdade, tornou-se o grande cancro da humanidade. Não só pela poluição que provoca e pela qual somos todos responsáveis porque nenhum de nós está disposto a renunciar a ele, precisa dele para trabalhar, ganhar dinheiro para consumir mais, consumir mais para ser feliz, mas também porque esta indústria, e a forma de a sustentar, alterou as relações entre os países, que durante todo o século XX se foram tornando dependentes do petróleo, que está sempre no centro das guerras, das crises, da agitação das bolsas, que os especuladores aproveitam e bem. E nós, humanos, apanhados na teia, chegados a este mundo que se parece cada vez mais com uma gigantesca fábrica (no terceiro mundo) e um enorme hipermercado (no ocidente), o que podemos fazer? Passamos grande parte do nosso tempo a trabalhar para comprar engenhocas que poupam tempo a executar tarefas que gastam tempo e para as quais nós não temos tempo porque grande parte do nosso tempo é gasto a trabalhar para comprar engenhocas que poupam tempo… enfim, neste círculo vicioso do qual não conseguimos sair.
(E tu professora, também pensas nisso? Não fiques deprimida. Amanhã vais comprar mais um vestido e isso passa-te!)
A economia de consumo é dominada pelo modelo capitalista que só vai ao encontro das necessidades das pessoas quando isso é lucrativo. Só está interessado em quem pode comprar o quê. Seja qual for o custo para o ambiente. Aliás o ambiente é actualmente uma das áreas de negócio mais lucrativas. Basta pensar no lixo (embalagens e toda a cangalhada de electrodomésticos e tecnologias que temos em casa e que envelhece num piscar de olhos), que se faz todos os dias numa pequena cidade como a Marinha Grande, que os cidadãos generosamente oferecem como matéria-prima para as empresas recicladoras, multiplicar isso por milhões e temos um dos melhores negócios do século! Boa parte deste lixo é directamente resultado do consumo de supermercado ou das lojas anexas, portanto relaciona-se directamente com o poder de compra dos cidadãos. É por isso que é tão importante para os estados manter os cidadãos em condições de continuarem a consumir, mesmo que seja com créditos e subsídios. Ou dívidas! O poder de compra é que manda. Quem o tem pode exigir que os abasteçam e os que não têm “ficam a ver navios”! O modelo de sociedade dominante, capitalista, continua a significar o aumento do consumismo, da alienação, das desigualdades, da poluição, das doenças e dos riscos reais de guerras pela disputa e apropriação dos recursos.
Parece que até as previsões pessimistas dos últimos anos tinham excesso de optimismo, quanto à possibilidade de um desenvolvimento sustentável, conceito que pouco altera as coisas, porque o modelo se mantém. Em documentários mais recentes sobre o ambiente, as previsões de catástrofe ecológica, alterações climáticas, os degelos provocados pelo efeito de estufa, a subida das águas do mar, as ilhas que desaparecerão, as cidades costeiras que vão ficar submersas, são assustadoras (Canal National Geographic da TV Cabo). São os cientistas que o dizem. Mas aqueles que têm o poder não lhes dão ouvidos. A obsessão do desenvolvimento económico é a promessa de todos os políticos. O cidadão, bombardeado a toda a hora com a mensagem de que só pode ser feliz se tiver coisas, (através dos anúncios e dos estilos de vida mostrados nos media), torna-se obsessivo: É preciso ser rico e já! Quem vier atrás que feche a porta.
Chegamos a um ponto em que mais só pode significar pior (é a fuga para a frente) e algumas pessoas já começam a ter a consciência de que ter menos pode ser a chave para uma melhor qualidade de vida. Afinal para que é que vivemos? Não estará na hora de pensar que podemos ser felizes com menos necessidades e satisfazê-las com o menor consumo possível de matérias-primas, de energia e de trabalho, de modo a causar o menor dano possível?!
Se não travarmos esta mortandade feita à natureza, que resulta de um modelo civilizacional errado, por detrás do qual quem manda… é a economia, estúpido, as consequências serão irreversíveis.
Uma nova consciência sobre como preservar a terra-mãe não pode surgir a partir da catástrofe. Isso será realmente catastrófico. Porque só vai fazer aparecer mais oportunistas que enriquecerão com a desgraça. Foi sempre assim. O positivo disto é que a esta velocidade a humanidade acabará mais depressa e o planeta irá regenerar-se, já livre desta escumalha.
Mas essa nova consciência tem de nascer se quisermos deixar às futuras gerações uma terra em que ainda seja possível viver. Talvez na escola, mas tem de se substituir o conhecimento que enaltece o indivíduo, que valoriza a competitividade, o sucesso e o mérito individual por valores colectivos. Acho que isto é possível, pois por exemplo a consciência “ambientalista”, mesmo que seja ainda muito fraca, presente nos simples gestos de separar os lixos e os colocar nos ecopontos, foi trazida pelos filhos para casa dos pais. Se houver cada vez mais professores conscientes de que é preciso alterar o nosso estilo de vida (não daqueles que vão lá só para trazer o ordenado ao fim do mês), e que sejam capazes de transmitir esta ideia aos jovens, então talvez alguma coisa possa mudar. E já há conhecimento científico e tecnológico suficiente para resolver as questões da dependência das energias fósseis, substituindo-as massivamente por energias renováveis, e energias mais limpas (eólica, das ondas, biomassa, solar, etc.). Mas os lobbies energéticos são os mais poderosos, o petróleo continua a governar o mundo, e não parece haver realmente vontade política para mudar esta situação. As medidas anunciadas há dias pelo governo português, de subsidiar a instalação de sistemas alternativos de energia, as recomendações sobre poupança energética, são contraditórias com outras. Basta pensar como nas duas últimas décadas a rede ferroviária portuguesa tem sido liquidada, linhas desactivadas, estações fechadas, a favor dos investimentos em mais auto-estradas e outros projectos megalómanos como o TGV ou um novo aeroporto, tudo isto para ganharmos mais uns minutos a corrermos a toda a velocidade de um lado para o outro, por causa dessa máxima tão americana “time is money”.
As soluções radicais defendidas pelos ecologistas: o controlo social das tecnologias para garantir o seu uso responsável, a descentralização e a autogestão, para voltar a estabelecer a iniciativa local e um sentimento de comunidade solidária, melhores serviços públicos, apoio aos artigos que duram mais, separar e reciclar para poupar recursos, contra o princípio do usar e deitar fora da sociedade de consumo, maior produção dos nosso próprios alimentos para nos tornarmos mais auto-suficientes, controlo apertado da poluição para salvar o ambiente, política de transportes colectivos, poupanças energéticas, tudo soluções opostas ao rumo que se está a levar, são muito boas intenções. Mas mesmo que os países que parecem estar mais preocupados com isto, como é o caso da União Europeia, sejam capazes de tomar algumas medidas, teremos que contar com a arrogância dos Estados Unidos e a indiferença dos países novos-ricos, como a Índia, a China, o Brasil e outros emergentes, onde a avidez do lucro já tomou conta das mentes, e que não estão nada sensibilizados para as questões ambientais. Estão a crescer à pressa, estão a mudar-se para lá todas as indústrias que matam o ambiente, (mais uma vez o filme Slumdog Millionaire pode servir de exemplo ao mostrar aquela enorme lixeira da cidade de Bombaim) produzem a um ritmo alucinante porque são muitos milhões e trabalham com salários miseráveis, sem direitos e sem restrições ao trabalho infantil, desequilibrando e economia mundial, agravando as diferenças sociais, gerando desemprego nos outros países.
E tudo isto graças à magia das redes. Já não é preciso ir lá, enviam-se e discutem-se projectos por videoconferência, à velocidade da luz, transfere-se dinheiro, conhecimento, com o simples gesto dum clique numa tecla dum computador. É outra vez a tecnologia, mais concretamente as tecnologias de comunicação. Para mudar a sério seria preciso meter travão a fundo e segurar bem o volante. E nenhuma das propostas de solução que conheço é mesmo radical. Por isso, na minha opinião, não são verdadeiras soluções. São apenas ideias de pessoas generosas que estão preocupadas com o fim da terra. Mas não passam de “cuidados paliativos” que apenas podem adiar a agonia. Não vão conseguir vencer os tubarões das indústrias da energia ou os monopólios financeiros nem mudar um modelo que tem séculos de erros considerados como soluções óptimas. Por cada ideia generosa há milhares de ideias sobre mais do mesmo: investigação, ciência, tecnologia. Chegámos a um ponto de não regresso. E por isso todos nós, cúmplices da catástrofe, coveiros da nossa própria sepultura, quer tenhamos muita, pouca ou nenhuma consciência do que vai acontecer, só podemos continuar a “caminhar alegremente para a morte”.
Tecnologia, economia e … o 4º poder!
Há acontecimentos que podem alterar radicalmente a vida das pessoas. Por razões que estão muito além de todas as razões que a razão (des)conhece, a decisão de voltar à escola, no programa Novas Oportunidades, para fazer um RVCC básico, mudou a minha vida. Por causa das muitas hesitações e muitas oscilações da vontade, sozinho talvez eu não tivesse chegado ao fim. Eu tinha tanta consciência disso que chamei ao meu dossier: “O dossier que esteve para não ser acabado”. Mas porque a técnica que me orientou no básico (e que também me orienta neste PRA) leva a sério a sua aposta “ninguém desiste porque eu não desisto de ninguém”, depois de uns longos meses de avanços e paragens cheguei ao fim, já com a certeza de que afinal estava só a começar um percurso que ainda não sei onde me levará. Este “convívio” com a “escola” começou a abrir-me portas às quais eu nunca antes tinha batido. Um texto seleccionado para publicar , um acreditar nas minhas capacidades, uma insistência para que escrevesse, um estímulo para prosseguir o sonho de escrever, tudo isso e muito mais devo agradecer à professora Alice Marques. Para além das dezenas de livros que entusiasticamente ela já me fez ler e que me proporcionaram prazeres insuspeitos. Ela acredita realmente nas pessoas. Sem me ter tornado um devorador de informação, tornei-me pelo menos o que já se pode chamar um leitor e um espectador mais atento, o que se deve ao facto de ela ser também uma jornalista desassombrada e ser capaz de ver o trabalho dos jornalistas com um olhar muito crítico. Aprendi também a não julgar sem fundamentar e principalmente a não tirar conclusões precipitadas sobre alguém que não conheço bem.
A experiência que me proporcionou, de escrever umas notas de leitura e publicar num jornal local , fez-me pensar de forma diferente no impacto que os meios de comunicação têm sobre as pessoas. Quem faz, nunca mais voltará a ler ou ver da mesma maneira.
Gostos, estilos de vida, desejos de consumo, sonhos, evasões e também conhecimentos úteis e muitos inúteis, visão do mundo e preocupações são aspectos da vida humana que dependem cada vez mais dos meios de comunicação, principalmente da televisão, essa “caixinha que mudou o mundo”. Para mim, como para milhões de pessoas, ligar a televisão, mal entro em casa, tornou-se talvez o gesto mais rotineiro do dia-a-dia.
Nos meus 40 anos de existência, vivi com a televisão a preto e branco, com um canal, dois canais (do Estado), com taxa, sem taxa, assisti ao nascimento das televisões privadas (SIC e TVI) no nosso país, aos canais sintonizados através das parabólicas, (outra vez os satélites à volta da terra, imagino a lixeira que já gravita à volta dela!) da TV cabo, sempre acompanhadas com a promessa de que mais seria melhor, essa fantasia da liberdade de escolha. Agora espero, ainda com mais curiosidade, a televisão digital, outro prodígio da ciência e da tecnologia.
Como muitos portugueses, tenho várias televisões em casa, porque o telecomando não chega. Rapidamente ele passou de instrumento de liberdade a instrumento de discórdia e poder. A solução teve de ser mais tecnologia, quer dizer mais um aparelho, depois outro e outro, até cada um ter o seu, para acabarem as discussões sobre “quem é que tem o telecomando?”. Mas acabaram-se também os serões vividos à volta de uma televisão. Cada um recolhe aos seus aposentos e, em frente ao ecrã, vê os seus programas favoritos, adormece ou tem uma insónia e sonha. Cada vez mais sozinho.
Parece ironia, mas a oferta de canais que temos actualmente torna possível que se viva completamente afastado do mundo quotidiano actual, se as escolhas forem as telenovelas (são às dezenas!) ou os canais de documentários históricos, via TV cabo ou satélite. Podemos ter à nossa disposição o meio de informação mais popular e acessível e continuarmos completamente alheios ao que se passa ao nosso lado ou no resto do mundo. Mas mesmo que a nossa opção seja ver programas de informação, podemos ficar indiferentes, pela saturação que as notícias provocam, ou pensar que o mundo é uma selva ou um manicómio de psicopatas, se escolhermos um canal que alinha no mesmo telejornal dezenas de notícias sobre crimes, escândalos, corrupção, desvios, derrapagens e outras doenças sociais. Como a profissional gosta de citar, a informação baseia-se muito neste triste princípio: “bad news, good news”. E como se não bastasse essa dose maciça de informação (uma hora ou mais em cada telejornal) que só provoca ansiedade e cepticismo, ainda temos no ecrã a moldura de rodapé sempre a passar outras notícias, que são só mais do mesmo, em todos os canais. Influências da CNN, a televisão americana que mudou o conceito de acontecimento daquilo que aconteceu para aquilo que está a acontecer.
Neste ano negro que estamos a viver, ao almoço e ao jantar, são servidos os pratos do dia: mais um empresa que encerrou as portas, mais uns milhares para o desemprego, mais uns títulos na bolsa que caíram a pique, mais um assalto à mão armada, mais um carjacking, mais um escândalo no futebol, mais uma boa intenção do governo, entremeados com mais um modelo de automóvel amigo do ambiente, mais um telemóvel de última geração, mais um iogurte de propriedades mágicas, mais uma bebida refrescante, mais um detergente que limpa a fundo numa só passagem, …!
À hora do jantar, a sobremesa é sempre a mesma: uma, duas, três, quatro telenovelas… cada vez são mais, já lhes perdi a conta, um concurso para ganhar muito dinheiro ou um reality show com as “tias”, ou as estrelas feitas à pressa, a disputarem audiências, intervaladas por anúncios de produtos domésticos… com a TVI à frente, com grande avanço, e o argumento de dar ao povo o que o povo gosta sempre a ganhar terreno. Quem é que se interessa em ver um concerto, um programa sobre livros, ou um filme de produção independente?! Eu, mas basta ver os shares das audiências para perceber que não somos muitos.
Se algures acontece uma guerra, as cadeias internacionais como a CNN, ficam excitadíssimas. É para lá que correm os repórteres, como abutres, ávidos de nos servirem mais umas bombas que rebentam, uns prédios destruídos, os mortos contados às dezenas (se for às centenas ou aos milhares então… é fartar vilanagem!), enquanto no estúdio, uns comentadores peritos nos assuntos, esmiúçam as imagens via satélite, não vá o espectador estar distraído ou não perceber em que lado caem as bombas!
Se há eleições, é a tortura da campanha política, nas notícias, debates e tempos de antena, os discursos demagógicos dos políticos: grandes investimentos públicos, promessas de criar postos de trabalho, baixar os impostos, aumentar salários…!
Se é Verão, o país está sempre a arder, as imagens dos populares que perderam a casa, os animais e outros haveres entram na nossa sala e ao fim de uns dias saturam-nos até à indiferença total.
E se por acaso uma criança desaparece do apartamento de férias e se por acaso essa criança se chama Maddie e não por acaso tem uns pais com uma capacidade incrível de usar os media, então é um prato cheio, para mastigar durante semanas a fio, mesmo que não haja nada de novo, nenhuma notícia, porque o que importa é manter os espectadores colados ao ecrã, emocionados, de lágrima no olho, juízes impiedosos dos pais, dos polícias e dos ladrões! Pelo menos até à próxima tragédia!
A televisão, potencialmente o melhor meio de informação e formação, pode ser e é também a tecnologia mais manipuladora da opinião. Porque as pessoas acreditam no que vêem. O mundo passa a ser o que se vê na TV. O que não se vê não existe. Alguém chamou aos meios de comunicação o quarto poder. Eu não entendia o que isso significava. Mas hoje sei: eles podem controlar o poder político (que é dividido em três: legislativo, executivo e judicial, como aprendi com a profissional), denunciar abusos, fraudes, (como poderíamos saber que o Sócrates comprou o diploma e que está envolvido no caso Freeport, ou que uns certos deputados estiveram envolvidos no escândalo da Casa Pia, se não fossem os meios de comunicação?) Por isso se chama o quarto poder. Mas não poderão também abusar desse poder?! Então quem é que os controla? Não há regras para evitar que pessoas inocentes sejam julgadas pelos jornais e televisões e que as vidas privadas de pessoas, mesmo de figuras públicas, seja mantida longe das câmaras? Alguém tem de ter poder sobre este poder! Ou fica tudo apenas dependente da decência e da honestidade dos jornalistas? Também aqui, é a economia, estúpido!
Dos aspectos económicos dos meios de comunicação pouco posso dizer. Vi por acaso uma lista dos salários das estrelas da nossa televisão e descobri que afinal a informação não deve ser assim tão importante, pois se uma Júlia Pinheiro ou uma Fátima Lopes ganham mais do que um José Rodrigues dos Santos ou um José Alberto Carvalho, então é porque o entretenimento é mais lucrativo que as notícias. Não sei quanto dinheiro vale um grande jornal, um rádio ou uma estação de televisão. Mas, tirando a RTP que é do Estado, e que segundo sei, dá todos os anos prejuízo de milhões, pagos pelos contribuintes, não acredito que alguém se lance num projecto como a Impresa ou a Media Capital, que têm acções cotadas na bolsa, para perder dinheiro! Se assim fosse não teriam sido lançadas as televisões privadas.
O mundo, eu e o outro
No momento em que em sento mais uma vez para alinhar por escrito ideias que vou desenvolvendo livremente ao longo da semana, já a sonda espacial Kepler vai a caminho do espaço. Segundo as notícias, vai procurar vida noutros planetas à volta de outros sois, pois o Universo é tão grande, dizem os cientistas, que a procura dos “nossos irmãos” tornou-se uma obsessão. E não só dos cientistas. Alguns filmes de ficção científica que fizeram as delícias de várias gerações, incluindo a minha (Caminho das Estrelas, Espaço 1999, Guerra das Estelas, 2001 Odisseia no Espaço, ET, etc.) baseiam-se também na busca duma resposta à pergunta: “Estaremos sós?” Alguns “encontram” seres com aspecto ainda não humano, outros “encontram” seres com inteligência superior que já não têm nada de humano, alimentam-se de pílulas, não amam, não procriam naturalmente…! São sempre maus (parece-me que o ET é uma excepção), sempre ameaçadores da sobrevivência do nosso frágil planeta. São os receios da humanidade ou os desejos, não sei bem, que viajam no espaço através da imaginação dos cineastas.
Neste momento, a sonda Kepler já deve estar a uns milhares de quilómetros, já se deve ter cruzado com alguns satélites que gravitam à volta deste planeta azul, (ou terá seguido outra rota? Com serão as “estradas” no céu? Como se traça uma rota para o desconhecido?).
Os satélites! Obra-prima da tecnologia! Graças a eles, neste momento, milhões de pessoas vêem televisão, falam ao telemóvel, conduzem por estradas desconhecidas sem se perderem, viajam no ciberespaço através do simples clique. De toda a tecnologia inventada no século XX, a rádio e a televisão são as mais democráticas, pois até os analfabetos têm acesso a elas. Também talvez por isso sejam as mais alienantes. Não sei se houve euforia quando estes meios de comunicação começaram, porque quando cheguei ao mundo eles já existiam todos e já faziam parte do quotidiano de muita gente, até dos portugueses. Mas assisti ao nascimento da Internet e ainda estou a acompanhar a euforia que gira à volta dela. A rede que liga o mundo, o acesso de todos a toda a informação e cultura, a abolição das desigualdades, enfim… basta ouvir o nosso Primeiro-Ministro a propósito do lançamento do “Magalhães”. Mas há muita mentira por detrás deste discurso. A Internet não vai salvar a humanidade da miséria e da ignorância, porque a miséria e a ignorância impedem que todos tenham acesso a ela. Quem não sabe ler, ou não sabe inglês, fica logo excluido. Os computadores, em geral, são vistos como a tecnologia capaz de pôr a casa em ordem. A economia depende deles, a saúde depende deles, o trabalho e o lazer dependem deles. A vida dos cidadãos é totalmente controlada pela sua existência. É difícil imaginar as sociedades actuais sem os computadores. Ou sem a luz eléctrica. Dei comigo há dias a pensar a propósito do apagão: estamos tão dependentes desta energia que o mundo pára, e nós não sabemos fazer nada se ela faltar. Ou o petróleo. É muito perigoso ficar dependente de tão poucos factores. Se um deles falta, tudo se desmorona. Será que ninguém pensa nisto com preocupação suficiente para tentar alterar o rumo das coisas? Será que ainda todos pensamos que somos livres?
Mas algures neste planeta ainda há quem seja capaz de viver sem energia eléctrica e sem computadores. Nos Estados Unidos e no Canadá, os Amish conservam um modo de vida inalterado desde o século XVII, na floresta Amazónia, no interior da Austrália e nos confins da África e da Ásia, ainda há comunidades que vivem em harmonia com a natureza, ao ritmo das estações do ano, não conhecem o stress nem as crises do capitalismo. Gosto de ver documentários sobre estes povos, e nunca faço um juízo preconceituoso sobre eles, nem acho que não sejam civilizados. Tenho sobre eles um olhar de admiração e inveja. Territórios intocados, (ou quase) onde apenas chegaram jornalistas, fotógrafos da National Geografic e estudiosos para nos darem notícias destes seres exóticos que vivem nus e são verdadeiramente livres e felizes.
Alqueva – um caso exemplar de controvérsia pública
A proposta da profissional e das formadoras para analisar e exprimir uma opinião sobre uma controvérsia pública, foi para mim o maior desafio na elaboração deste PRA. Como bom cidadão da minha cidade e do mundo, mas também extremamente crítico, como já ficou demonstrado, pensei em várias polémicas que foram lançadas pelos meios de comunicação (uma função muito importante destes, porque tornam os problemas visíveis e dão aos cidadãos uma oportunidade de formarem a sua opinião, mesmo que raramente possam participar nas decisões). Pensei no aborto, uma das raras polémicas em que os cidadãos foram chamados a tomar parte na decisão política, através do referendo; na eutanásia, pois parece que em breve será uma polémica que chegará aos cidadãos; no casamento de homossexuais, uma discussão já instalada na Assembleia da República, que desceu às ruas e de momento, acho que já recolheu, porque há realmente outras prioridades, num momento em que é preciso pensar em políticas para resolver ou pelo menos diminuir os efeitos da crise real que o país vive. (Quanto mais responsabilidades o estado assume, mais irresponsáveis se tornam os cidadãos). Pensei também em questões relacionadas com o ambiente, por exemplo, na co-incineração, polémica que acompanhei porque se passou aqui ao lado, na Maceira; na energia nuclear, porque ouvi no programa Prós e Contras alguém defender que era tempo de voltar a pensar nesta hipótese para Portugal, para diminuir a nossa dependência energética; nos projectos megalómanos do governo de Sócrates - o novo aeroporto e o TGV, sobre os quais já muito foi discutido e que neste momento parecem estar guardados na gaveta, por causa da malfadada crise.
Acabei por decidir analisar a polémica sobre a Barragem do Alqueva. E ainda bem. Porque à volta dela não houve apenas uma, mas sim muitas polémicas que ainda hoje continuam, e também porque estando mal informado sobre todo o processo, fui obrigado a procurar informação sobre o Dossier Alqueva, visitei a barragem e a Nova Aldeia da Luz e aprendi coisas surpreendentes. Por exemplo, que este projecto do Alqueva é mais velho do que eu, foi lançado por Salazar em 1957, ficou na gaveta até ao 25 de Abril e entre avanços e recuos chegou até ao século XXI e ainda não é pacífico. Foi interessante também perceber que o projecto Alqueva tem sido como um espelho das orientações e prioridades políticas dos vários governos que o têm feito avançar, abrandar ou mudar de direcção. Foi estimulante visitar a Nova Aldeia da Luz e verificar, também aqui, como se transforma a vida e o trabalho dos seres humanos em objectos de Museu.
Alguma informação que analisei, dos anos 2000 a 2009, dá para perceber que, de Plano de Rega do Alentejo, ele se foi transformando em Projecto de Fins Múltiplos, mas na prática prioritariamente para produção de energia hidroeléctrica, mais tarde para produção de outras energias e projecto de turismo e lazer, enquanto a transformação da agricultura de sequeiro em cultura de regadio foi ficando para trás e o Alentejo se foi despovoando, e as herdades foram sendo vendidas a estrangeiros.
Como atrás disse, são muitas as polémicas à volta do Alqueva. A maioria dos portugueses não alentejanos já terá esquecido, por exemplo, o drama humano que foi o afundamento da Aldeia da Luz e a deslocação de três centenas de pessoas para a Nova Aldeia da Luz, apesar de estas imagens terem sido bastante divulgadas na televisão, em 2002. A mim, tocou-me profundamente e foi, durante anos, a principal interpretação que fiz desta polémica: a dor de todos os que viram as suas casas serem engolidas pelas águas da barragem.
Uns anos depois, chegou-me às mãos, pelas mãos da técnica Alice Marques, um livro de um jovem escritor alentejano, que também foi responsável pela viagem que fiz ao Alqueva, em busca do passado apagado.
“Há dois anos, em Julho, fui buscar um rapaz de dez anos. Era um colega de escola do meu filho. Estava desaparecido havia cinco horas. Quando o encontrei, tinha a barriga inchada e estava a dormir debaixo de água, com a cabeça encostada numa pedra. As carpas passavam por ele sem o acordarem. Recordo a pele embranquecida e os raios de luz que entravam desenhados pela água. Quando o vi olhei para o céu. O céu da barragem não é infinito. Acaba numa superfície de vidro que não se consegue tocar. Depois segurei-o no colo e levei-o. Sinto ainda nas mãos a sua pele macia. A pele macia dos afogados.”
Mas há mais polémicas que também me tocaram: as ambientais, por exemplo, que começaram logo com a questão da desmatação e desarborização, e as espécies vegetais e animais que o projecto punha em risco, para as quais as organizações ambientalistas se fartaram de alertar. O Museu do Alqueva mostra tudo isso.
Nos governos do partido socialista, entre 1995 e 2002, foram os anos em que a barragem foi construída e portanto foi dada prioridade à produção da energia hidroeléctrica. O Plano de Rega do Alentejo foi transformado em Barragem do Alqueva. Apenas uma infra-estrutura de rega (chamada infra-estrutura 12) tinha sido inaugurada à pressa, como é hábito em final de mandato, e segundo li, em condições tão deficientes que não foi possível nessa data disponibilizar água aos agricultores.
Com o governo do PSD, a vertente agrícola voltou a ser prioridade nos discursos dos políticos. Foi pensada um Estratégia Agrícola para o Alqueva e alguma coisa foi feita, mas longe das promessas do governo. Foi também no governo de Durão Barroso, antes de este ter “fugido” para Bruxelas, que se pensou em acelerar o projecto de rega, antecipando a sua conclusão para 2015, menos dez anos do que estava inicialmente previsto.
Quando o PS voltou a ganhar as eleições, em 2005, as queixas passaram a ser que o governo anterior deixou o Alqueva sem verbas nem projectos, o que também é normal na política portuguesa. A culpa é sempre dos que lá estiveram antes!
Nos últimos 3 anos, o projecto de Fins Múltiplos do Alqueva descobriu a sua “verdadeira vocação”. No Dossier Alqueva, onde constam vários textos do jornal Público, pode ler-se esta notícia de pasmar:
“Plano Turístico do Alqueva passa de 480 para 22 mil camas”.
É de bradar aos céus como se pode ser tão “vira-casacas”, pois José Sócrates, quando foi Ministro do Ambiente, prometeu limitar a oferta turística a 480 camas e em 2006, como Primeiro-Ministro acaba por defender para o Alqueva aquilo que muitos sempre viram no projecto: um parque turístico. Não é preciso ser muito esclarecido politicamente para perceber que Francisco Louçã tem razão, quando diz que a “estratégia PIN” (o projecto turístico do governo de Sócrates foi classificado como Projecto de Interesse Nacional) está a promover a especulação imobiliária na albufeira do Alqueva. A comprovar esta verdadeira vocação do Alqueva estão os empreendimentos da empresa turística Amieira Marina, que em 2008 já tinha uma frota de 15 barcos – casa, para passear turistas na albufeira do Alqueva, o maior lago artificial da Europa.
A juntar a esta vertente turística, hotéis, desportos náuticos e campos de golfe, estão também o reforço da produção de energia hidroeléctrica, aumentando a cota de enchimento da albufeira, a construção de centrais térmicas e a energia solar, e a substituição das culturas alimentares, por exemplo por algodão, ou outras para biocombustíveis. O Plano de Rega do Alentejo “foi apanhado pelos ventos da mudança”. Tornou-se um projecto político para ricos, enquanto o Alentejo celeiro de Portugal definha. Não admira que os autarcas das cidades incluídas neste projecto estejam agora tão preocupados com o impacto negativo que virá a ter a instalação duma refinaria de petróleo na Extremadura espanhola, perto de Badajoz, a menos de 100 kms da fronteira.
É a verdadeira guerra entre 2 titãs: o turismo e a energia.
E parece que estamos sempre uns passos atrás do que se passa no resto do mundo. Já nem falo na vertente arqueológica desta polémica, que penso que terá passado mais despercebida. Como se pode ler num texto sobre arqueologia que incluí também no dossier Alqueva, já muitos perceberam que as megabarragens não são sinal de progresso mas verdadeiras “bombas ecológicas”. E por isso já foram postas de parte em países que realmente estão uns anos à frente, como a Suécia, por exemplo, e começam a ser demolidas nos Estados Unidos e na França.
Como cidadão não posso deixar de perguntar: mas para quê tanto dinheiro investido (1800 milhões de Euros segundo as contas de 2002) num projecto que defraudou e continua a defraudar aqueles que supostamente deveriam ser os seus beneficiários? É possível confiar nas boas intenções dos políticos? Se os cidadãos soubessem realmente o que se passa nos bastidores do poder e não tivessem apenas a informação rápida e rapidamente esquecida que passa quando um ministro qualquer inaugura mais uma obra, não votariam nas eleições mas haviam de querer fazer revoluções.
Balanço
Professora,
Eu poderia dizer-te o que aprendi, mas… apesar de ter ganho conhecimentos, como reflectir, organizar o pensamento, fundamentar ideias vagas…, eu prefiro dizer-te o que descobri, o que conheci de mim. Encontrei a razão para muitas perguntas e a explicação para muitas respostas. Hoje sei que estava certo em ter deixado a escola, sempre o soube, mas agora sei porquê! Toda a cultura que tu quiseste que eu soubesse só por saber, só para subir mais um degrau e mais outro, para chegar lá em cima onde mora a palavra doutor ou engenheiro, onde todos os pais burgueses querem os seus filhos, onde todos os pais operários sonham os seus filhos, lá, onde mora a palavra sucesso, lá, onde é mais fácil ter acesso às coisas, lá, professora não nos ensinam a amar. O amor é o primeiro elemento para o sacrifício, e o sacrifício o ingrediente base para a harmonia e a harmonia, que é o equilíbrio entre os elementos, é a razão para a vida.
Tu, professora, o que de mais precioso tens em ti? A tua vida, suponho.
E só a sacrificarias por aquilo que mais amas, não é verdade?
Toda a tua vida, principalmente depois de seres responsável por ela, tetens sacrificado para a tornares mais fácil, mais confortável. E quase tudo é sacrificável em prol do que a torna mais prazerosa, mais livre, livre dos sacrifícios, porque os sacrifícios são uma merda. E todos os dias te ensinam a amar o fácil. Os electrodomésticos! Como é bom ter bons electrodomésticos, máquinas que nos poupam de quase todos os sacrifícios, como são bons os televisores, telemóveis, aparelhagens, computadores… e o carro!! É bom ter coisas que nos libertam, é bom ter dinheiro para ter todas essas coisas, e quanto mais melhor. As novas gerações são irremediavelmente gerações de superconsumidores. E somos “nós” que estamos a criá-las.
Fora isso, tens os teus valores que não aprendeste nos livros da escola. Talvez abdiques de alguns se isso te trouxer mais dinheiro. E se um dia a tua fonte de rendimento se acabar, abdicarias de todos eles para teres outra fonte?
Eu amo a terra, as nascentes, os oceanos e os ventos, a vida animal e vegetal…Não sei se este amor é cultural ou genético, só sei que quando esta vida me foi apresentada já tudo isto existia.
Apesar de tudo, também eu sou cúmplice. Resisto, mas sou arrastado, o que me causa dor, e é com ela que escrevo este PRA. Porque o meu mundo é deste mundo!
A TERMINAR:
A terminar este Portefólio Reflexivo de Aprendizagens, enuncio algumas competências que julgo serem as necessárias para sobrevivermos num planeta em risco de colapso. Acho que devo isso a mim mesmo e à equipa de formadoras que analisa este dossier. Portanto, aqui ficam 10 sugestões, modesto contributo para um:
Manual de sobrevivência
1. Comprar o Borda d’-Água;
2. Arrancar a relva do jardim e o cimentado;
3. Cultivar produtos hortícolas (ver Borda d’Água);
4. Eliminar todos os animais de estimação inúteis;
5. Criar animais domésticos comestíveis;
6. Substituir as energias fósseis por energia animal e humana;
7. Oferecer os televisores ao sucateiro;
8. Ler apenas livros contra a corrente;
9. Libertar em vez de amestrar;
10. Partilhar em vez de possuir.
Bibliografia
Livros
CROAL, Stephens e RANKIN, William. Ecologia para principiantes, Dom Quixote, Lisboa, 1982.
PEIXOTO, José Luis. Cal, Bertrand Editora, Lisboa, 2007.
PINCHUCK, Tony e CLARK, Richard. Medicina para principiantes, Dom Quixote, Lisboa, 1985.
PNUD. Relatório do Desenvolvimento Humano 2001, Trinova Editora, Lisboa, 2001.
ROMANO, Vicente. A formação da mentalidade submissa, Deriva Editores, Lisboa, 2006.
WEINER, Eric. A Geografia da Felicidade, Lua de papel, Lisboa, 2008.
Jornais
Diário de Notícias, 4.02.2009
Expressões da Marinha Grande, 13.02.2009
Jornal da Marinha Grande, 24:07:2008
Jornal da Marinha Grande, 7:08:2008
Jornal da Marinha Grande, 11.09.2008
Público, 11.02.2009
Sítios da Internet
http://pt.wikipedia.org/wiki/Espermatoz%C3%B3ide
http://wikipedia.org.Extin%C3%A7%C3%A3o_em_massa_do_Holoceno
http://.ideiasambientais.com.pt/especies_extincao.html
http://www.naturlink.pt/canais/Artigo.asp?iArtigo=2535&iLingua=1
http://.wikipedia.org/wiki/Cronologia_da_gene%C3%A9tica
http://www.ferticentro.pt/are_c_fiv.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Sat%C3%A9lite_artificial
http://pt.wikipedia.org/wiki/Onda
http://pt.wikipedia.org/wiki/Celulares
http://pt.wikipedia.org/wiki/Roda_dos_Alimentos
http://www.carloscanaes.pt/?=1567&page=1
http://www.portugal.gov.pt/Portal/Print.aspx?guid=%7B65A63EE4-521B...
http://eternos.org/2008/11/03/pequena-análise-ao-plano-director-municipal-da-marinha-grande
WWW.DIARIOLEIRIA.PT
http://hotnews.com.pt/2009/02/17/audiencias-portugal-2-a-8-fevereiro
http://dn.sapo.ot/2009/02/13/nacional/aparelho _ps_reservas_casamento_gy.html
http://www.rea.pt/forum/index.php?topic=7428.330:wap2
http://ultraperiferias.blogspot.com/2009/01/sondagem-mais-de-50-dos-portugueses.html
http://portugal.pt/news/?uid=170207A&title
http://diario.iol.pt/politica/ppm-monraquicos-homossexuais-casamento.gays-iol/1035
http://port.pravda.ru/news/cplp/portugal/20-06-2007/17743-eutanazia
http://ultimahora.piblico.clix.pt/noticia.aspx?id=1307459&idCanal
http://dossiers.publico.clix.pt/noticia.aspx?idCanal=261&id
http://pcp.pt/index.php?option=com_content&task=view&id
http://www.agroportal.pt/x/agronotícias
http://www.ordemengenheiros.pt/Default.aspx?tabid=1510
http://pedradohomem.blogspot.com/2006/06/verdadeira-vocao-do-alqueva.html
http://rutilo.blogspot.com/2008/04/consequencias-do-alqueva.html
http://www.diariodosul.com.pt/index/php/noticias
http://www.almadan.publ.pt/escavando11.html
http://www.esquerda.net/index.php?Itemid=4111&option=com_content&task
Reconhecimento Validação e Certificação de Competências – Nível Secundário 2008/20009
Plano de trabalho
I – Introdução
A história (im) provável dum espermatozóide que chegou primeiro
Esta é a primeira reflexão. Neste capítulo abordo o meu nascimento num ano tão importante na história da Europa – Maio 68, Primavera de Praga - e quando e como tive consciência destes factos, Que afinal não têm importância nenhuma…
II- Aprender sem saber para quê
Memórias da infância, adolescência e juventude. Da idade dos porquês à idade dos para quês.
Neste capítulo escrevo sobre momentos da minha vida que hoje sei que foram importantes para o que vim a ser. Parte da infância na Alemanha, a escola (as primeiras estranhezas – mas para que é que serve este conhecimento?), a vida duma criança nos arredores duma pequena cidade industrial (a Marinha Grande).
Estas memórias são recuperadas a pensar no Referencial, mas têm mais relação com a minha visão crítica da sociedade tecnológica, que penso que é a que o Referencial defende. É uma reflexão actual, (em criança eu fui deixando de me interessar pela escola, só gostava da terra), porque hoje é que já tenho um discurso sobre o meu olhar contemplativo e acima de tudo interpretativo da natureza.
III - Para quê este saber? Para que serve? Onde está a continuidade?
Idade maior, perguntas e respostas, decisões e compromissos
Neste capítulo continuo a captar memórias da minha vida, ponho questões sobre o que aprendi e dou algumas respostas que então encontrei. (O crescimento da minha capacidade argumentativa).
Vou seleccionar decisões sobre o trabalho, e também sobre a vida privada. Também estão condicionadas por aquilo que entendi do Referencial.
IV – Os dois eus face ao Referencial de Competências – Chave
- O que se espera que eu seja – As minhas competências, ou as competências evidenciadas pelo bom cidadão (vou fazer uma abordagem a todos os Grandes Temas das três áreas (núcleos geradores, como vem no Referencial), em todos os contextos, mas isso não quer dizer que vá evidenciar competências em todos.
- Quem eu realmente sou – uma perspectiva crítica do mundo onde sou um bom cidadão. Neste capítulo, que é só reflexão, vou escrever sobre o que realmente penso duma sociedade tecnológica e consumista, e dizer as competências que eu acho que são necessárias para a nossa sobrevivência, a médio/longo prazo.
Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do universo…
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura…
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Nas cidades as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.
Alberto Caeiro (Heterónimo de Fernando Pessoa)
I
A história (im)provável de um espermatozóide que chegou primeiro
1968 foi um ano mágico! Nasci. No limite das probabilidades (quais são realmente as probabilidades de cada um de nós existir? – Dizem os matemáticos que estão próximas do zero.) a minha mãe trouxe-me a este mundo. Não houve festa nem fogo-de-artifício. Num modesto quarto da casa que ainda hoje é o quarto dela, ajudada por uma parteira diplomada pela experiência, apenas a minha mãe, sofrendo longas horas as dores do parto, me deu à luz.
Era dia, num mundo onde já quase tudo era o que viria a ser. Mas eu não sabia.
Em Praga, uns meses antes, enquanto as papoilas floriam, os tanques soviéticos tinham esmagado uma tentativa de reformar o sistema comunista da Checoslováquia e de construir um “socialismo de rosto humano”. A esperança da liberdade foi adiada. Viria a ser, trinta anos depois, uma liberdade envenenada. Mas aqueles jovens checos, que agitaram essa bandeira, só vieram a compreender isso, quando já eram homens feitos.
O regime da Europa de leste começava a dar sinais de fraqueza. Mas eu ainda não sabia. Longe no tempo e no espaço, num canto da Europa, numa cidade clandestinamente comunista, só viria a sabê-lo também já maduro, e continuo a não compreender.
Na Europa Ocidental, o capitalismo tinha já feito a sua investida do pós-guerra, como uma Fénix renascida, e a sociedade de consumo estava em marcha. Em Paris, as papoilas também floriam nessa Primavera, do Maio 68. Mas eu ainda não compreendia nada e até hoje compreendo pouco. Só sei que os estudantes se revoltavam contra a opressão, contra os valores da tradição burguesa e gritavam liberdade e prazer. Iremos ver as consequências…do prazer e da liberdade!
Do outro lado do Atlântico, em S. Francisco, jovens de túnicas coloridas, calças à boca-de-sino e flores no cabelo fumavam cachimbos da paz e faziam sexo sem preservativo, nos parques da cidade, enquanto no extremo oriente caíam bombas americanas sobre Hanói.
Quando, anos mais tarde, estes factos se revelaram e me despertaram curiosidade (uma verdadeira raridade no meu tempo de escola!) comecei a entender que somos todos um produto da história.
Uns meses antes, uma aventura de um espermatozóide tinha terminado em vitória. Nadando livremente à velocidade alucinante de 11 centímetros por hora , numa corrida de alguns minutos, um “fecundante” portador do cromossoma Y venceu todos os obstáculos e a concorrência e consagrou-se vencedor. Um óvulo (ou ovócito?) foi fecundado. No calor dos corpos, uma célula masculina encontra outra célula, feminina, tornam-se uma, depois duas, depois muitas, num crescimento exponencial e progressivamente diferenciador, seguindo as informações do código genético (decifrado nesse mágico ano por uns cientistas que ganharam o Nobel da Medicina ) fez-me do sexo masculino, determinou a cor dos meus olhos, dos meus cabelos, os limites da minha estatura e as potencialidades da minha inteligência. Em que percentagem… não sei. Acho que ainda ninguém o pode dizer com certeza, apesar dos milhões de milhões de dólares já gastos na procura dos “segredos” inesgotáveis da biologia.
Tal como milhões de seres humanos e todos os outros animais têm feito há milhões de anos, o meu pai e a minha mãe apenas cumpriram uma lei da natureza e deixaram que os seus fluidos corporais se encontrassem. Não sabiam nada de genética! E mesmo que soubessem, esse conhecimento não lhes teria servido para fazer, por este processo natural, velho como o mundo, uma filha em vez dum filho, louro em vez de moreno, olhos azuis em vez de esverdeados, preto em vez de branco. Mas não quero menosprezar este conhecimento. Actualmente é ele que permite a muitos casais poderem ser pais, em laboratório. Muitos milhares de humanos que andam por aí, tantos que já não são notícias, foram “bebés - proveta” feitos em laboratório, por um processo chamado “fecundação in vitro”.
Aquele serzinho rechonchudo, saído do aconchego do útero materno para a violência do mundo, estava longe de imaginar que cada ser humano, individualmente, pode tão pouco! Foram precisos muitos anos a interrogar-se para perceber que o lugar onde nasceu, o contexto económico, o grupo social a que pertenceu à nascença, as circunstâncias históricas…em que nasceu e viveu, tudo isso foi condicionante do que viria a ser. Não há um destino traçado, excepto para aqueles que acreditam nisso.
Hoje sei o que sei, sei como sei que sei e muito do que sei não sei para que sei.
Todos os dias as mesmas perguntas, as mesmas indignações perante as injustiças do mundo, perante as decisões irracionais dos responsáveis e eu, cidadão, com tantos direitos e liberdades garantidas na Constituição e em todas as declarações de boas intenções, sem poder fazer nada. Um protesto que ninguém ouve, um grito que ecoa no vazio, uma luta que termina em primeira página dum jornal mas que não muda nada. Ao cidadão resta o direito à indignação e ao protesto.
II- Aprender sem saber para quê
Recordações da infância, adolescência e juventude. O início da estranheza
Por razões que a minha razão só muito mais tarde conhecerá, fui desenvolvendo um olhar sobre o mundo que me provocava, desde cedo, uma certa estranheza.
Arrancado da casa materna e duma pátria que ainda não conhecia, dizendo ainda mal as primeiras palavras, fui levado para 3000 Km de distância. Como milhões de portugueses, como milhões de seres humanos neste mundo, os meus pais foram em busca duma vida melhor. Num país definhado pela visão mesquinha dum governante, a Primavera Marcelista, que tinha trazido alguma esperança a muitos portugueses, durou apenas o tempo da estação. Depois o cinzentismo do longo tempo fascista voltou. A PIDE tornou-se DGS, mas a perseguição política e a censura mantiveram-se, a guerra colonial continuou a consumir recursos e vidas de jovens (felizmente o meu pai passou por esta guerra sem grandes traumas), Portugal continuou isolado dos seus parceiros. Numa Alemanha com uma história que eu desconhecia, tal como não sabia o que se passava em Portugal, milhares de portugueses ajudavam a reconstruir esse país que rapidamente se tornou a maior potência europeia. Numa cidadezinha, Oxter, uma criança é apenas uma criança. Recordo, hoje, sobretudo as cerejeiras à beira da estrada, as casas com traves de madeira sobressaindo no branco das paredes, os passeios no campo e o meu olhar atento a todos pormenores da natureza. Aquele menino de calções azuis já anunciava o homem que hoje olha com a mesma atenção os mesmos pormenores.
O regresso a Portugal, no início, foi um choque. Como qualquer criança, eu estava encantado com uma cidade onde havia tudo e na Marinha Grande, no lugar do Pêro Neto, não havia nada. Parecia-me então. Passado o choque inicial, aqui fui criando raízes, com os amigos e a terra e percebendo que o meu lugar era aqui.
A minha infância foi vivida entre os bancos da escola, onde facilmente e com gosto aprendi as letras e os números e os prados verdes sem muros, onde andava aos pássaros.
O rapaz e o pássaro
Metáfora da liberdade
Era tarde, era sempre de tarde, na hora da luz tardia e das sombras compridas.
Na oliveira mais alta que dominava o prado, no ramo mais alto, o tentilhão cantava, macho, peito vermelho, avermelhado mais ainda pela luz que o iluminava. O rapaz por detrás da cortina, por detrás da janela, olhava, olhava e ouvia, tarde após tarde, dia após dia.
O rapaz tinha muitos pássaros engaiolados, mas nenhum como aquele, e foi numa tarde de primavera tardia, em que entardeceu mais tarde o dia, que o rapaz decidiu que queria o tentilhão só para ele, e num dia em que as estrelas esperaram pela lua nova e o vento esperou pela noite, o rapaz esperou que todos se juntassem, e naquela noite traiçoeira, o traidor e o traído encontraram-se na copa da oliveira inocente. O olhar abriu-se já tarde na mão do rapaz, e o sorriso do rapaz, mesmo na noite escura, brilhou, e no seu peito, o coração batia com muita força, batia tanto como o coração que estava apertado na sua mão, e na mão veio o tentilhão até à casa do rapaz. À sua espera estava também a sua casa, uma gaiola mais bonita do que as outras, pendurada no sítio mais alto, e ali ficou, com vista para a parede branca, a única em que a luz batia.
Na manhã seguinte, o rapaz levantou-se com o dia e correu para confirmar a verdade. Lá estava o tentilhão a lutar desesperadamente enfiando o bico em cada espaço, uma e outra e outra e outra vez. O rapaz sabia, conhecia aquele desespero, já o vira antes, muitas vezes. Sabia também que não iria durar muito, e realmente não durou. À hora da luz tardia e das sombras compridas já o pássaro desistira, estava conformado. Com o sorriso da vitória no rosto, o rapaz foi-se deitar.
Dois dias e duas noites passaram e o tentilhão não cantava, não cantava nem comia. Mais dois dias e duas noites se passaram no mais profundo silêncio, sem luta nem fome. Nessa noite, o rapaz deitou-se e sonhou que cantava numa oliveira que reinava como um castelo sobre o prado… e acordou. Acordou e correu, correu até à gaiola. Quando chegou, o tentilhão também estava acordado. Estavam ali todos, a noite, o traidor, o traído e o vento. Imóvel, o rapaz não percebeu os olhos abertos do pássaro, até que o vento, rasgado em notas ásperas, o levou até à velha oliveira. E percebeu que era no silêncio da noite que o pássaro via a liberdade. Aproximou-se, abriu a porta da gaiola e foi-se deitar. De manhã, a porta da gaiola continuava aberta e o tentilhão continuava na gaiola. Morto! Vitorioso! Pegou no tentilhão com muito cuidado, foi ao prado, apanhou um ramo de papoilas e sepultou o tentilhão sob a copa da oliveira, juntamente com as flores que nunca dormem. Ao chegar a casa, soltou todos os pássaros.
Hoje, o homem ainda olha pela janela, por detrás da cortina, mas já não há oliveiras nem prados, apenas o vento, com notas ásperas, toca um requiem em sua memória.
Hoje, penso nos pássaros e escrevo aves, invejo-lhes a liberdade e morro um pouco sempre que vejo um documentário de televisão sobre espécies desaparecidas.
O meu gosto precoce pela natureza fez de mim um coleccionador, não de animais empalhados, mas dos fascículos da Fauna, que se transformaram num livro que ainda guardo.
Vencidos os primeiros 6 anos de escola, sem sobressaltos, entrei para a técnica (o nome que então davam à Escola Calazans Duarte) e chumbei logo no 7º ano. A escola parecia-me um exercício de obrigatoriedade (e era mesmo, por isso se chamava escolaridade obrigatória), sem qualquer atracção e sem uma explicação que justificasse tamanha privação da vida. E aquelas disciplinas todas, com matérias que não tinham nada a ver com a vida, com a minha vida, não ajudavam nada. Se nessa altura não entendia para que servia aquilo que tinha de aprender, hoje essa pergunta infelizmente tem uma resposta simples: eu e todos os outros estávamos a ser preparados para aceitar com obediência e sem resistência um mundo artificial, para fazermos parte dele e para o continuarmos. Talvez por isso eu resistisse tanto, talvez seja essa ainda a razão porque tantas crianças rejeitam a escola.
Fui uma criança que demorou a crescer, para mim havia coisas mais importantes do que a escola: as brincadeiras e principalmente as incursões pelos pinhais e bosques da vizinhança.
O chumbo valeu-me uma forte reprimenda pela parte dos meus pais. Numa família modesta, com três filhos a estudar, não havia muita margem para erros. Mas passei para o 8º. No ano seguinte a coisa repetia-se, tudo era tão mais importante do que a escola. Mas aí, antes do ano lectivo acabar, com o pressentimento de outro chumbo, o meu pai disse-me: “se chumbares este ano, vais trabalhar”. Eu soube logo que o meu destino estava traçado! E sinceramente, não tive dificuldade em adaptar-me a esta nova realidade. Ninguém me perguntou o que gostaria de fazer, e se me perguntassem eu também não saberia responder, e assim lá fui eu para os moldes para plásticos. Tinha 15 anos, e a avaliar pela explosão industrial deste sector nos anos 80, um emprego com futuro. Sem saber, estava a tornar-me uma peça da engrenagem industrial, a contribuir para um modelo de sociedade que continua a trazer problemas insolúveis para a natureza. Tinha escapado da cumplicidade da escola mas tornava-me cúmplice através do trabalho. Compreendo hoje que não havia como escapar.
O que mais me custou foi passar de três meses de férias para apenas um, eu que estava habituado a um campismo semi - selvagem, a viver um Verão em pleno, e de repente eu ia trabalhar e os meus amigos continuavam a sentir o sol e o sal. Aí, confesso que desejei muito voltar à escola. Voltei, para estudar à noite, no curso que então fazia sentido, tendo em conta a minha profissão, o Geral de Mecânica. Mas naquilo que fazia sentido aprender num curso de mecânica, a escola estava alguns passos atrás, pelo menos eu assim entendia, porque o curso tinha muitas disciplinas teóricas e mesmo as práticas estavam cheias de teoria. A experiência de trabalho de 8 horas diárias impedia-me de reconhecer alguma utilidade ao curso. Resultado: também não foi por esta via que terminei a escolaridade obrigatória.
Não foi fácil, levantar-me às sete e ir para o trabalho, ir a casa almoçar (1 hora), voltar ao trabalho (4 km para cada lado), voltar a casa, ir para a escola e voltar para casa, sempre de bicicleta. É obra!
Este ciclo foi interrompido quando, cinco anos depois, mudei de empresa. Os novos patrões exigiam mais horas e eu tive de optar, estudar ou trabalhar, e o trabalho era a única escolha possível.
Entretanto cumpri o serviço militar obrigatório. A ideia de que os grupos (desde as pequenas equipas às sociedades humanas) só funcionam se houver hierarquia foi a aprendizagem mais importante deste momento da minha vida.
III- Para quê este saber? Para que serve? Onde está a continuidade?
Idade maior, decisões e compromissos, perguntas e respostas
Farto da rotina do rigor e do aço, decidi mudar o sentido da minha vida. Sem encargos de importância, deixei tudo e fui para França. Tornava-me, agora voluntariamente, mais um dos actores da grande saga da emigração portuguesa.
Através duma empresa de trabalho temporário, fui trabalhar num ofício que conhecia bem: fresador, numa empresa de componentes para aviões. Adaptei-me com facilidade ao trabalho na fábrica. Depressa aprendi a falar francês e a conviver com estes “outros” europeus, por isso me integrei bem na sociedade francesa. Evitei sempre o convívio exclusivo com a comunidade portuguesa, joguei futebol numa equipa mista (franceses e portugueses). Enfim, julgo que tomei a atitude mais inteligente e que é bem expressa pela sabedoria popular: à terra onde fores ter, faz como vires fazer. Habituado a trabalhar com rigor, nos moldes, impressionei os patrões, embora considere que os franceses são mais exigentes e rigorosos e com uma conduta orientada por valores morais mais sólidos. Enredada na teia do capitalismo, uns meses depois, a fábrica foi deslocalizada. Fui então trabalhar, com contrato a meio tempo, para a Câmara de Partenay (perto de Poitiers), onde me tornei uma espécie de ajudante de arqueólogo (nas escavações de uma igreja) e construtor de ruínas (na reconstrução de uma cidadela medieval).
Um ano depois voltei a Portugal. Achei que não tinha o direito de reivindicar fosse o que fosse fora do meu país. Ainda não tinha a noção de ser um cidadão europeu. Aliás não acredito que esta noção de cidadania seja interiorizada nas próximas gerações. Toda a organização territorial que ultrapasse a pátria parece-me anti-natural, pois acho que os seres humanos são animais de território definido, ao qual se apegam, desde que há milhares de anos se tornaram sedentários e cultivadores da terra.
De volta à pátria, com 24 anos, quis dar mais sentido à minha vida, e tentar algo que realmente me seduzisse: ser guarda-florestal! Era um rapaz cheio de convicções e este era o trabalho que me iria permitir ser um vigilante e protector da natureza. Mas quando me fui inscrever nos Serviços Florestais, um choque! Era necessário o 9º ano! Pela primeira vez senti que ter deixado a escola sem concluir a escolaridade obrigatória foi um grande erro.
Seguiram-se empregos com contratos de duração variável. Deixei a bancada e passei para o balcão de recepcionista no único hotel da Marinha Grande. Passagem breve e um tanto atribulada, por isso, terminados os seis meses do prazo contratual, não me renovaram o contrato. Depois as superfícies comerciais, primeiro o Continente, como operador de calçado, onde as normas impediam a minha progressão e, por isso, percebi que o meu futuro não passava por ali. Com a abertura do Intermarché na Marinha Grande, concorri e entrei para a secção de bebidas e, seis meses depois, subi para Responsável do Alimentar.
Uma oferta inesperada, para gerir um restaurante em Leiria, foi um desafio enorme. Aceitei. Os dois anos seguintes foram um grande desgaste, principalmente na hora das refeições, mas foram compensadores.
De repente…os filhos e tudo mudou. A busca pela profissão, onde eu me sentisse pertencer, parou. Tinha de conseguir um trabalho com horários fixos, com tempo para a família. E assim voltei à bancada e aos moldes, desta vez para vidro, na Ricardo Gallo, onde fiquei durante 5 anos e onde vivi plenamente a experiência de trabalhar numa grande empresa, fazendo parte do operariado industrial e tornando-me um sindicalista. Com a saída da Ricardo Gallo, agora Gallo Vidro acabou também, e felizmente, a minha experiência sindical, pois tinha-me sentido manipulado. Há 3 anos, surgiu uma nova oportunidade de ser um operário do século XXI, trabalhando por objectivos numa pequena empresa (mais dinheiro).
Hoje olho à minha volta e vejo colegas de infância que ainda têm o mesmo emprego de há 20 anos atrás e penso: como é possível? Como é que eles conseguem? Não consigo deixar de sentir alguma inveja.
Sei que este emprego não vai ser o último, não perdi a esperança de me realizar através dum trabalho não alienado. Contudo, olhando para este meu país tão desigual, não posso deixar de me sentir triste. A prepotência e a incompetência passam tão impunes! Fui explorado, subestimado e traído. Os compadrios, idolatrar, favores… continuam a ser os trunfos com que se ganham os jogos. Tornei-me um defensor incondicional da honestidade, atribuo-lhe cada vez mais valor, à medida que percebo que se torna mais rara.
Mas a vida não é uma escolha. A partir do momento em que somos responsáveis por ela, temos duas opções: ou seguimos pelos caminhos que ela nos apresenta ou podemos ser nós a abrir os nossos caminhos. E é essencialmente neste ponto que se distinguem os seres, é aqui que o querer, o acreditar e a força de vontade fazem a diferença.
A insatisfação perante um rumo que a vida toma, obriga a parar, a reflectir e a procurar a causa que originou esse efeito, neste mundo onde a liberdade é uma ilusão criada pelos que têm poder para conformar os que o não têm. Aquela estranheza que desde tão cedo motivou as minhas perguntas, levou-me a procurar respostas naqueles homens, que ao longo da história, as foram encontrando e as deixaram aos vindouros sob a forma de ideologias e utopias. Não foi fácil entendê-los. Por isso, eu, que até há pouco tempo não simpatizava muito com os livros, fiz um longo caminho quase solitário para a encontrar: “ é a economia, estúpido”!
Hoje suporto melhor essa estranheza porque encontrei alguém com quem posso partilhá-la em batalhas intermináveis de palavras, sem nunca me indispor com a interlocutora. Entre o filosofar espontâneo (como ela gosta de dizer) e a invenção de mundos (im)possíveis: através da poesia e histórias irreais, vou criando mundos alternativos. Onde posso sonhar.
Ao longo da vida fui aprendendo com pais, vizinhos, amigos e inimigos, conhecidos e desconhecidos, com os animais e com as coisas, absorvendo o que combinava comigo. O resto, esqueci, ou não dei importância. Fui escolhendo apenas as peças que encaixam no meu puzzle. O que em cada momento foi necessário para sobreviver são os meus saberes fundamentais.
Cada época, cada cultura tem os seus. Tal como eu tive em cada fase da minha vida. Até à Idade Média a explicação dos mestres era inquestionável. Depois, a experiência tornou-se fonte do saber. Uns séculos depois, a ciência tornava-se o único saber válido. Assim se ensinava e assim se ensina nas nossas escolas. A tradição e a experiência dos seres humanos comuns já não valem nada. Só a ciência é que explica tudo, ou pelo menos tem essa ambição. Mas em todas as épocas passadas, a sobrevivência humana foi assegurada sobretudo pelo trabalho, pela produção e pelo comércio. Em suma, pela economia.
Na minha vida, os saberes que me asseguraram a sobrevivência foram-se tornando cada vez mais complexos. No princípio, bastou-me a linguagem, para exprimir necessidades e afectos, depois, já na idade escolar, aprendi a ler, a escrever e a fazer contas, e muitas outras matérias, disciplinas, para fazer testes, para ter positiva no fim do período, para passar de ano…Terei aprendido? Então porque é que me lembro tão pouco do que aprendi? E pouco é dizer muito! Será que realmente se adquirem conhecimentos que nunca se põem em prática? O Inglês, que hoje falo razoavelmente, pois consigo fazer-me entender e até escrevo, o Francês através do qual comunico com parentes em França e falo com os amigos que voltam todos anos no Verão… terei aprendido na escola, ou na praia e num ano de trabalho em França? E o que hoje sei sobre a natureza, sobre a história e a geografia, aprendi na escola ou com os programas dos canais temáticos da televisão? Aprender é um processo muito complexo, certamente a escola teve importância, mas não demasiada, visto que a abandonei tão cedo. A escola parece-me (quando hoje reflicto) um lugar onde se estimula a competição, onde só vencer é que conta e, quando se fazem alguns vencedores… fazem-se muitos vencidos. Só nos ensinam a gostar de nós e nunca a sacrificarmo-nos, o que nos torna egocêntricos. É o culto do narcisismo que se prolonga por toda a vida.
Nunca tinha pensado, antes de começar a escrever para este portefólio, se alguma vez necessitei dalgum conhecimento, a que se possa chamar científico, para sobreviver. Mas hoje sei que a minha vida, nos moldes em que a vivo, depende inteiramente da ciência. O automóvel que conduzo, a televisão que vejo, o telefone que me liga às pessoas de quem gosto e que liga a mim pessoas que desconheço, a aparelhagem que me faz chegar a música de todas as gerações, a máquina fotográfica com que capto os lugares da minha memória e os trechos sobreviventes da natureza tão maltratada, (um pássaro, uma flor, uma nuvem, um céu azul, um mar prateado, um amanhecer…) todos os equipamentos que cada vez mais ocupam o espaço que antes era da natureza, a máquina em que diariamente trabalho, o analgésico que tomo, a roupa que visto… enfim, é difícil imaginar algo nesta sociedade tecnológica que não tenha por detrás um conhecimento científico!
Fui aprendendo muitas coisas ao longo da vida. À minha custa, como se costuma dizer, quando se quer dizer enfrentando dificuldades, errando e assumindo os erros.
Mas há momentos na vida em que voltar a estar sujeito à disciplina do pensamento, à reflexão sobre o conhecimento, se torna uma ideia com interesse e nos leva a tomar decisões que antes não fomos capazes de tomar. Aconteceu-me a mim. Aproveitar um programa do governo, para voltar à escola, mesmo sem saber o que me esperava.
Vencida a etapa da escolaridade básica através do RVCC, porque não avançar para o nível secundário? E assim, aos 40 anos, aqui estou de novo a aproveitar esta Nova Oportunidade.
De quê?
De obter um diploma com mais valor social? Não é assim tão (des)interessante. (Serve o outro eu da minha esquizofrenia).
Conseguir uma progressão na carreira – bastante improvável.
Um suplemento de auto-estima – desnecessário. Ou não será? Nunca se sabe.
Talvez uma oportunidade de cruzar este olhar com outros, os olhares daqueles que com o seu trabalho se tornam cúmplices da construção de um mundo no qual sinto estranheza. Confrontar os meus pontos de vista com os deles, dizer-lhes com toda a frontalidade que também eu sou cúmplice. Fui sempre. Mas antes não sabia. Agora já sei.
IV – Dois eus face ao Referencial de Competências – Chave
O que se espera que eu seja – o bom cidadão
Quem eu realmente sou – uma perspectiva crítica de um mundo onde sou o bom cidadão
Um cidadão condicionalmente livre e incondicionalmente responsável
Ninguém é, nem pode ser, inteiramente livre, pelo simples facto de não conseguirmos viver sós, pois somos seres sociais. Por isso a liberdade de cada um acaba onde a do outro começa. Mas a liberdade, nesta era em que tanto se fala dela, significa ser responsável; os compromissos assumidos, sem constrangimento, pelo menos físico (ameaça de prisão, por exemplo, que é a situação extrema de privação de liberdade) obrigam-me a responder por eles, a respeitá-los e honrá-los, mesmo que isso exija sacrifício. A liberdade é uma utopia que guiou a humanidade ao longo dos tempos, pela qual muitos lutaram e conseguiram algumas vitórias, pelo menos nalgumas partes do mundo. Por exemplo: fim da escravatura e do comércio de escravos, mas ainda não o fim da escravatura assalariada nem o fim do tráfego de crianças; fim da desigualdade política entre homens e mulheres, mas ainda não o fim (felizmente!) das diferenças que resultam da biologia. Como cidadão assumo a minha liberdade (condicionada), conquistada pelas gerações que lutaram contra a ditadura, congratulo-me de poder falar livremente, indignar-me e protestar, votar, e tudo isso faz alguma diferença.
Como pai, sou responsável pelo bem-estar e educação dos meus filhos, o que me faz estar atento às suas necessidades, a trabalhar para satisfazê-las, a ajudá-los a construir um futuro. A sacrificar-me por eles, porque só o amor é companheiro do sacrifício. Não vou dizer: dar-lhes tudo o que eles merecem, porque isso é uma ambiguidade tão estúpida, que não me atrevo a escrevê-la. (mas escrevi!)
Vivendo num mundo onde o egoísmo e o cinismo coexistem com alguma (pouca) solidariedade e bondade (ainda menos), onde nos ensinam a amar as coisas (o carro, a sofá, o telemóvel, a aparelhagem…) mas não as pessoas, enfrento diariamente situações conflituosas (em casa, no trabalho), com as quais aprendo a ser tolerante e a ouvir os pontos de vista dos outros. Sobre elas reflicto, hesito, procuro colocar-me para além dos meus próprios preconceitos (que, como toda a gente, tenho) e aceitar as diferenças como riqueza, pois sou contra o pensamento único e reajo mal sempre que tentam impor-mo. Sou uma pessoa pacífica, sem ser um pacifista. Tenho um coração que, como canta Sérgio Godinho, parte pra guerra com os olhos na paz!
O meu espaço de liberdade é dentro de mim, nas horas infindáveis em que invento um mundo em que posso viver em paz e ser feliz. Um mundo harmonioso de seres humanos e natureza, onde possamos amar sem objectos intermediários, no qual todos os dias possa extasiar-me com a beleza dum céu azul e dum mar calmo ou agitado, atravessado pelos sonhos de tanta gente. Sei que esta é uma visão romântica, talvez até uma utopia. Mas na vida também aprendi que a utopia é afinal um lugar que apenas ainda não existe. Entre a realidade e o sonho, procuro ser… um bom cidadão.
O bom cidadão tem de ser “in”
Como bom cidadão do século XXI devo, na minha vida quotidiana “privada”:
Ter consciência de viver num mundo de complexidade sem precedentes, construído a partir duma concepção científica e tecnológica, no qual, para me sentir integrado, deverei possuir competências dessa natureza, caso contrário serei visto como um tecno-excluído, um info-excluído, um analfabeto técnico. Ou, para usar gírias de outras gerações, “estar out”, ser um “Quadrado”.
Na vida “privada”, penso que isto significa:
- ter a casa equipada com as máquinas que facilitam a vida, aligeiram o trabalho humano, substituindo o esforço físico por energia, adquiridas de forma ponderada, com critérios económicos, ecológicos e funcionais; partilhar as tarefas domésticas reorganizadas pela existência das máquinas e pelo facto de as mulheres terem, em geral, um emprego; saber utilizar os equipamentos correctamente de forma a não os estragar, instalá-los e pô-los a funcionar lendo o manual de instruções, ainda que escrito em língua estrangeira, (o cidadão do século XXI deve ser do tipo “do it yourself”, mas na verdade está cada vez mais dependente dos outros!) e ainda reconhecer princípios científicos em que se baseia o seu funcionamento, isto é, perceber que um fogão a gás consome um tipo de energia (fóssil), que uma máquina de lavar consome energia eléctrica ou que um telemóvel funciona sem fios, porque há satélites à volta da terra, que também me dizem qual o melhor caminho para chegar a um destino pretendido, e que algures, por aí, há algo misterioso a que os cientistas chamam o espectro electromagnético.
Também significa saber utilizar um telemóvel que tire fotografias, uma máquina fotográfica ou de filmar, o que se tornou tão indispensável como ter comida na mesa, e de preferência tudo digital, porque as mecânicas já são peças de museu.
O nascimento dos filhos, as festas de aniversário, as viagens, as férias, enfim os momentos da família feliz têm de ser fotografados, filmados e guardados para mais tarde recordar. Cada cidadão se tornou um pseudo-artista e a vida quotidiana o tema preferido da arte. Depois, junta os amigos e dá-lhe uma valente seca com: “olha que bebé tão lindo”, “isto foi quando o meu filho fez um ano”, “este sou eu na minha viagem a Cuba”, “aqui são os amigos do meu filho, todos uns craques da bola, mas ele é o melhor”! Haja paciência!
Também eu sucumbi a esse apelo de me tornar um artista de fotos e filmes caseiros. Ainda não fui muito longe nas minhas produções, até porque as instruções, que se diz estarem numa linguagem que todo o cidadão entende, não são assim tão fáceis. Umas fotografias dos filhos, umas paisagens nostálgicas, um pormenor interessante da natureza…mas, não vou além disso. Com o telemóvel sou melhor (ou pior), dependendo dos dias e do destinatário das mms.
- Também se espera que o meu comportamento em casa revele a consciência de que, no mundo tecnológico, a energia é o supremo bem e que todos os recursos são limitados, porque a terra é finita, sendo necessário, portanto, não desperdiçar: água, energia eléctrica, calor!
No supermercado devo saber identificar produtos de baixo consumo energético, (Classe A) em casa apagar luzes desnecessárias, não dormir em frente ao ecrã, sobretudo se estiver a ver um bom filme, vigiar os putos antes de dormirem, não vão eles também adormecer com os MP4 nos ouvidos ou o ecrã do Magalhães a piscar. É suposto que, se cada cidadão fizer uma utilização/consumo racional dos recursos energéticos e outros, estará a contribuir para um ambiente sustentável, podendo deixar às futuras gerações uma terra ainda habitável e ainda capaz de suportar milhares de milhões de seres humanos com o mesmo estilo de vida de que hoje podemos usufruir (coisa em que eu não acredito). Pessoalmente gostaria de deixar aos meus filhos um mundo onde pudessem viver felizes e saudáveis, mas quando vejo imagens das cidades do futuro, como Xangai, Tóquio ou São Francisco – (Canal História, As cidades do futuro) onde não há uma árvore a não ser nos jardins dos ricos, onde milhões de pessoas não têm água potável, enquanto ao lado são desperdiçados milhões de litros para regar a relva dos campos de golfe para milionários (Canal História, As Guerras da Água) onde milhares de pessoas tomam banho de sol em gigantescos solários e praias artificiais, e andam pelas ruas com máscaras protectoras… para dizer apenas o mínimo, pergunto-me se num mundo assim alguém pode ser feliz?! È este o mundo para o qual contribuirei sendo um bom cidadão? Políticos, economistas, sociólogos e outros sábios afirmam que este modelo de desenvolvimento, com mais ciência, mais tecnologia, é sustentável se…formos bons cidadãos. Mas eu tenho as minhas dúvidas, que mais adiante explico.
Como bom cidadão, sou o primeiro responsável pela minha saúde. É recomendável que tenha um comportamento saudável – alimentação equilibrada, adequada à idade, exercício físico, (tenho de procurar um desporto mais adequado à minha idade, porque o futebol está a dar cabo de mim!) práticas de lazer saudável, isto é nada de “fast food”, de gorduras, açúcar, álcool (o que vai contra a cultura do prazer e do consumo), pedalar e caminhar, em vez do uso e abuso do malfadado automóvel. Não sou assim tão bom cidadão. Sempre que posso, faço-o. Mas só posso quando está sol e os dias são compridos. Pela minha saúde!!
Só leio folhetos sobre saúde se estiver num consultório médico e não houver mais nada, mas presto atenção à publicidade da televisão se forem realmente conselhos sobre saúde (Vigie o seu coração, olhe o colesterol, controle a sua tensão), mas sou totalmente céptico em relação às propriedades mágicas do Isostar, das formas Luso, dos Danacol ou outros danones que fazem corpos saudáveis e barrigas desinchadas… mas só a quem já as tiver!
Quem me dera poder comer sempre de acordo com as recomendações dos nutricionistas, respeitar a roda dos alimentos. Se ao menos pudesse confiar que mais conhecimento científico não irá alterá-la novamente. Mas continuo a pensar que, mais importante do que a quantidade seria a qualidade dos alimentos, o que já ninguém pode garantir, desde que toda a agricultura e criação de gado se tornaram industriais. O que me vale é ainda haver muitos quintais, graças aos quais posso saborear ainda alguns alimentos que escapam ao crescimento rápido, estimulado pelas hormonas e pelos adubos.
Como bom cidadão, vivo de acordo com as minhas possibilidades, e mesmo não fazendo um orçamento, não gasto mais do que ganho, pago os impostos a tempo e horas e até o faço via electrónica, tudo isto pagando a uma contabilista, pois é para isso que elas (e eles) existem. Entre as prestações obrigatórias para amortizar os empréstimos, as contas do supermercado e as despesas com a educação dos filhos (a escola pública já não assegura a formação que devia; também aqui, aos poucos, as promessas da Constituição vão sendo abandonadas) pouco sobra. Poupanças gostava de fazer, a pensar em imprevistos, mas os investimentos estão fora dos meus planos, porque para cumplicidade com o sistema já me basta consumir, trabalhar, ter salário e produzir diariamente mais-valia para o patrão.
As tecnologias de informação e comunicação fazem parte do meu dia-a-dia de bom cidadão. Do telefone ao telemóvel, do rádio à televisão e ao computador, a minha vida tornou-se mais fácil graças a estes equipamentos. Mulher, filhos, amigos, a toda a hora em contacto. Ligado ao mundo com as notícias ao acordar, no caminho para o emprego; ligado ao sonho no aconchego da casa: chinelos e um bom filme antes de dormir! O computador só quando é mesmo obrigatório, como agora está a ser para ir escrevendo este portefólio e fundamentar algumas afirmações com dados pesquisados na internet, porque não arrisco falar do que não sei (nem quero saber, pois não gosto de depender do que não consigo controlar). As ondas electromagnéticas, a electricidade e a electrónica, produto do trabalho de milhares de cientistas, e a tecnologia que daí resultou (que faz uns quantos milionários graças à exploração do trabalho de milhões de seres humanos!) tornaram a minha vida uma beleza!
E tudo isto numa casa bem pensada, espaço de bem-estar, num local aprazível, (o pior é a estrada que passa em frente!) construída segundo as regras e materiais amigos do ambiente. Tenho sorte! Não vivo num apartamento de subúrbios, construído à pressa com os materiais mais baratos (cortiço dos pobres), nem num condomínio fechado, vigiado por sistemas de segurança (cortiço dos ricos). Como a maioria dos portugueses, vivo numa casa a crédito! Até quando a posso pagar… é um enigma! Tal como todos os equipamentos, ecologicamente sofisticados, de que necessito para ser um cidadão como este referencial de competências pretende! Mas entre as dezenas de possibilidades, a minha escolha incluiu um quintal, um ribeiro ao fundo… para não me esquecer, nunca, do rumor das águas que correm, do sabor de um frango caseiro ou duma salada de tomate cultivado pelas minhas próprias mãos!
Casa - lar, doce lar! Espaço de bem-estar, espaço de lazer, espaço de convívio, espaço de cultura. Podemos ter uma casa e nada disso! Ou podemos não ter essa casa e encontrar, fora dela, tudo isso. A casa pode ser um mero abrigo. Talvez não precisemos realmente de mais. Eu poderia viver, e muito bem, numa casa na serra, feita de pedra e madeira, reconstruída pelas minhas próprias mãos e pelas mãos de outros como eu, desde que tivesse no Verão a sombra dum castanheiro e no Inverno uma lareira acesa e uma renda branca bordada sobre a mesa . Não perdi a esperança. Mas as necessidades, que durante séculos foram tão supérfluas que nem existiam, são hoje as necessidades básicas, razão por que o trabalho é cada vez mais alienado, e a maioria das pessoas o justifica pela necessidade do salário para pagar a casa, o recheio, o carro, as férias, os créditos e os créditos dos créditos…. Todos os dias, há contas para pagar!
Então, não é uma sorte viver no século XXI?!
O profissional do século XXI
Os direitos e o direito ao protesto
Herdeiro do século dos direitos do homem (ou melhor, dos homens e das mulheres também - escrevo já para evitar a correcção da técnica orientadora!), o profissional do século XXI deve reconhecer os seus direitos mas compreender que há outros – os do capital - e que quando entram em conflito… vence o mais forte. Basta ouvir as notícias diariamente neste ano de crise. O governo salva os bancos mas todos os dias centenas de operários ficam sem emprego, a viver provisoriamente (ou até ao resto da vida) com míseros subsídios. São velhos demais para voltarem a ter emprego quando (e se) houver melhores dias e novos demais para se reformarem. Vão ter que viver de expedientes, e alguns, se calhar, não muito legais. O actual Código de Trabalho não deixa dúvidas: a força dos trabalhadores e das suas organizações do século XX deu lugar à necessidade de sobrevivência do capital. Pelo menos é o que se pode deduzir das leituras que os vários partidos fazem das alterações introduzidas, como a flexibilidade, os bancos de horas, a simplificação dos despedimentos ainda que seja com “justa causa”. Quem não se adapta, não se reconverte, não investe na sua formação… está fora! No capitalismo global, os direitos dos trabalhadores, expressão tão cara na Europa social e também na Europa ex-comunista, são, cada vez mais, letra morta. As greves, hoje, não são mais do que uma espécie de manifestação do direito ao protesto e raramente se traduzem em vitórias dos trabalhadores. Porque um exército de desempregados está disposto a trabalhar mais por menos dinheiro, as empresas podem reestruturar-se, o que quase sempre significa despedir trabalhadores, negociar reformas antecipadas ou propor pré-reformas, declarar-se insolventes, falidas, e na maior parte dos casos ser deslocalizadas para um qualquer lugar no mundo onde milhões de homens, mulheres e crianças trabalham por um salário de sobrevivência, sem descanso e sem direitos.
O trabalho por objectivos substituiu o princípio igualitário que já cheira a mofo, “trabalho igual, salário igual”, uma bandeira que também eu agitei e que agora está desbotada, a lembrar vagamente que houve um tempo… em que o capital não podia viver sem o exército de trabalhadores. No século XXI, muitos gostam de dizer que não há antagonismo entre o capital e o trabalho. Patrões e trabalhadores cooperam, uns não exploram os outros, mas produzem, juntos, mais-valia. Trabalham por objectivos. Mas os objectivos de uns não são os dos outros. Muita sorte têm, os que têm trabalho. Embora na Constituição esteja escrito, com todas as letras, no seu artigo 58º, “Todos têm direito ao trabalho” e que cabe ao estado executar “políticas de pleno emprego” , parece que também estes princípios se tornam letra morta sempre que as empresas “entram em crise”, o que quer dizer têm menos lucros.
Era assim, no ocidente, até há meia dúzia de anos atrás. Enquanto o mundo se tornava uma fábrica e um hipermercado global, com milhões de homens, mulheres e crianças em países do terceiro mundo, que por agora alimentam e se alimentam do capitalismo glorioso do ocidente, em agonia. Por agora! Ninguém arrisca previsões rigorosas, mas todos os comentadores enchem a boca com “as novas potências emergentes”, a China, a Índia, o Brasil, que irão engolir o velho mundo! Basta ouvi-los nos grandes debates! Ou estar com atenção às etiquetas dos produtos. Tudo o que consumimos é made algures no Extremo Oriente ou na América Latina.
Eu sou um trabalhador em extinção do século XXI, com uma profissão que combina perícia humana e tecnologia sofisticada. Numa pequena empresa, de sete operários, um deles o patrão-trabalhador-empresário, recupero moldes para garrafas, contrariando a célebre máxima da sociedade de consumo, “use e deite fora”.
Na linha de montagem, ou em qualquer outra organização, o profissional do século XXI deverá ter uma palavra a dizer para melhorar a eficiência do seu trabalho e da organização. A pessoa certa no lugar certo - como dizem os gestores de recursos humanos -, adaptação ao imprevisto, e concluem sempre que… mais tecnologia torna o processo mais eficaz, menos dispendioso, mais rentável! De vez em quando, um operário, mesmo sem saber álgebra linear, matemática aplicada ou qualquer outro saber complexo de engenheiros e doutores… descobre a optimização de uma tarefa. Comunica-a às chefias. Torna-se o empregado do mês (também já fui), terá o seu retrato à vista de todos, como exemplo. Talvez receba um prémio, talvez seja convidado a subir uns lugares na hierarquia! Gestão participada - dizem os peritos! Numa pequena empresa é fácil que isto aconteça, sobretudo porque muito do trabalho depende ainda da perícia humana.
A luta pela sobrevivência leva os seres vivos a descobrir soluções engenhosas. Por ela, muitas gerações de seres humanos, há milhares de anos, deslocam-se na terra, à procura de melhores condições de vida. Este é o principal factor da emigração, que se pode ler em qualquer livro de história e também aprender por experiência, como é o meu caso, entre milhões. Estas deslocações sempre deram origem a sociedades multiculturais, muito antes da palavra existir. Emigrantes por todo o mundo foram discriminados nos empregos a que conseguiam chegar, e até mal vistos, principalmente em tempos de escassez, porque há uma tendência a considerar que tiram os empregos aos da terra. É o instinto de sobrevivência a funcionar. No século XXI, aceitar todos, ter as fronteiras abertas, principalmente na Europa, ignorar as diferenças, não mostrar preconceito de superioridade, é que se tornou politicamente correcto. Portugal, que também é uma sociedade multicultural, acolheu nas três últimas décadas milhares de africanos dos PALOP’s, (ex-colónias africanas) brasileiros e mais recentemente os imigrantes de leste, que aqui esperam encontrar “a terra da oportunidade”. Comportam-se aqui como quaisquer emigrantes em qualquer parte do mundo: trabalham, poupam, integram-se com mais ou menos dificuldade, suportam, quando calha, as piadas discriminatórias.
Há dias, o Vladimir, um ucraniano que trabalha comigo, fez-me a pergunta, que todos os dias eu faço a mim próprio:
- Ó Luís, porque é que trabalhamos tanto?
Respondi-lhe:
- É para ganhar dinheiro.
- Mas para quê - retorquiu ele - quanto mais ganhamos, mais gastamos. Quando aqui cheguei, ganhava 500 euros e isso bastava-me para viver. Agora ganho mais e não chega!
Só alguém inteligente pode pensar assim. Inteligência que não é privilégio dos brancos, nem de uma ou de outra cultura. Muitas vezes, preconceituosamente, achamos os estrangeiros ignorantes, apenas porque não conseguem comunicar com clareza, por causa da barreira linguística. Por isso não compreendo como pode haver racismo. Mas compreendo que, quando o trabalho escasseia, o instinto de sobrevivência leve as pessoas a culpar os outros, sobretudo os estrangeiros. E assim surgem os líderes políticos como Le Pen e Berlusconi que capitalizam o descontentamento social gerado pela falta de empregos, com promessas absurdas de expulsarem os estrangeiros dos seus países. Hoje é difícil imaginar o nosso país sem os milhares de imigrantes que por cá trabalham. Tão difícil como imaginar a história de Portugal e a do mundo sem a emigração portuguesa que dura há 5 séculos. Pelos quatro cantos do mundo se espalharam, deixaram modos de vida e uma língua que fez nascer, nesses países, agora independentes, grandes escritores, como Mia Couto, o branco com o coração mais negro que li. Os imigrantes de leste trazem consigo uma cultura exótica que enriquece as comunidades portuguesas, com folclore, gastronomia, festas. E tornam-se também personagens de romances, enriquecendo a literatura portuguesa. O exemplo que conheço é prova disso: O Apocalipse dos Trabalhadores, de Valter Hugo Mãe. Mas os estrangeiros serão sempre “outros”. Por melhor que falem a nossa língua, por muito bem que façam os seu trabalhos, ai deles se alguma coisa correr mal! Logo apontarão o dedo à sua origem estrangeira. Todos temos preconceitos. Basta aparecer uma oportunidade para eles virem ao de cima.
Só temos esta Terra
Quando a última árvore for cortada,
Quando o último rio estiver vazio,
Quando o último peixe for apanhado,
Só nessa altura o Homem perceberá
Que não pode comer dinheiro.
Uma máquina mais eficiente, de preferência que faça o trabalho sozinha, é o sonho de qualquer empresário, grande ou pequeno. Mas as tecnologias também são descartáveis. Elas tornam-se, ou têm que tornar-se, obrigatoriamente, obsoletas para serem substituídas continuamente por outras, mais eficientes, que produzam mais e mais depressa, para que a sociedade seja iludida com a obrigatoriedade de consumir para ser feliz. A fórmula é simples e tem resultado: mais e melhores máquinas, para mais produção para mais consumo. A obsessão da eficiência, fazer mais e melhor em menos tempo motiva a construção de equipamentos cada vez mais sofisticados e autónomos mas não (ainda não!) capazes de dispensar totalmente a presença humana. Uma máquina complexa exige sempre uma formação mais complexa, reconversão dos trabalhadores e pode levar à “dispensa” daqueles que não se adaptarem. Talvez um dia, em breve, todas precisem apenas de engenheiros e programadores e deixará de haver lugar para trabalhadores menos qualificados. Não é o que acontece em sociedades altamente tecnológicas, como o Japão, onde não há maquinistas de comboios mas engenheiros que os programam?! Já não se trata apenas de saber usar um computador, mas saber programar todos os equipamentos que funcionam segundo os princípios da cibernética. O bom cidadão do século XXI virá a ser apenas um engenheiro ou doutor. (Como se todos os males modernos não fossem criados e sustentados por doutores e engenheiros!) A crescente complexidade tecnológica parece ameaçar a existência, ou pelo menos a maior parte, da força de trabalho humana. A tecnologia substitui o trabalho manual, a comunicação entre as máquinas substitui a comunicação humana, o homem torna-se um espectador da sua obra-prima! O fato de macaco será substituído pela bata branca, os ambientes de trabalho serão imaculados, as tecnologias, limpas, como nos filmes de ficção científica. A humanidade vive com receio de ser governada pela máquina mas a verdade é que somos escravos dela há muito, desde que o vapor substituiu a força humana e animal. É para esse mundo que estão a ser formadas as novas gerações, postas em frente ao ecrã de televisão mal acabam de nascer, que à entrada para a escola exigem aos pais um telemóvel de última geração e que aos 10 anos já são peritos a usar um computador. A tecnologia substitui as brincadeiras com os amigos, e na idade adulta, se conseguirem trabalho, serão também profissionalmente tecnodependentes.
E enquanto não chegam as “tecnologias limpas” (mas haverá alguma tecnologia limpa?), as empresas devem assumir a sua responsabilidade ambiental. Essa é hoje uma exigência na Europa Unida, para as empresas que pretendam ser certificadas. A certificação dá credibilidade! Assegura que tudo na empresa é correcto: espaço adequado, tecnologia eficaz, trabalhadores formados, política ambiental. Só não assegura que a empresa pague as dívidas aos bancos e à segurança social ou os salários aos trabalhadores, mesmo que tenha recebido milhões de euros de incentivos. Ela pode mesmo deslocalizar-se e receber, noutro local, novos incentivos. Ironia das ironias, é que os países prejudicados pela deslocalização são os mesmos que contribuem financeiramente para a oferta de incentivos noutros países. Nenhuma certificação evita a falência e a deslocalização. O mercado soberano é que decide! É a economia… estúpido!
O lixo e a necessidade de o reaproveitar são causa e efeito da tecnologia. Lembro-me bem do tempo em que todo o lixo doméstico era reciclado em casa, servindo de comida para os animais ou para fazer estrume. Fazia-se a compostagem muito antes de existir o conceito que agora está na moda. Mas também me lembro das lixeiras à beira da estrada, antes das questões ambientais fazerem parte das preocupações dos nossos políticos. Há duas décadas não existia sequer um Ministério do Ambiente em Portugal. Foi criado em 1990, com o nome simples Ministério do Ambiente, no ano seguinte tornou-se Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, chama-se agora Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional e tem um papel determinante em todas as decisões nacionais e internacionais que envolvam recursos. . Essas preocupações eram apenas dos povos nórdicos, já então muito ricos e muito conscientes da sua responsabilidade na preservação do ambiente. Eram também os países tecnologicamente mais avançados.
A tecnologia cria a toda a hora problemas para os quais são pensadas soluções destinadas a manter o modelo tecnológico de sociedade. Soluções essas que criam novos problemas. É preciso reciclar tudo, porque os recursos são limitados mas a ambição e a sede do consumo são ilimitados (é o que nos diz diariamente a publicidade nas suas diversas formas). E assim se cumpre a lei de Lavoisier: na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. A preservação do ambiente dá actualmente emprego ou ocupação a milhões de pessoas: desde homens do lixo (agora técnicos de ambiente), não falando nos milhares de crianças da Índia que percorrem as lixeiras à procura de coisas para vender e assim sobreviver (não foi esse cenário de miséria que ajudou o filme Slumdog Millionaire a ganhar 8 óscares?!) aos engenheiros de ambiente e aos cientistas que, com os seus super - computadores, criam cenários optimistas da sobrevivência deste modelo de sociedade ou simulam as catástrofes, as mudanças climáticas irreversíveis e até o fim do mundo! Só temos esta terra, que “não herdamos mas pedimos emprestada aos nossos filhos”, por isso não deveríamos comportar-nos como uns novos-ricos esbanjadores. Mas comportamos!
Também este canto do mundo, que foi em tempos clandestinamente comunista, foi tocado pela febre de mais tecnologia, tecnologia mais avançada, pelo desejo de fazer parte da grande fábrica mundial.
Há duas décadas, a Marinha Grande era conhecida como capital do vidro, mas pouco se parecia com as cidades industriais que conheci na Alemanha (de que tenho vaga memória) e em França. Não passava de um conjunto de lugares, mal articulados, ligados por maus acessos (hoje não me parecem muito melhores!) a um centro onde se concentravam as principais unidades industriais que davam emprego à maioria das famílias. Em menos de duas décadas, fecharam praticamente todas as vidreiras, excepto as grandes unidades de vidro de embalagem (Barbosa & Almeida (ex-CIVE), Santos Barosa e Ricardo Gallo – agora Gallo Vidro, de capital espanhol, onde trabalhei durante cinco anos e onde fiz a minha curta aprendizagem de sindicalista). A criação de uma Zona Industrial, resultado das pressões políticas (não apenas ambientais) permitiu a deslocação dalgumas indústrias, por exemplo a Crisal, 1ª empresa a mudar-se para lá. Em meia dúzia de anos foram aí instaladas outras, algumas das quais resultaram do desmantelamento ou de qualquer outro exercício de ilusionismo económico, assegurando-se assim o emprego de milhares de marinhenses. Nos anos 90, nem as novas instalações e a tecnologia de ponta, nem os planos de reestruturação para a Cristalaria, nem as greves e outras manifestações operárias salvaram estas empresas. Já no século XXI, as que ainda restavam (Marividro, Canividro) acabaram por fechar. A zona industrial de Casal da Lebre, definida no Plano Director Municipal, aprovado em 1995 e que está a precisar urgentemente de concretizar a sua revisão, garantiu a transferência de muitas empresas retirando-as do coração da cidade (onde ficaram as que continuam a trazer problemas – basta ver os acessos à Gallo Vidro ou, ainda mais gritante, o túnel de acesso à Santos Barosa!) e levou muitas outras a instalarem-se lá. Mas qualquer pessoa com dois dedos de testa, consegue ver os erros que ali foram feitos: um acesso único que é também a única saída – eu queria ver se houvesse um acidente industrial!- ; as árvores foram todas abatidas e substituídas por relvados, exigindo água de rega que seria totalmente dispensável se tivessem mantido os pinheiros; sem sombras, o espaço tornou-se seco e quente. O nome das ruas é de pasmar! Rua da Alemanha, Rua da Bélgica, Rua da Espanha, Rua da França…um sinal parolo de internacionalização. Parece que adivinhavam que um dia chegaria o capital internacional para “salvar” as empresas. O investimento de milhões de contos que ali foi feito, em fábricas, (por exemplo a Mandata e a Neovidro) ninguém sabe onde foi parar. Hoje o que resta delas são edifícios quase novos totalmente ao abandono e centenas de operários que ficaram sem emprego e alguns sem os direitos. Muito do que ali foi feito são golpes na economia e na identidade marinhense. Onde é que está o equilíbrio património natural/património construído que constitui um dos objectivos do PDM?! Só se for nos livros dos escritores locais, ou nas fotografias antigas que se podem ver nos museus. Nesta luta insana contra a natureza, a que se chama progresso e civilização, já se sabe que quem vence… é a economia, estúpido!
Nesta Zona Industrial mantém-se em laboração apenas uma fábrica de Vidro, a Crisal, hoje propriedade de um grupo americano, Libbey, porque o capital não tem pátria. Mas os trabalhadores têm. Têm pátria, família, casas e carros para pagar.
Pouco antes da indústria do vidro entrar em crise, uma nova indústria começou a florescer, os moldes. Pequenas e médias empresas, todas filhas naturais da indústria do vidro (dos moldes para o vidro) nasceram como cogumelos nos anos 70 e principalmente nos anos 80 do século XX, impulsionadas pelos Fundos Europeus. Depois da adesão de Portugal à CEE, tinha que se modernizar o país e depressa! Os operários vidreiros, para muitos dos quais a fábrica foi a única escola, foram para a reforma ou para o desemprego, ou foram recuperados para a nova indústria, inicialmente bastante artesanal.
Mas sendo uma indústria de maior exigência tecnológica, em pouco tempo os moldes passaram a ter técnicos, não operários. O colectivismo que caracterizou a indústria vidreira, que vinha da tradição operária do século XIX, deu lugar ao individualismo no trabalho, à pequena equipa, o que também se explica (mas não só) pela pequena dimensão da maioria destas empresas.
Quem conheceu a Marinha Grande há duas ou três décadas e a visita hoje em dia nota que alguma coisa mudou. As bicicletas deram lugar aos carros de alta cilindrada que competem pelas estradas e aos outros, que só olhamos para eles quando entopem a cidade em hora de ponta, porque as estradas pouco mudaram. Para os turistas, a surpresa deve ser total: já não visitam uma fábrica de vidro, visitam um museu. A FEIS, mãe de todas as fábricas de vidro, depois de uma longa agonia acabou por ser vendida a um Dinamarquês que a levou à falência, como já fizera com a J. Ferreira Custódio (ou terá sido o resultado inevitável da globalização!?). E os edifícios da primitiva fábrica dos Irmãos Stephens (afinal desde o século XVIII que o capital não tem pátria!) transformaram-se naquilo em que sempre se transforma o trabalho: um museu, uma biblioteca, uma escola, uma galeria de arte, enfim… cultura! Os milhares de postos de trabalho foram reduzidos a umas escassas dezenas de técnicos com formações especializadas.
Outras unidades industriais, algumas com valor arquitectónico, tornaram-se ruínas e assim continuam. É o caso da Ivima que, depois de desactivada, já foi abrigo de toxicodependentes e até cenário de filme. Agora é apenas ruína, mas já há notícia de que os poderes locais encontraram uma solução para ela, não isenta de polémica . Outras empresas ligadas indirectamente ao vidro, como a de empalhamento dos garrafões, conheceram sorte diferente. Por exemplo, a fábrica da palha, agora local de diversão nocturna. Ou a antiga fábrica de tijolo, onde foi construído o Centro Comercial, que conserva a memória numa chaminé e no nome, o Atrium Cristal, mais um elefante branco da autarquia socialista. Para quem ainda não reparou, existe ali um mercado que se calhar nunca vai abrir. Entretanto, o velho mercado, que funcionou durante várias décadas na antiga fábrica da resinagem, bem no centro da Marinha, fechou, por decisão da ASAE. Não tinha condições, era terceiro mundo! E agora temos uma cidade com esta situação: um mercado fechado, um mercado que não abre e umas tendas gigantes onde a população se abastece de alimentos frescos ao fim-de-semana. Que por acaso se parece ainda mais com uma cena de terceiro mundo.
O pinhal, que foi uma das condições para a existência da primeira fábrica, mantém-se como pulmão do concelho, sobrevivendo aos fogos e à invasão urbana de hotéis e SPA’s nas zonas balneares. Mas a sua função já mudou. A lenha ou energia de biomassa (como agora se diz) ao ser substituída pelas energias fósseis (petróleo e gás) na alimentação dos fornos, transforma-se também uma memória: o projecto do Museu da Floresta ganhou no ano passado um novo fôlego. Já tem uma Engenheira Florestal responsável e certamente criará mais meia dúzia de empregos, todos para especialistas numa área qualquer .
A saúde no país real
Somos responsáveis pela nossa saúde, mas esperamos que o Estado nos proteja, que o patrão cumpra os seus compromissos sociais que nos asseguram a assistência em caso de acidente, o subsídio em caso de desemprego, a reforma no caso de sobrevivermos até lá. E ainda nos julgamos livres! Esperamos que o sistema nacional de saúde funcione bem, mas funciona sempre mal. No emprego fazemos o que nos compete: cumprimos as regras de higiene e segurança no trabalho (auriculares, luvas, botas, óculos protegem-nos de eventuais acidentes) partindo do princípio que a empresa as cumpre! E quando não cumpre? Chamamos a ASAE e arriscamo-nos a perder o emprego?
Consertar moldes, o que faço, é muito diferente de dar concertos. Precisarão as profissões ditas da cultura, por exemplo professores, directores de museus, escritores, jornalistas, cantores, actores, bailarinos, concertistas e outros artistas de uma protecção especial da sua saúde? Professores talvez! Pelas notícias que de vez em quando aparecem na televisão e inflamam os ânimos nas escolas, ou mesmo pensando nos carros de polícia Escola Segura que patrulham as entradas das escolas, mas que nunca lá estão quando acontece alguma coisa, parece que ser professor está a tornar-se uma profissão de risco. (E tu professora, já pensaste bem na tua vida? Já adormeceste a olhar o escuro e ao pensar na tua vida ela transformar-se em escuridão? Tens coragem de mudar, agora que um político sentado num trono divino “te impõe um argumento fálico”? Ou mostras resultados ou estás feita!)
Jornalistas, quando estão em missões especiais nas zonas de guerra, se calhar também deviam fazer pelo menos um seguro a favor da família, porque sujeitam-se a levar com um rocket perdido ou a serem desfeitos por um bombista suicida. Mas se tudo correr bem, talvez até ganhem prémios e então a missão valeu bem o risco. Não são assim tantos os jornalistas que têm morrido nas guerras. Muitos mais foram e são os soldados que combatem e morrem pela pátria ou pela ganância geoestratégica dos políticos e dos seus mandantes.
Quanto aos cantores, é bom que façam um seguro da voz, que é o seu ganha-pão. E os bailarinos das suas pernas. Mas que o façam por conta própria! Ou agora cantar e dançar para entreter e para alienar multidões também é um serviço público? Se o Estado tivesse sistemas especiais para estas e muitas outras profissões da cultura não havia orçamento que resistisse. E porque é que estas profissões deviam ter esse privilégio? São mais importantes do que pedreiro, operário fabril ou agricultor, por exemplo? Muito pelo contrário, são “profissionais” destes que sustentam a humanidade. E já têm muita sorte se conseguirem uma consulta num centro de saúde público em tempo útil, quer dizer antes que a doença se torne incurável ou mesmo antes de estarem mortos.
Eu que sou um bom cidadão, também tenho sentido de justiça. Por isso, como trabalhador que paga os seus impostos a tempo e horas, exijo aquilo a que tenho direito: os serviços do sistema nacional de saúde. Mas sei que se quiser ter melhor, (o que não é difícil!) tenho de pagar. Por isso fiz um seguro de saúde que me dá algumas garantias de não apodrecer no corredor de um hospital em caso de acidente!
No local onde trabalho, só queria mesmo era ter condições para um bom banho ao fim do dia, uma janela por onde entrasse o sol, e que o patrão pensasse que estas condições mínimas já seriam o máximo! Já lho disse em todas as línguas que conheço! Eu trabalho numa empresa do país real. Há quem tenha muito melhores condições de trabalho, eu sei. Mas há muitos milhares de portugueses que trabalham sem o mínimo de condições de higiene, segurança e saúde e sobrevivem.
Bem -vindos ao país real, autores do Referencial.
Bom cidadão… ma non tropo
Eu era uma criança quando se deu o 25 de Abril. Estava na Alemanha, mas mal a ditadura partiu os meus pais regressaram. Não percebi nada do que se estava a passar. Era política e isso não dizia respeito a uma criança de 7 anos. Mas hoje percebo muitas coisas e sei que também são política. Hoje sei que poder votar, participar em manifestações (apesar da decepção que tive por perceber que também eu era manipulado), pertencer a um sindicato ou a um partido político, ou dizer mal do governo, coisa que não faço todos os dias só porque nem sempre encontro interlocutores, por exemplo, só foi possível graças ao 25 de Abril. Está tudo escrito na Constituição da República Portuguesa, no capítulo mais interessante, os direitos dos cidadãos.
Quanto aos sindicatos, acho que já conheceram melhores dias. O capitalismo selvagem, a globalização, o liberalismo e sobretudo a tecnologia que dispensa o trabalho humano, são tudo faces da mesma moeda e estão a liquidar as organizações de trabalhadores e as lutas colectivas. Acabou-se o “um por todos e todos por um”. Agora é o salve-se quem puder. É a lei da selva. E o que pode o comum cidadão fazer? Indignar-se e protestar.
Se toma conhecimento da realidade profunda ainda fica pior. Por exemplo: nos últimos 30 anos, a diferença de rendimentos entre ricos e pobres aumentou escandalosamente. A riqueza dos 3 bilionários (três, disse bem!) mais ricos do mundo é maior do que o Produto Interno Bruto dos 48 países mais pobres do mundo; 968 milhões de pessoas não têm acesso a água potável; 2,4 milhares de milhões de pessoas não têm acesso a cuidados básicos de saúde; 1,2 milhares de milhões de pessoas (pouco menos de ¼ da população mundial) vivem na pobreza absoluta, ou seja com menos de 1 dólar por dia e 2,8 milhares de milhões vivem apenas com 2. O relatório que consultei diz mais: o conjunto dos países pobres, onde vive 85,2% da população mundial, detém apenas 21,5% da riqueza do mundo, enquanto o conjunto dos países ricos, com 14,8% da população mundial detém 78,5% da riqueza do mundo . E a isto se chama liberalismo, globalização e progresso! Onde estão os movimentos operários internacionais? O que podem fazer os sindicatos?
E os partidos políticos não estão melhores. Todos desconfiam deles. Todos… talvez não. Com certeza os militantes fanáticos acham que não pode haver política sem partidos e os militantes de eleições também devem achar o máximo andar nas campanhas com as camisolas do partido, não importa qual seja, a distribuir sacos de plástico, esferográficas e bonés nos mercados das cidades. Lixo! E se calhar a fazerem discursos ambientalistas! O que todos querem é um Job para o seu Boy. Mas o cidadão comum não acredita nos partidos. No dia das eleições, o bom cidadão lá vai pôr o voto, é até uma boa oportunidade para sair com a família, passa-se pela mesa de voto e segue-se para a volta dos tristes. O pior é se chove! Não apetece nada sair de casa. Ou se está bom tempo. Passava-se um belo dia na praia! Não é o que mostram os níveis de abstenção dos últimos anos? E não são estas as justificações que os comentadores, que passam o dia das eleições nos estúdios de televisão, pagos a peso de ouro, nos costumam dar?!
Os cidadãos têm muitas razões para esta indiferença. E se tivessem mais informação, ainda acreditariam menos na política. Se soubessem por exemplo que os governos dos países ditos democráticos gastam em média nove mil euros em despesa militar por cada soldado e apenas 90 euros por cada criança em idade escolar, ainda achariam que vale a pena ir votar?!
Eu sou um bom cidadão, mas sem exageros. Voto sempre, mas nunca li a Constituição, apenas alguns artigos (já seleccionados) quando fui líder sindical. Aliás, tenho dúvidas que a maioria dos portugueses alguma vez a tenha lido. Bom, talvez os estudantes de direito e todos os advogados do país a conheçam bem, e melhor ainda os deputados, principalmente os da oposição de esquerda, porque muitas vezes, quando há debates na Assembleia, oiço o Jerónimo de Sousa e o Francisco Louçã dizerem que tal ou tal lei não pode passar porque é inconstitucional, o que quer dizer que vai contra a Constituição, que é a lei fundamental do país. Até gostava de perceber como é que, se está escrito na Constituição que todos têm direito ao trabalho, se pode despedir milhares de trabalhadores e isso não é inconstitucional. Consequências da globalização!
E também gostava de perceber para que é que serve uma Declaração Universal dos Direitos Humanos - que diz que o direito à vida é o primeiro e mais sagrado direito humano e que quase todos os países do mundo assinaram - se alguns deles têm pena de morte. (Com a qual até concordo, para muitos crimes que não a prevêem). Pergunto-me para que servem essas declarações de boas intenções, se os países que as assinam não têm que cumprir o que lá está escrito.
Claro que, se um dia precisar, vou mesmo ler o Código do Trabalho, compará-lo com os artigos da Constituição e tentar perceber como é que uma coisa pode ser e não ser ao mesmo tempo. Mas o mais certo é ter de pagar a um advogado que faça isso por mim. Não se fazem leis para que os cidadãos as entendam e possam resolver entre si as questões. Se assim fosse como é que se arranjava emprego para os advogados, juízes e todos os funcionários dos tribunais?
Saberes, poderes e instituições
e o bom cidadão… perdido no meio delas
Deve haver por aí muita gente descontente com este modelo económico e social. Percebo isso quando às vezes pego num livro radical, leitura que no último ano passei a apreciar (graças à minha técnica orientadora, professora Alice Marques, que eu penso que já se está a passar para o meu lado), porque me faz sentir que não estou sozinho, mas cada vez acredito mais que não consigo mudar nada. E já somos muitos, o que é um conforto!
Neste mundo em que tenho de sobreviver como bom cidadão e consumidor consciente, estou atento às organizações que defendem os direitos das pessoas. Acho piada haver por aí tanta gente generosa a fundar organizações que não são dos governos. Até me dá vontade de dar um voto de confiança à humanidade. Gosto das organizações ambientalistas como os Green Peace. Têm formas de protesto muito originais. Andam pelos mares a defender as baleias e os golfinhos e a perseguir barcos carregados de lixos perigosos, mas andam também eles em barcos todos sofisticados, pelo que não solucionando o problema acabam por fazer parte dele.
Vivendo nós numa sociedade de consumo, é natural que tenham surgido organizações tipo Deco. Esta associação faz-me pensar que quem produz e põe os produtos no mercado pode ser sem escrúpulos e só ver o lucro, e que os governos não têm meios (ou não querem ter) de proteger os cidadãos contra a ganância. Se fosse tudo gente honesta só se produziam coisas boas para os consumidores. Mas como não são, lá têm de ser os cidadãos a organizar-se para se defenderem. Pessoalmente fico lixado quando sou enganado com um produto qualquer. É bom poder reclamar. É um direito e nos direitos não se deve mexer. Mas como não acredito que isso mude o mundo…!
Com a saúde, o caso é mais sério. Porque há tanta ciência e tecnologia neste campo, e os médicos têm tanto prestígio, acho que para a maior parte das pessoas é Deus no céu e o médico na terra, que qualquer doente fica intimidado. Para começar, vai-se ao médico quase sempre num estado de fragilidade. Ou se está doente, ou se vai fazer um check up para prevenir qualquer coisa. Mas com tantos equipamentos que descobrem tudo, é difícil, para não dizer impossível, sair dum consultório sem uma doença, sem uma credencial para fazer um exame especial ou sem uma receita dum medicamento para tomar. Logo isso coloca o doente num estado de inferioridade e sem capacidade de escolha. Não há quem nos defenda dos lobbies da indústria farmacêutica. De vez em quando, lá vem nas notícias um escândalo qualquer dum medicamento que afinal se descobriu que faz mal, mas entretanto já milhões de pessoas o tomaram, algumas se calhar já terão morrido pelos efeitos secundários, e não há nada a fazer. Ninguém as defende. Não sou lá muito bom cidadão nas questões da saúde. Primeiro porque acho que ter ou não ter saúde depende em primeiro lugar de comportamentos saudáveis e nem sempre os tenho; em segundo porque só recorro aos médicos quando me sinto doente. E ainda por cima tenho as minhas convicções quanto à indústria farmacêutica. Mesmo sem nunca ter visto um relatório sobre os lucros desta, não tenho dúvida que tratar da saúde… é a economia, estúpido!
Sei muito bem que as pessoas nos países ditos desenvolvidos vivem mais tempo do que em séculos passados e que isso também se deve à medicina. Mas também sei que é o estilo de vida destas sociedades que origina a maior parte das doenças que actualmente afectam milhões de pessoas. Não há hipótese de ser saudável num mundo onde nos empanturramos de enlatados, engarrafados, fritos, estaladiços e açucarados, frangos, porcos e vacas e até peixes alimentadas industrialmente, hortaliças verdinhas e frutas apetitosas criadas à pressa. No mesmo mundo onde vivemos controlados pelo relógio, passamos horas dentro dos automóveis ou a apanhar com os gases dos escapes em cima, nos sentamos exaustos ao fim do dia em frente ao televisor, sem tempo para fazer exercício, sem paciência para sabermos como correu o dia de escola aos nossos filhos, sem disposição para falarmos… sem tempo para sermos felizes e… a sonhar com o Euromilhões. Não deve ser por acaso que o Valium é a droga mais vendida em todo o mundo e outras do género, utilizadas para o mesmo efeito: diminuir a ansiedade.
Estamos muito preocupados com a saúde, porque o Estado gasta milhões em hospitais, médicos, enfermeiros e medicamentos para manter os seus cidadãos vivos e de boa saúde. Parece que ninguém quer perceber que prolongar a vida sem condições dignas é uma perda de tempo e um esbanjamento de recursos. Vamos lá discutir a eutanásia a sério. Sem deixarmos que a Igreja se antecipe a manipular as mentes confusas dos cidadãos. Será que esta questão não tem prioridade em relação ao casamento dos homossexuais?!
Agora também é muito correcto recorrer às terapias alternativas. Até está na moda. Efeito da globalização! Porque vieram os asiáticos para o Ocidente e também porque uns aventureiros de cá foram para o Oriente nos anos 60 e, ao voltarem, trouxeram consigo as medicinas orientais. Mas há para aí tanta charlatanice, que até se torna compreensível que o estado não reconheça a essas “medicinas” o mesmo estatuto da medicina agora chamada convencional. Pois se leva mais de meia dúzia de anos a formar um médico e o investimento que isso significa nem imagino quanto será, valerá a mesma coisa ir fazer uma acção de formação de 100 horas ou uma viagem de turismo à Índia, chegar e montar um consultório para tratar da saúde às pessoas?! E serão essas terapias alternativas adequadas ao nosso estilo de vida? Se nós precisamos de curar uma dor de cabeça de repente, porque temos de ir trabalhar de qualquer maneira, teremos tempo para andar em consultas de naturopatia ou em sessões de acupunctura até recuperarmos o equilíbrio do corpo e nunca mais termos dores?! Quanto a mim estou convencido que as terapias alternativas são uma questão de moda e não serão levadas a sério enquanto aqueles que as praticam não forem tão credenciados como os médicos. Nessa altura, podemos falar de liberdade de optar por esta ou aquela terapia, desde que elas sejam postas em pé de igualdade, ou seja que constem também nas especialidades médicas que o Estado põe à disposição dos cidadãos no Sistema Nacional de Saúde. Mas com o lobby da indústria farmacêutica a crescer… há-de ser difícil. Cada cidadão perdeu o direito de se declarar doente, só o médico pode declará-lo e dar-lhe baixa, não pode modificar a sua situação de vida, o seu desgaste no trabalho, as suas preocupações com ter dinheiro para pagar as contas, garantir-lhe o emprego e o salário, mas pode receitar-lhe drogas que lhe tirem essas preocupações. A Organização Mundial de Saúde está sempre a fazer listas de medicamentos, aos milhares, remédios bem comprovados para moléstias bem comprovadas. Uma comissão de peritos que estudou o mercado dos medicamentos nos Estados Unidos chegou à conclusão de que 60% dos medicamentos que existem no mercado são destituídos de valor, mas no mundo desenvolvido mais de metade da população adulta e um terço das crianças toma algum medicamento .
A medicina profissional está a criar uma nova humanidade: de crianças nascidas em hospitais, alimentadas por receita e empanturradas de antibióticos, que quando forem adultas viverão no desalento duma cidade moderna e que por sua vez irão gerar e criar, seja por que preço for, uma geração ainda mais dependente de medicamentos. A indústria farmacêutica já é uma grande vencedora. Ainda hoje mesmo ouvi uma notícia sobre os laboratórios Roche (acho): os lucros no ano passado cresceram mais de 50%! Isto não é por acaso.
Mas para já, nós, cidadãos, que não temos como fugir à tirania da indústria farmacêutica e dos médicos, temos que nos dar por satisfeitos com os genéricos. Que esta coisa de tomar só medicamentos de marca… via-se mesmo que era o lobby a funcionar. Assim, os laboratórios criaram as suas linhas brancas e isso até lhes melhorou, e de que maneira, o negócio. É outra coisa que me vem dar razão quando digo que a avidez do lucro é a desgraça da humanidade: se é possível fazer os medicamentos mais baratos, entre 20% a 35%, porque é que os fazem tão caros? Custos de investigação? Desenvolvimento de novos produtos, como agora se diz? Claro! É … outra vez… a economia, estúpido!
Alternativas a ter em conta deveriam ser as receitas tradicionais, pois foi a partir desta sabedoria empírica que nasceu a medicina moderna. Felizmente ainda se conserva esta sabedoria nas nossas aldeias. Mas porque também se tornou uma moda, até as “mezinhas” já podem ser encontradas nas prateleiras dos supermercados, embaladas, prontas a consumir. O Belmiro não perde uma oportunidade de fazer dinheiro.
Temos muita sorte em estar deste lado do mundo. Já não temos malária, nem diarreia nem tuberculose (esta acho que voltou, porque é uma companheira inseparável da miséria) que matam milhões no terceiro mundo: 12 milhões de crianças todos os anos em África, com estas doenças perfeitamente curáveis. Não é de admirar que apenas 0,1% do orçamento (mais ou menos 100 milhões de dólares) da pesquisa médica e farmacêutica mundial seja destinada à malária, enquanto 26,5 biliões são investidos pelas multinacionais farmacêuticas em pesquisa sobre as doenças dos países ricos: cancro, doenças cardiovasculares, do sistema nervoso, doenças endócrinas e do metabolismo. É que as vendas de medicamentos para África são apenas 1%!
Ambiente, tecnologia e… É a economia… estúpido!
Antes de iniciar estes textos para o Portefólio Reflexivo de Aprendizagens, ouvi uma parte (todos os núcleos de Cidadania e alguns de Sociedade Tecnologia e Ciência) e li muitas vezes o referencial de competências em diversas versões (curta simplificada, média complicada, e longa, aqui e ali mais compreensível) e discuti-o bastante com a profissional que me orienta. Não é fácil imaginar uma maneira de escrever tudo o que sei, o que penso que sei e questionar o que não sei sobre temas que estão todos relacionados. Tenho hábitos de pensamento complexo, mas não tenho prática de escrever esse tipo de pensamento, por isso acho que seria mais fácil para mim debater com a técnica e as formadoras o referencial e dessa forma validarem-me (ou não) as competências. Tenho uma visão desencantada da humanidade, como já deu para perceber, e estou convencido de que, mais tarde ou mais cedo, vamos pagar muito caro o modelo de sociedade que há séculos estamos a defender. Sou um amante da natureza, sinto-me parte dela e por isso sou também um observador muito atento. Quando vejo um lugar, que já foi verdejante e a fervilhar de vida, ser transformado num loteamento para construir fábricas ou hotéis, penso sempre que é mais um erro. E fico doente, como se me poluíssem directamente. Nunca conseguiria viver numa grande cidade porque as acho o cúmulo da desnaturalização da humanidade. Viver num apartamento, num “andar” (que nome mais estúpido) seria como arrancar-me a última réstia da natureza. Mas é neste mundo que vivo e é nele que terei de sobreviver. Não creio que a solução para os seus problemas seja mais tecnologia, pois esse tem sido o sentido da evolução e sabemos para onde nos está a levar. Também não creio que a solução seja voltarmos todos a viver como há milhares de anos atrás, embora aprecie bastante os ficcionistas que imaginam o mundo depois do fim. É que nesses filmes há sempre uma derrota total da civilização da máquina e no fim é a natureza que consegue sobreviver e salvar o que restou da humanidade. Para defender a minha ideia aqui ficam alguns números assustadores: “as extinções acontecem actualmente a um ritmo acelerado. Foi estimado que diariamente se extinguem cerca de 100 espécies, a maior parte delas ainda desconhecidas para a ciência. O maior número de extinções terá ocorrido a partir do século XVII, calculando-se que desde então tenham desaparecido do nosso planeta cerca de 486 espécies animais e 600 de plantas e que outras 3565 espécies animais e 22137 de plantas estejam actualmente ameaçadas de extinção. Nas aves, grupo particularmente bem estudado, 11% das espécies conhecidas foram classificadas como estando ameaçadas de extinção, estando 168 catalogadas como criticamente em perigo, 235 como em perigo e 704 como vulneráveis. Prevê-se que, se não se tomarem medidas adequadas, 400 espécies de aves desaparecerão nos próximos 100 anos…” Segundo cientistas bem credenciados “as razões para a presente extinção em massa estão relacionadas com a actividade humana, e incluem destruição de floresta e de outros habitats, caça e pesca, introdução de espécies não nativas, poluição e mudança climática” .
Que a intervenção humana provoca aquelas alterações climáticas catastróficas, parece ainda haver dúvidas. Que devasta a biodiversidade, não. Aqui os cientistas põem-se de acordo. Basta pensar em catástrofes ecológicas, por exemplo o afundamento do Prestige, ou o acidente de Chernobyl e como as populações locais viram os seus meios de subsistência desaparecer e os seus filhos nascerem com deformações monstruosas. Não se pode negar o óbvio.
No livro Ecologia para principiantes (mais uma leitura recomendada pela minha orientadora e que sinceramente aconselho a todos os que se interessam pelas questões do ambiente) há uma página muito interessante. Pode até ser ficcionada, mas sugere que os primeiros habitantes da terra já tinham uma certa consciência do que faziam à natureza, sem lhe causar danos irreparáveis. Nesses tempos o mundo teria uns escassos milhões de habitantes, caçavam, abatiam umas árvores e queimavam-nas, pescavam, colhiam frutos selvagens e isto durou, segundo o livro, 99% da história da humanidade. A agricultura, depois o comércio, as civilizações é que começaram a pôr em causa o equilíbrio ecológico. Mas a catástrofe começou a sério com a industrialização nos séculos XVIII-XIX, mais propriamente a partir de 1780, quando o engenheiro inglês James Watt inventou a máquina a vapor. E com a ganância imperialista. Cada inovação tecnológica foi vista como uma vitória do homem sobre a natureza, mas o que realmente se passa é que toda a tecnologia é uma agressão à natureza. E assim, os elementos básicos essenciais à vida, carbono, hidrogénio, oxigénio, azoto, enxofre e fósforo, começaram a ser esbanjados e inutilizados, os recursos renováveis e não renováveis passaram a ser excessivamente explorados, a poluição começou a contaminar o ar que respiramos, os alimentos que comemos e a água que bebemos, o ambiente foi inundado com produtos químicos (ciência!), o cancro e muitas outras doenças tornaram-se epidémicas (e é preciso mais investigação, mais ciência e mais tecnologia, para diagnosticar e curar), as espécies vão desaparecendo, enfim, o futuro está comprometido, por amor ao lucro fácil e a isso se chama desenvolvimento económico. O automóvel, símbolo do triunfo da civilização e da liberdade, tornou-se o grande cancro da humanidade. Não só pela poluição que provoca e pela qual somos todos responsáveis porque nenhum de nós está disposto a renunciar a ele, precisa dele para trabalhar, ganhar dinheiro para consumir mais, consumir mais para ser feliz, mas também porque esta indústria, e a forma de a sustentar, alterou as relações entre os países, que durante todo o século XX se foram tornando dependentes do petróleo, que está sempre no centro das guerras, das crises, da agitação das bolsas, que os especuladores aproveitam e bem. E nós, humanos, apanhados na teia, chegados a este mundo que se parece cada vez mais com uma gigantesca fábrica (no terceiro mundo) e um enorme hipermercado (no ocidente), o que podemos fazer? Passamos grande parte do nosso tempo a trabalhar para comprar engenhocas que poupam tempo a executar tarefas que gastam tempo e para as quais nós não temos tempo porque grande parte do nosso tempo é gasto a trabalhar para comprar engenhocas que poupam tempo… enfim, neste círculo vicioso do qual não conseguimos sair.
(E tu professora, também pensas nisso? Não fiques deprimida. Amanhã vais comprar mais um vestido e isso passa-te!)
A economia de consumo é dominada pelo modelo capitalista que só vai ao encontro das necessidades das pessoas quando isso é lucrativo. Só está interessado em quem pode comprar o quê. Seja qual for o custo para o ambiente. Aliás o ambiente é actualmente uma das áreas de negócio mais lucrativas. Basta pensar no lixo (embalagens e toda a cangalhada de electrodomésticos e tecnologias que temos em casa e que envelhece num piscar de olhos), que se faz todos os dias numa pequena cidade como a Marinha Grande, que os cidadãos generosamente oferecem como matéria-prima para as empresas recicladoras, multiplicar isso por milhões e temos um dos melhores negócios do século! Boa parte deste lixo é directamente resultado do consumo de supermercado ou das lojas anexas, portanto relaciona-se directamente com o poder de compra dos cidadãos. É por isso que é tão importante para os estados manter os cidadãos em condições de continuarem a consumir, mesmo que seja com créditos e subsídios. Ou dívidas! O poder de compra é que manda. Quem o tem pode exigir que os abasteçam e os que não têm “ficam a ver navios”! O modelo de sociedade dominante, capitalista, continua a significar o aumento do consumismo, da alienação, das desigualdades, da poluição, das doenças e dos riscos reais de guerras pela disputa e apropriação dos recursos.
Parece que até as previsões pessimistas dos últimos anos tinham excesso de optimismo, quanto à possibilidade de um desenvolvimento sustentável, conceito que pouco altera as coisas, porque o modelo se mantém. Em documentários mais recentes sobre o ambiente, as previsões de catástrofe ecológica, alterações climáticas, os degelos provocados pelo efeito de estufa, a subida das águas do mar, as ilhas que desaparecerão, as cidades costeiras que vão ficar submersas, são assustadoras (Canal National Geographic da TV Cabo). São os cientistas que o dizem. Mas aqueles que têm o poder não lhes dão ouvidos. A obsessão do desenvolvimento económico é a promessa de todos os políticos. O cidadão, bombardeado a toda a hora com a mensagem de que só pode ser feliz se tiver coisas, (através dos anúncios e dos estilos de vida mostrados nos media), torna-se obsessivo: É preciso ser rico e já! Quem vier atrás que feche a porta.
Chegamos a um ponto em que mais só pode significar pior (é a fuga para a frente) e algumas pessoas já começam a ter a consciência de que ter menos pode ser a chave para uma melhor qualidade de vida. Afinal para que é que vivemos? Não estará na hora de pensar que podemos ser felizes com menos necessidades e satisfazê-las com o menor consumo possível de matérias-primas, de energia e de trabalho, de modo a causar o menor dano possível?!
Se não travarmos esta mortandade feita à natureza, que resulta de um modelo civilizacional errado, por detrás do qual quem manda… é a economia, estúpido, as consequências serão irreversíveis.
Uma nova consciência sobre como preservar a terra-mãe não pode surgir a partir da catástrofe. Isso será realmente catastrófico. Porque só vai fazer aparecer mais oportunistas que enriquecerão com a desgraça. Foi sempre assim. O positivo disto é que a esta velocidade a humanidade acabará mais depressa e o planeta irá regenerar-se, já livre desta escumalha.
Mas essa nova consciência tem de nascer se quisermos deixar às futuras gerações uma terra em que ainda seja possível viver. Talvez na escola, mas tem de se substituir o conhecimento que enaltece o indivíduo, que valoriza a competitividade, o sucesso e o mérito individual por valores colectivos. Acho que isto é possível, pois por exemplo a consciência “ambientalista”, mesmo que seja ainda muito fraca, presente nos simples gestos de separar os lixos e os colocar nos ecopontos, foi trazida pelos filhos para casa dos pais. Se houver cada vez mais professores conscientes de que é preciso alterar o nosso estilo de vida (não daqueles que vão lá só para trazer o ordenado ao fim do mês), e que sejam capazes de transmitir esta ideia aos jovens, então talvez alguma coisa possa mudar. E já há conhecimento científico e tecnológico suficiente para resolver as questões da dependência das energias fósseis, substituindo-as massivamente por energias renováveis, e energias mais limpas (eólica, das ondas, biomassa, solar, etc.). Mas os lobbies energéticos são os mais poderosos, o petróleo continua a governar o mundo, e não parece haver realmente vontade política para mudar esta situação. As medidas anunciadas há dias pelo governo português, de subsidiar a instalação de sistemas alternativos de energia, as recomendações sobre poupança energética, são contraditórias com outras. Basta pensar como nas duas últimas décadas a rede ferroviária portuguesa tem sido liquidada, linhas desactivadas, estações fechadas, a favor dos investimentos em mais auto-estradas e outros projectos megalómanos como o TGV ou um novo aeroporto, tudo isto para ganharmos mais uns minutos a corrermos a toda a velocidade de um lado para o outro, por causa dessa máxima tão americana “time is money”.
As soluções radicais defendidas pelos ecologistas: o controlo social das tecnologias para garantir o seu uso responsável, a descentralização e a autogestão, para voltar a estabelecer a iniciativa local e um sentimento de comunidade solidária, melhores serviços públicos, apoio aos artigos que duram mais, separar e reciclar para poupar recursos, contra o princípio do usar e deitar fora da sociedade de consumo, maior produção dos nosso próprios alimentos para nos tornarmos mais auto-suficientes, controlo apertado da poluição para salvar o ambiente, política de transportes colectivos, poupanças energéticas, tudo soluções opostas ao rumo que se está a levar, são muito boas intenções. Mas mesmo que os países que parecem estar mais preocupados com isto, como é o caso da União Europeia, sejam capazes de tomar algumas medidas, teremos que contar com a arrogância dos Estados Unidos e a indiferença dos países novos-ricos, como a Índia, a China, o Brasil e outros emergentes, onde a avidez do lucro já tomou conta das mentes, e que não estão nada sensibilizados para as questões ambientais. Estão a crescer à pressa, estão a mudar-se para lá todas as indústrias que matam o ambiente, (mais uma vez o filme Slumdog Millionaire pode servir de exemplo ao mostrar aquela enorme lixeira da cidade de Bombaim) produzem a um ritmo alucinante porque são muitos milhões e trabalham com salários miseráveis, sem direitos e sem restrições ao trabalho infantil, desequilibrando e economia mundial, agravando as diferenças sociais, gerando desemprego nos outros países.
E tudo isto graças à magia das redes. Já não é preciso ir lá, enviam-se e discutem-se projectos por videoconferência, à velocidade da luz, transfere-se dinheiro, conhecimento, com o simples gesto dum clique numa tecla dum computador. É outra vez a tecnologia, mais concretamente as tecnologias de comunicação. Para mudar a sério seria preciso meter travão a fundo e segurar bem o volante. E nenhuma das propostas de solução que conheço é mesmo radical. Por isso, na minha opinião, não são verdadeiras soluções. São apenas ideias de pessoas generosas que estão preocupadas com o fim da terra. Mas não passam de “cuidados paliativos” que apenas podem adiar a agonia. Não vão conseguir vencer os tubarões das indústrias da energia ou os monopólios financeiros nem mudar um modelo que tem séculos de erros considerados como soluções óptimas. Por cada ideia generosa há milhares de ideias sobre mais do mesmo: investigação, ciência, tecnologia. Chegámos a um ponto de não regresso. E por isso todos nós, cúmplices da catástrofe, coveiros da nossa própria sepultura, quer tenhamos muita, pouca ou nenhuma consciência do que vai acontecer, só podemos continuar a “caminhar alegremente para a morte”.
Tecnologia, economia e … o 4º poder!
Há acontecimentos que podem alterar radicalmente a vida das pessoas. Por razões que estão muito além de todas as razões que a razão (des)conhece, a decisão de voltar à escola, no programa Novas Oportunidades, para fazer um RVCC básico, mudou a minha vida. Por causa das muitas hesitações e muitas oscilações da vontade, sozinho talvez eu não tivesse chegado ao fim. Eu tinha tanta consciência disso que chamei ao meu dossier: “O dossier que esteve para não ser acabado”. Mas porque a técnica que me orientou no básico (e que também me orienta neste PRA) leva a sério a sua aposta “ninguém desiste porque eu não desisto de ninguém”, depois de uns longos meses de avanços e paragens cheguei ao fim, já com a certeza de que afinal estava só a começar um percurso que ainda não sei onde me levará. Este “convívio” com a “escola” começou a abrir-me portas às quais eu nunca antes tinha batido. Um texto seleccionado para publicar , um acreditar nas minhas capacidades, uma insistência para que escrevesse, um estímulo para prosseguir o sonho de escrever, tudo isso e muito mais devo agradecer à professora Alice Marques. Para além das dezenas de livros que entusiasticamente ela já me fez ler e que me proporcionaram prazeres insuspeitos. Ela acredita realmente nas pessoas. Sem me ter tornado um devorador de informação, tornei-me pelo menos o que já se pode chamar um leitor e um espectador mais atento, o que se deve ao facto de ela ser também uma jornalista desassombrada e ser capaz de ver o trabalho dos jornalistas com um olhar muito crítico. Aprendi também a não julgar sem fundamentar e principalmente a não tirar conclusões precipitadas sobre alguém que não conheço bem.
A experiência que me proporcionou, de escrever umas notas de leitura e publicar num jornal local , fez-me pensar de forma diferente no impacto que os meios de comunicação têm sobre as pessoas. Quem faz, nunca mais voltará a ler ou ver da mesma maneira.
Gostos, estilos de vida, desejos de consumo, sonhos, evasões e também conhecimentos úteis e muitos inúteis, visão do mundo e preocupações são aspectos da vida humana que dependem cada vez mais dos meios de comunicação, principalmente da televisão, essa “caixinha que mudou o mundo”. Para mim, como para milhões de pessoas, ligar a televisão, mal entro em casa, tornou-se talvez o gesto mais rotineiro do dia-a-dia.
Nos meus 40 anos de existência, vivi com a televisão a preto e branco, com um canal, dois canais (do Estado), com taxa, sem taxa, assisti ao nascimento das televisões privadas (SIC e TVI) no nosso país, aos canais sintonizados através das parabólicas, (outra vez os satélites à volta da terra, imagino a lixeira que já gravita à volta dela!) da TV cabo, sempre acompanhadas com a promessa de que mais seria melhor, essa fantasia da liberdade de escolha. Agora espero, ainda com mais curiosidade, a televisão digital, outro prodígio da ciência e da tecnologia.
Como muitos portugueses, tenho várias televisões em casa, porque o telecomando não chega. Rapidamente ele passou de instrumento de liberdade a instrumento de discórdia e poder. A solução teve de ser mais tecnologia, quer dizer mais um aparelho, depois outro e outro, até cada um ter o seu, para acabarem as discussões sobre “quem é que tem o telecomando?”. Mas acabaram-se também os serões vividos à volta de uma televisão. Cada um recolhe aos seus aposentos e, em frente ao ecrã, vê os seus programas favoritos, adormece ou tem uma insónia e sonha. Cada vez mais sozinho.
Parece ironia, mas a oferta de canais que temos actualmente torna possível que se viva completamente afastado do mundo quotidiano actual, se as escolhas forem as telenovelas (são às dezenas!) ou os canais de documentários históricos, via TV cabo ou satélite. Podemos ter à nossa disposição o meio de informação mais popular e acessível e continuarmos completamente alheios ao que se passa ao nosso lado ou no resto do mundo. Mas mesmo que a nossa opção seja ver programas de informação, podemos ficar indiferentes, pela saturação que as notícias provocam, ou pensar que o mundo é uma selva ou um manicómio de psicopatas, se escolhermos um canal que alinha no mesmo telejornal dezenas de notícias sobre crimes, escândalos, corrupção, desvios, derrapagens e outras doenças sociais. Como a profissional gosta de citar, a informação baseia-se muito neste triste princípio: “bad news, good news”. E como se não bastasse essa dose maciça de informação (uma hora ou mais em cada telejornal) que só provoca ansiedade e cepticismo, ainda temos no ecrã a moldura de rodapé sempre a passar outras notícias, que são só mais do mesmo, em todos os canais. Influências da CNN, a televisão americana que mudou o conceito de acontecimento daquilo que aconteceu para aquilo que está a acontecer.
Neste ano negro que estamos a viver, ao almoço e ao jantar, são servidos os pratos do dia: mais um empresa que encerrou as portas, mais uns milhares para o desemprego, mais uns títulos na bolsa que caíram a pique, mais um assalto à mão armada, mais um carjacking, mais um escândalo no futebol, mais uma boa intenção do governo, entremeados com mais um modelo de automóvel amigo do ambiente, mais um telemóvel de última geração, mais um iogurte de propriedades mágicas, mais uma bebida refrescante, mais um detergente que limpa a fundo numa só passagem, …!
À hora do jantar, a sobremesa é sempre a mesma: uma, duas, três, quatro telenovelas… cada vez são mais, já lhes perdi a conta, um concurso para ganhar muito dinheiro ou um reality show com as “tias”, ou as estrelas feitas à pressa, a disputarem audiências, intervaladas por anúncios de produtos domésticos… com a TVI à frente, com grande avanço, e o argumento de dar ao povo o que o povo gosta sempre a ganhar terreno. Quem é que se interessa em ver um concerto, um programa sobre livros, ou um filme de produção independente?! Eu, mas basta ver os shares das audiências para perceber que não somos muitos.
Se algures acontece uma guerra, as cadeias internacionais como a CNN, ficam excitadíssimas. É para lá que correm os repórteres, como abutres, ávidos de nos servirem mais umas bombas que rebentam, uns prédios destruídos, os mortos contados às dezenas (se for às centenas ou aos milhares então… é fartar vilanagem!), enquanto no estúdio, uns comentadores peritos nos assuntos, esmiúçam as imagens via satélite, não vá o espectador estar distraído ou não perceber em que lado caem as bombas!
Se há eleições, é a tortura da campanha política, nas notícias, debates e tempos de antena, os discursos demagógicos dos políticos: grandes investimentos públicos, promessas de criar postos de trabalho, baixar os impostos, aumentar salários…!
Se é Verão, o país está sempre a arder, as imagens dos populares que perderam a casa, os animais e outros haveres entram na nossa sala e ao fim de uns dias saturam-nos até à indiferença total.
E se por acaso uma criança desaparece do apartamento de férias e se por acaso essa criança se chama Maddie e não por acaso tem uns pais com uma capacidade incrível de usar os media, então é um prato cheio, para mastigar durante semanas a fio, mesmo que não haja nada de novo, nenhuma notícia, porque o que importa é manter os espectadores colados ao ecrã, emocionados, de lágrima no olho, juízes impiedosos dos pais, dos polícias e dos ladrões! Pelo menos até à próxima tragédia!
A televisão, potencialmente o melhor meio de informação e formação, pode ser e é também a tecnologia mais manipuladora da opinião. Porque as pessoas acreditam no que vêem. O mundo passa a ser o que se vê na TV. O que não se vê não existe. Alguém chamou aos meios de comunicação o quarto poder. Eu não entendia o que isso significava. Mas hoje sei: eles podem controlar o poder político (que é dividido em três: legislativo, executivo e judicial, como aprendi com a profissional), denunciar abusos, fraudes, (como poderíamos saber que o Sócrates comprou o diploma e que está envolvido no caso Freeport, ou que uns certos deputados estiveram envolvidos no escândalo da Casa Pia, se não fossem os meios de comunicação?) Por isso se chama o quarto poder. Mas não poderão também abusar desse poder?! Então quem é que os controla? Não há regras para evitar que pessoas inocentes sejam julgadas pelos jornais e televisões e que as vidas privadas de pessoas, mesmo de figuras públicas, seja mantida longe das câmaras? Alguém tem de ter poder sobre este poder! Ou fica tudo apenas dependente da decência e da honestidade dos jornalistas? Também aqui, é a economia, estúpido!
Dos aspectos económicos dos meios de comunicação pouco posso dizer. Vi por acaso uma lista dos salários das estrelas da nossa televisão e descobri que afinal a informação não deve ser assim tão importante, pois se uma Júlia Pinheiro ou uma Fátima Lopes ganham mais do que um José Rodrigues dos Santos ou um José Alberto Carvalho, então é porque o entretenimento é mais lucrativo que as notícias. Não sei quanto dinheiro vale um grande jornal, um rádio ou uma estação de televisão. Mas, tirando a RTP que é do Estado, e que segundo sei, dá todos os anos prejuízo de milhões, pagos pelos contribuintes, não acredito que alguém se lance num projecto como a Impresa ou a Media Capital, que têm acções cotadas na bolsa, para perder dinheiro! Se assim fosse não teriam sido lançadas as televisões privadas.
O mundo, eu e o outro
No momento em que em sento mais uma vez para alinhar por escrito ideias que vou desenvolvendo livremente ao longo da semana, já a sonda espacial Kepler vai a caminho do espaço. Segundo as notícias, vai procurar vida noutros planetas à volta de outros sois, pois o Universo é tão grande, dizem os cientistas, que a procura dos “nossos irmãos” tornou-se uma obsessão. E não só dos cientistas. Alguns filmes de ficção científica que fizeram as delícias de várias gerações, incluindo a minha (Caminho das Estrelas, Espaço 1999, Guerra das Estelas, 2001 Odisseia no Espaço, ET, etc.) baseiam-se também na busca duma resposta à pergunta: “Estaremos sós?” Alguns “encontram” seres com aspecto ainda não humano, outros “encontram” seres com inteligência superior que já não têm nada de humano, alimentam-se de pílulas, não amam, não procriam naturalmente…! São sempre maus (parece-me que o ET é uma excepção), sempre ameaçadores da sobrevivência do nosso frágil planeta. São os receios da humanidade ou os desejos, não sei bem, que viajam no espaço através da imaginação dos cineastas.
Neste momento, a sonda Kepler já deve estar a uns milhares de quilómetros, já se deve ter cruzado com alguns satélites que gravitam à volta deste planeta azul, (ou terá seguido outra rota? Com serão as “estradas” no céu? Como se traça uma rota para o desconhecido?).
Os satélites! Obra-prima da tecnologia! Graças a eles, neste momento, milhões de pessoas vêem televisão, falam ao telemóvel, conduzem por estradas desconhecidas sem se perderem, viajam no ciberespaço através do simples clique. De toda a tecnologia inventada no século XX, a rádio e a televisão são as mais democráticas, pois até os analfabetos têm acesso a elas. Também talvez por isso sejam as mais alienantes. Não sei se houve euforia quando estes meios de comunicação começaram, porque quando cheguei ao mundo eles já existiam todos e já faziam parte do quotidiano de muita gente, até dos portugueses. Mas assisti ao nascimento da Internet e ainda estou a acompanhar a euforia que gira à volta dela. A rede que liga o mundo, o acesso de todos a toda a informação e cultura, a abolição das desigualdades, enfim… basta ouvir o nosso Primeiro-Ministro a propósito do lançamento do “Magalhães”. Mas há muita mentira por detrás deste discurso. A Internet não vai salvar a humanidade da miséria e da ignorância, porque a miséria e a ignorância impedem que todos tenham acesso a ela. Quem não sabe ler, ou não sabe inglês, fica logo excluido. Os computadores, em geral, são vistos como a tecnologia capaz de pôr a casa em ordem. A economia depende deles, a saúde depende deles, o trabalho e o lazer dependem deles. A vida dos cidadãos é totalmente controlada pela sua existência. É difícil imaginar as sociedades actuais sem os computadores. Ou sem a luz eléctrica. Dei comigo há dias a pensar a propósito do apagão: estamos tão dependentes desta energia que o mundo pára, e nós não sabemos fazer nada se ela faltar. Ou o petróleo. É muito perigoso ficar dependente de tão poucos factores. Se um deles falta, tudo se desmorona. Será que ninguém pensa nisto com preocupação suficiente para tentar alterar o rumo das coisas? Será que ainda todos pensamos que somos livres?
Mas algures neste planeta ainda há quem seja capaz de viver sem energia eléctrica e sem computadores. Nos Estados Unidos e no Canadá, os Amish conservam um modo de vida inalterado desde o século XVII, na floresta Amazónia, no interior da Austrália e nos confins da África e da Ásia, ainda há comunidades que vivem em harmonia com a natureza, ao ritmo das estações do ano, não conhecem o stress nem as crises do capitalismo. Gosto de ver documentários sobre estes povos, e nunca faço um juízo preconceituoso sobre eles, nem acho que não sejam civilizados. Tenho sobre eles um olhar de admiração e inveja. Territórios intocados, (ou quase) onde apenas chegaram jornalistas, fotógrafos da National Geografic e estudiosos para nos darem notícias destes seres exóticos que vivem nus e são verdadeiramente livres e felizes.
Alqueva – um caso exemplar de controvérsia pública
A proposta da profissional e das formadoras para analisar e exprimir uma opinião sobre uma controvérsia pública, foi para mim o maior desafio na elaboração deste PRA. Como bom cidadão da minha cidade e do mundo, mas também extremamente crítico, como já ficou demonstrado, pensei em várias polémicas que foram lançadas pelos meios de comunicação (uma função muito importante destes, porque tornam os problemas visíveis e dão aos cidadãos uma oportunidade de formarem a sua opinião, mesmo que raramente possam participar nas decisões). Pensei no aborto, uma das raras polémicas em que os cidadãos foram chamados a tomar parte na decisão política, através do referendo; na eutanásia, pois parece que em breve será uma polémica que chegará aos cidadãos; no casamento de homossexuais, uma discussão já instalada na Assembleia da República, que desceu às ruas e de momento, acho que já recolheu, porque há realmente outras prioridades, num momento em que é preciso pensar em políticas para resolver ou pelo menos diminuir os efeitos da crise real que o país vive. (Quanto mais responsabilidades o estado assume, mais irresponsáveis se tornam os cidadãos). Pensei também em questões relacionadas com o ambiente, por exemplo, na co-incineração, polémica que acompanhei porque se passou aqui ao lado, na Maceira; na energia nuclear, porque ouvi no programa Prós e Contras alguém defender que era tempo de voltar a pensar nesta hipótese para Portugal, para diminuir a nossa dependência energética; nos projectos megalómanos do governo de Sócrates - o novo aeroporto e o TGV, sobre os quais já muito foi discutido e que neste momento parecem estar guardados na gaveta, por causa da malfadada crise.
Acabei por decidir analisar a polémica sobre a Barragem do Alqueva. E ainda bem. Porque à volta dela não houve apenas uma, mas sim muitas polémicas que ainda hoje continuam, e também porque estando mal informado sobre todo o processo, fui obrigado a procurar informação sobre o Dossier Alqueva, visitei a barragem e a Nova Aldeia da Luz e aprendi coisas surpreendentes. Por exemplo, que este projecto do Alqueva é mais velho do que eu, foi lançado por Salazar em 1957, ficou na gaveta até ao 25 de Abril e entre avanços e recuos chegou até ao século XXI e ainda não é pacífico. Foi interessante também perceber que o projecto Alqueva tem sido como um espelho das orientações e prioridades políticas dos vários governos que o têm feito avançar, abrandar ou mudar de direcção. Foi estimulante visitar a Nova Aldeia da Luz e verificar, também aqui, como se transforma a vida e o trabalho dos seres humanos em objectos de Museu.
Alguma informação que analisei, dos anos 2000 a 2009, dá para perceber que, de Plano de Rega do Alentejo, ele se foi transformando em Projecto de Fins Múltiplos, mas na prática prioritariamente para produção de energia hidroeléctrica, mais tarde para produção de outras energias e projecto de turismo e lazer, enquanto a transformação da agricultura de sequeiro em cultura de regadio foi ficando para trás e o Alentejo se foi despovoando, e as herdades foram sendo vendidas a estrangeiros.
Como atrás disse, são muitas as polémicas à volta do Alqueva. A maioria dos portugueses não alentejanos já terá esquecido, por exemplo, o drama humano que foi o afundamento da Aldeia da Luz e a deslocação de três centenas de pessoas para a Nova Aldeia da Luz, apesar de estas imagens terem sido bastante divulgadas na televisão, em 2002. A mim, tocou-me profundamente e foi, durante anos, a principal interpretação que fiz desta polémica: a dor de todos os que viram as suas casas serem engolidas pelas águas da barragem.
Uns anos depois, chegou-me às mãos, pelas mãos da técnica Alice Marques, um livro de um jovem escritor alentejano, que também foi responsável pela viagem que fiz ao Alqueva, em busca do passado apagado.
“Há dois anos, em Julho, fui buscar um rapaz de dez anos. Era um colega de escola do meu filho. Estava desaparecido havia cinco horas. Quando o encontrei, tinha a barriga inchada e estava a dormir debaixo de água, com a cabeça encostada numa pedra. As carpas passavam por ele sem o acordarem. Recordo a pele embranquecida e os raios de luz que entravam desenhados pela água. Quando o vi olhei para o céu. O céu da barragem não é infinito. Acaba numa superfície de vidro que não se consegue tocar. Depois segurei-o no colo e levei-o. Sinto ainda nas mãos a sua pele macia. A pele macia dos afogados.”
Mas há mais polémicas que também me tocaram: as ambientais, por exemplo, que começaram logo com a questão da desmatação e desarborização, e as espécies vegetais e animais que o projecto punha em risco, para as quais as organizações ambientalistas se fartaram de alertar. O Museu do Alqueva mostra tudo isso.
Nos governos do partido socialista, entre 1995 e 2002, foram os anos em que a barragem foi construída e portanto foi dada prioridade à produção da energia hidroeléctrica. O Plano de Rega do Alentejo foi transformado em Barragem do Alqueva. Apenas uma infra-estrutura de rega (chamada infra-estrutura 12) tinha sido inaugurada à pressa, como é hábito em final de mandato, e segundo li, em condições tão deficientes que não foi possível nessa data disponibilizar água aos agricultores.
Com o governo do PSD, a vertente agrícola voltou a ser prioridade nos discursos dos políticos. Foi pensada um Estratégia Agrícola para o Alqueva e alguma coisa foi feita, mas longe das promessas do governo. Foi também no governo de Durão Barroso, antes de este ter “fugido” para Bruxelas, que se pensou em acelerar o projecto de rega, antecipando a sua conclusão para 2015, menos dez anos do que estava inicialmente previsto.
Quando o PS voltou a ganhar as eleições, em 2005, as queixas passaram a ser que o governo anterior deixou o Alqueva sem verbas nem projectos, o que também é normal na política portuguesa. A culpa é sempre dos que lá estiveram antes!
Nos últimos 3 anos, o projecto de Fins Múltiplos do Alqueva descobriu a sua “verdadeira vocação”. No Dossier Alqueva, onde constam vários textos do jornal Público, pode ler-se esta notícia de pasmar:
“Plano Turístico do Alqueva passa de 480 para 22 mil camas”.
É de bradar aos céus como se pode ser tão “vira-casacas”, pois José Sócrates, quando foi Ministro do Ambiente, prometeu limitar a oferta turística a 480 camas e em 2006, como Primeiro-Ministro acaba por defender para o Alqueva aquilo que muitos sempre viram no projecto: um parque turístico. Não é preciso ser muito esclarecido politicamente para perceber que Francisco Louçã tem razão, quando diz que a “estratégia PIN” (o projecto turístico do governo de Sócrates foi classificado como Projecto de Interesse Nacional) está a promover a especulação imobiliária na albufeira do Alqueva. A comprovar esta verdadeira vocação do Alqueva estão os empreendimentos da empresa turística Amieira Marina, que em 2008 já tinha uma frota de 15 barcos – casa, para passear turistas na albufeira do Alqueva, o maior lago artificial da Europa.
A juntar a esta vertente turística, hotéis, desportos náuticos e campos de golfe, estão também o reforço da produção de energia hidroeléctrica, aumentando a cota de enchimento da albufeira, a construção de centrais térmicas e a energia solar, e a substituição das culturas alimentares, por exemplo por algodão, ou outras para biocombustíveis. O Plano de Rega do Alentejo “foi apanhado pelos ventos da mudança”. Tornou-se um projecto político para ricos, enquanto o Alentejo celeiro de Portugal definha. Não admira que os autarcas das cidades incluídas neste projecto estejam agora tão preocupados com o impacto negativo que virá a ter a instalação duma refinaria de petróleo na Extremadura espanhola, perto de Badajoz, a menos de 100 kms da fronteira.
É a verdadeira guerra entre 2 titãs: o turismo e a energia.
E parece que estamos sempre uns passos atrás do que se passa no resto do mundo. Já nem falo na vertente arqueológica desta polémica, que penso que terá passado mais despercebida. Como se pode ler num texto sobre arqueologia que incluí também no dossier Alqueva, já muitos perceberam que as megabarragens não são sinal de progresso mas verdadeiras “bombas ecológicas”. E por isso já foram postas de parte em países que realmente estão uns anos à frente, como a Suécia, por exemplo, e começam a ser demolidas nos Estados Unidos e na França.
Como cidadão não posso deixar de perguntar: mas para quê tanto dinheiro investido (1800 milhões de Euros segundo as contas de 2002) num projecto que defraudou e continua a defraudar aqueles que supostamente deveriam ser os seus beneficiários? É possível confiar nas boas intenções dos políticos? Se os cidadãos soubessem realmente o que se passa nos bastidores do poder e não tivessem apenas a informação rápida e rapidamente esquecida que passa quando um ministro qualquer inaugura mais uma obra, não votariam nas eleições mas haviam de querer fazer revoluções.
Balanço
Professora,
Eu poderia dizer-te o que aprendi, mas… apesar de ter ganho conhecimentos, como reflectir, organizar o pensamento, fundamentar ideias vagas…, eu prefiro dizer-te o que descobri, o que conheci de mim. Encontrei a razão para muitas perguntas e a explicação para muitas respostas. Hoje sei que estava certo em ter deixado a escola, sempre o soube, mas agora sei porquê! Toda a cultura que tu quiseste que eu soubesse só por saber, só para subir mais um degrau e mais outro, para chegar lá em cima onde mora a palavra doutor ou engenheiro, onde todos os pais burgueses querem os seus filhos, onde todos os pais operários sonham os seus filhos, lá, onde mora a palavra sucesso, lá, onde é mais fácil ter acesso às coisas, lá, professora não nos ensinam a amar. O amor é o primeiro elemento para o sacrifício, e o sacrifício o ingrediente base para a harmonia e a harmonia, que é o equilíbrio entre os elementos, é a razão para a vida.
Tu, professora, o que de mais precioso tens em ti? A tua vida, suponho.
E só a sacrificarias por aquilo que mais amas, não é verdade?
Toda a tua vida, principalmente depois de seres responsável por ela, tetens sacrificado para a tornares mais fácil, mais confortável. E quase tudo é sacrificável em prol do que a torna mais prazerosa, mais livre, livre dos sacrifícios, porque os sacrifícios são uma merda. E todos os dias te ensinam a amar o fácil. Os electrodomésticos! Como é bom ter bons electrodomésticos, máquinas que nos poupam de quase todos os sacrifícios, como são bons os televisores, telemóveis, aparelhagens, computadores… e o carro!! É bom ter coisas que nos libertam, é bom ter dinheiro para ter todas essas coisas, e quanto mais melhor. As novas gerações são irremediavelmente gerações de superconsumidores. E somos “nós” que estamos a criá-las.
Fora isso, tens os teus valores que não aprendeste nos livros da escola. Talvez abdiques de alguns se isso te trouxer mais dinheiro. E se um dia a tua fonte de rendimento se acabar, abdicarias de todos eles para teres outra fonte?
Eu amo a terra, as nascentes, os oceanos e os ventos, a vida animal e vegetal…Não sei se este amor é cultural ou genético, só sei que quando esta vida me foi apresentada já tudo isto existia.
Apesar de tudo, também eu sou cúmplice. Resisto, mas sou arrastado, o que me causa dor, e é com ela que escrevo este PRA. Porque o meu mundo é deste mundo!
A TERMINAR:
A terminar este Portefólio Reflexivo de Aprendizagens, enuncio algumas competências que julgo serem as necessárias para sobrevivermos num planeta em risco de colapso. Acho que devo isso a mim mesmo e à equipa de formadoras que analisa este dossier. Portanto, aqui ficam 10 sugestões, modesto contributo para um:
Manual de sobrevivência
1. Comprar o Borda d’-Água;
2. Arrancar a relva do jardim e o cimentado;
3. Cultivar produtos hortícolas (ver Borda d’Água);
4. Eliminar todos os animais de estimação inúteis;
5. Criar animais domésticos comestíveis;
6. Substituir as energias fósseis por energia animal e humana;
7. Oferecer os televisores ao sucateiro;
8. Ler apenas livros contra a corrente;
9. Libertar em vez de amestrar;
10. Partilhar em vez de possuir.
Bibliografia
Livros
CROAL, Stephens e RANKIN, William. Ecologia para principiantes, Dom Quixote, Lisboa, 1982.
PEIXOTO, José Luis. Cal, Bertrand Editora, Lisboa, 2007.
PINCHUCK, Tony e CLARK, Richard. Medicina para principiantes, Dom Quixote, Lisboa, 1985.
PNUD. Relatório do Desenvolvimento Humano 2001, Trinova Editora, Lisboa, 2001.
ROMANO, Vicente. A formação da mentalidade submissa, Deriva Editores, Lisboa, 2006.
WEINER, Eric. A Geografia da Felicidade, Lua de papel, Lisboa, 2008.
Jornais
Diário de Notícias, 4.02.2009
Expressões da Marinha Grande, 13.02.2009
Jornal da Marinha Grande, 24:07:2008
Jornal da Marinha Grande, 7:08:2008
Jornal da Marinha Grande, 11.09.2008
Público, 11.02.2009
Sítios da Internet
http://pt.wikipedia.org/wiki/Espermatoz%C3%B3ide
http://wikipedia.org.Extin%C3%A7%C3%A3o_em_massa_do_Holoceno
http://.ideiasambientais.com.pt/especies_extincao.html
http://www.naturlink.pt/canais/Artigo.asp?iArtigo=2535&iLingua=1
http://.wikipedia.org/wiki/Cronologia_da_gene%C3%A9tica
http://www.ferticentro.pt/are_c_fiv.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Sat%C3%A9lite_artificial
http://pt.wikipedia.org/wiki/Onda
http://pt.wikipedia.org/wiki/Celulares
http://pt.wikipedia.org/wiki/Roda_dos_Alimentos
http://www.carloscanaes.pt/?=1567&page=1
http://www.portugal.gov.pt/Portal/Print.aspx?guid=%7B65A63EE4-521B...
http://eternos.org/2008/11/03/pequena-análise-ao-plano-director-municipal-da-marinha-grande
WWW.DIARIOLEIRIA.PT
http://hotnews.com.pt/2009/02/17/audiencias-portugal-2-a-8-fevereiro
http://dn.sapo.ot/2009/02/13/nacional/aparelho _ps_reservas_casamento_gy.html
http://www.rea.pt/forum/index.php?topic=7428.330:wap2
http://ultraperiferias.blogspot.com/2009/01/sondagem-mais-de-50-dos-portugueses.html
http://portugal.pt/news/?uid=170207A&title
http://diario.iol.pt/politica/ppm-monraquicos-homossexuais-casamento.gays-iol/1035
http://port.pravda.ru/news/cplp/portugal/20-06-2007/17743-eutanazia
http://ultimahora.piblico.clix.pt/noticia.aspx?id=1307459&idCanal
http://dossiers.publico.clix.pt/noticia.aspx?idCanal=261&id
http://pcp.pt/index.php?option=com_content&task=view&id
http://www.agroportal.pt/x/agronotícias
http://www.ordemengenheiros.pt/Default.aspx?tabid=1510
http://pedradohomem.blogspot.com/2006/06/verdadeira-vocao-do-alqueva.html
http://rutilo.blogspot.com/2008/04/consequencias-do-alqueva.html
http://www.diariodosul.com.pt/index/php/noticias
http://www.almadan.publ.pt/escavando11.html
http://www.esquerda.net/index.php?Itemid=4111&option=com_content&task
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