quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Por terras de França - Histórias da vida de Zé Nabeiro

Por Ana Carvalho, Profissional do CNO da Escola Secundária Engº Acácio Calazans Duarte


Diz a minha mãe que nasci a 28 de Fevereiro de 1970, não me lembro… há quem diga que se lembra de coisas de quando tinham 1 ou 2 anos, eu não...
A minha primeira lembrança é a de um dia bem frio do mês de Dezembro, quando a minha mãe foi dar-me um beijo à cama e acordou-me a dizer que tinha de ir para o hospital pois o meu irmão ia nascer, aquela informação surtiu em mim um efeito medonho pois agarrei-me ao pescoço dela a dizer que não queria que ela se fosse embora. Coitada devia estar cheia de dores e eu ali a agarrá-la pelo pescoço…
A minha infância foi uma infância “boa”, actualmente até acho que foi maravilhosa, os meus pais deram-me liberdade para eu crescer na rua, com os meus vizinhos, para subir às árvores, para andar de bicicleta pelos pinhais e matas da minha aldeia. Construíamos “clubs” de amigos, com direito a uma bela “vivenda” de cartão onde nos reuníamos para falar de tudo e de nada e assim cresci feliz…
Deve ser por isso que ainda hoje gosto de me reunir com os amigos, de belas jantaradas e de falar, falar de tudo e de nada…
Os meus pais durante a sua adolescência foram emigrantes e depois do casamento voltaram para Portugal. Eu já nasci cá.
No entanto quando eu tinha 14 anos começaram a ponderar regressar a França. Assim quando eu terminei o 9º ano, voltamos a França.
Foi difícil, deixar os meus amigos, as minhas raízes, e mais nesta idade onde tudo é mais importante do que a nossa família. Andei muito revoltado o que fez com que a minha adaptação fosse ainda mais difícil. Quando me tentei inscrever na escola, ainda por cima colocaram-me dois anos atrás da minha escolaridade. Agora com as coisas do Bolonha dizem que é mais fácil, mas ainda não percebi bem para quem é que é mais fácil, porque agora que há tantos emigrantes em Portugal, e ainda por cima com muitos estudos, dizem que não os reconhecem, mas pode ser que o Bolonha mude alguma coisa.
Lá fomos nós para França, demorámos 3 dias, só nas fronteiras tinham que nos ver de cima a baixo, revistavam tudo, nem uma garrafinha de Porto, podíamos levar. Vejam as mudanças, agora com as fronteiras abertas até um kg de droga dava para levar que ninguém nos diz nada.
As estradas eram tão más, mas as paisagens tão lindas… Lembro-me de passarmos os Pirinéus, túneis enormes que eu e o meu irmão adorávamos, as viagens acabavam sempre com o meu pai a gritar connosco, começávamos na brincadeira e passado algum tempo já estávamos os dois à pancada um no outro. Mas quando o meu pai falava, nem uma mosca se ouvia no carro, o respeito era muito lindo. Ainda hoje, sei que os valores familiares que tenho devo-os à forma como ele nos educou.
Em França fomos viver para uma vila do interior, muito bonita, onde os irmãos da minha mãe tinham ficado a morar, Chamava-se Moulins. O meu pai trabalhou muitos anos numa fábrica da Peugeot, a minha mãe ia fazendo umas horas de limpeza aqui e ali.
“Os emigrantes são filhos do nada”, dizia a minha mãe, “em França somos portugueses, em Portugal somos emigrantes, que raio de vida a nossa…”


A minha mãe sempre foi muito desenrascada e ajudou muita gente, pessoas que como nós ali caiam e que nem uma palavrinha de francês sabiam, lá ia ela com eles à segurança social e à conservatória, andava sempre de um lado para o outro… o meu pai, esse trabalhava noite e dia, a minha mãe queixava-se que ele nunca parava em casa, mas eu até o defendia, coitado, era por nossa causa, como é que nos podíamos queixar nós, se ele não o fazia. E era a ele que lhe saia do corpo..
Voltando à minha história, terminei o 11º ano e achei que eu também tinha que começar a contribuir para a casa, por isso sai da escola e comecei a trabalhar como ajudante num restaurante, aprendi muito, sobretudo sobre cozinha francesa, um pouco mais requintada e saudável que a nossa, mas não há nada que chegue a uma feijoada, bem carregada de calorias e colesterol.
Gostei de lá estar, mas as saudades de Portugal, eram cada vez maiores e a vontade de ter uma Pátria crescia, pois os comentários racistas de que muitas vezes era alvo, só me faziam amar cada vez mais o meu país. Por isso, num “querido” mês de Agosto, falei com o meu pai e disse-lhe que ficaria em Portugal, a experiência que tinha adquirido no restaurante podia ajudar-me a começar a abrir um restaurante na aldeia, e até a contribuir para o seu desenvolvimento, não dizem que o turismo é o futuro.
Ele compreendeu, e até acho que ficou contente, mesmo que não tenha demonstrado, talvez um dia me diga o que lhe vai na alma.
Voltei no ano de 1995, tratei da legalização de um terreno do meu pai, antes bastava a palavra de alguém para considerar um terreno vendido, mas como as coisas mudaram tive que fazer o levantamento de todas as terras e declara-las, não fosse eu estar para ali com o trabalho e vir um desses inspectores e levar-me tudo.
Lá tratei de tudo, e a câmara até me deu uma ajuda financeira por contribuir para o aumento dos postos de trabalho, calhou mesmo bem.
O Restaurante dá muito trabalho a gerir, é um negócio que quase não dá para tirar férias, e agora com estas novas leis da ASAE, não é fácil mantê-lo mas tudo corre bem, a nossa especialidade era a “Canja dos Cornos”, mas que agora por causa das vacas louca tivemos de alterar. É que era feita com a mioleira da cabeça das vacas e agora temos de substituir, mas também fica boa na mesma. O resto é tudo pratos típicos da zona, que eu gosto de manter as tradições, e se for na comida melhor. Falam da agricultura biológica, eu no restaurante é tudo feito com alimentos biológicos, é verdade, tudo é natural e das hortas e quintas dos meus amigos, e esses sei eu que são de confiança.
Um dia destes fui ao centro de emprego por causa de me tentarem encontrar uma pessoa para servir ás mesas, e vi lá um cartaz que dizia que aprender compensa, tive que perguntar o que era aquilo. Explicaram-me das equivalências do que aprendemos ao longo da vida, primeiro não percebi bem, e achei, essa agora, era o que fazia falta, andam os jovens a queimar as pestanas para tirarem os cursos e agora vêm estes e em meses ficamos nós com direito ao mesmo, mas depois fui para casa e pensei, nessa noite quase não dormi, até nem era tão ridículo…
E lá voltei eu a ver o que é que era preciso, eu até nem tenho muito tempo para fazer isto, mas também mais vale tarde que nunca, e estúpido também não morro. Até pode ser que consiga tirar o curso de Cozinheiro que á tanto tempo quero tirar.



Vale das Éguas, 13 de Outubro de 2008

Sem comentários:

Enviar um comentário