Por Alice Marques, Profissional do CNO da Escola Secundária Eng. Acácio Calazans Duarte
Histórias de Vida para o RVCC-NS
Sebastião Ribeiro (agricultor)
Vitória Ruas (prostituta)
Arlindo Moinas (pedreiro)
Nota: Estas histórias fazem parte de um desafio proposto à equipa técnico-pedagógica do RVCC.
Até agora, apenas Alice Marques e Ana Carvalho responderam ao desafio.
O desafio chama-se: Quem sabe escrever pode ensinar a escrever!
Alice Marques e Ana Carvalho, duas técnicas profissionais, puseram-se na pele de adultos imaginários, correspondendo a perfis que conhecem, de pessoas reais que procuram os CNO’s para fazer a certificação de nível secundário e propõem-nos histórias credíveis.
Alguns pedaços da minha vida
Por: Sebastião Ribeiro, agricultor, 55 anos.
Não sei como arranjei coragem para entrar nisto do RVCC. Aqui á uns anos comecei a ver anúncios da Judite de Sousa, do Carlos Queirós e daquela costureira do Porto Maria qualquer coisa, e percebi que eles também não tinham acabado o 12º ano. Primeiro pensei se eles com tão pouca escola chegaram onde chegaram, porque é que eu havia de satisfazer os caprichos das minhas filhas, que há mais de dois anos me andam a influir para ir acabar os estudos. Falei com elas e então explicaram-me que aqueles anúncios até estavam mal feitos porque as pessoas pensavam que eles não tinham estudado. Eu até achava piada, mas metia-me espécie. Bom, então percebi que aquilo que eles apareciam no anúncio era se eles não tivessem acabado. E pronto, decidi fazer mesmo o 12º ano por esta coisa que o governo do Sócrates, nem sei porque é que dizem tanto mal dele, agora criou que se chama as novas oportunidades. Fui lá à junta de freguezia de Campo Maior e enscrevi-me. Chamaram-me passado um mês e mandaram-me pra casa disseram-me para eu escrever sobre a minha vida e cá estou eu. Escrevi tudo à mão e depois foi a minha filha Graça, a mais velha que é doutora juíza em Almodôvar, que me passou isto pró computador mesmo com os erros que eu disse-lhe que as doutoras disseram que os filhos podem ajudar mas não corrijem os erros porque elas tem que se dão erros, porque eu de computadores não percebo nada.
A minha vida começa assim. Nasci em Campo Maior em 1953, os meus pais eram agricultores abastados mas ficaram sem nada quando foi o 25 de Abril porque tinham terras em poisio e vieram os comunistas e queriam roubar-lhe as terras. Eu era o filho mais velho, tinha feito o 5º ano da Escola Comercial a minha irmã Manuela tinha 10 anos e a Conceição 8, e o meu pai disse-me tens de deixar o emprego nas rações e ir tomar conta das terras senão os comunistas tiram-nos tudo. E eu deixei a escola, com grande pena minha porque queria muito ser engenheiro das pontes. Casei cá na terra com uma rapariga também com poucos estudos, fize-mos a nossa casinha aqui mesmo em Campo Maior e aqui tivemos as nossas duas filhas, a Graça que já falei e a Maria das Dores que é professora de Ciências em Évora.
As minhas filhas nunca se envergonharam de mim achava eu mas há uns tempos começaram a dizer-me pai tem que ir tirar o 12º ano agora nas oportunidades e foi assim como eu disse que cá vim parar.
Lá no Centro estava uma doutora muito bonita que nos esteve a mostrar uma lista de assuntos muito grande e chamava-lhe lista de competênsias. Eu sempre me considerei um agricultor competente porque nunca pedi um empréstimo ao banco, as minhas terras sempre deram boa produção de azeite, cortiça e muito boa fruta, melhor que os espanhóis que compraram uma herdade aqui ao lado da minha e nunca pedi um subesídio ao governo como muitos portugueses estão fazendo que até para arrancar as árvores pedem e que eu acho que são mas é uma cambada de malandros que não querem dar o corpo ao manifesto e mal vem uma rabanada de vento vão logo a correr pedir subesídios. Mas fazia-me espécie como é que eu podia ser um homem com estudos só por ser um agricultor de sucesso como agora se diz.
Bem quando eu vi aquela lista, apeteceu-me logo desistir. Cada palavrão que me parecia mais uma coisa pra quem queria ser doutor. Cheguei a casa e disse á minha mulher que já não voltava, mas ela ligou logo à Maria das Dores que veio correndo cá casa trouxe o computador ligado à Internet e passou horas a explicar-me o que era então as competências e como e que se mostravam. Fez-me uma lista e disse-me o pai quando estiver a escrever esteja sempre a olhar para esta lista pra ver se não se esquece de nada. E eu lá comecei a escrever esta história pois daqui a um mês vou lá voltar ao centro e não sou pessoa de não fazer o trabalho de casa.
Como eu já disse de computadores não percebo nada, mas tenho televisão, até tenho TV Cabo e gosto muito de ver os canais com filmes sobre animais, em casa temos telefone e quando fiz 50 anos as minhas filhas deram-me um telemóvel que eu já sei usar para mandar mensagens e graças a Deus temos todas as comodidades, frigorífico, fogão eléctrico, microondas, máquina de lavar roupa porque a minha Rosa tem bicos de papagaio e á muitos anos que não pode estar dobrada no tanque a lavar a roupa, a máquina de lavar loiça não faz tanta falta porque somos só os dois em casa, quando as filhas vêem e os netos elas é que lavam e como eu estava dizendo temos estas comodidades e eu sei ligar essas coisas todas e acho que isso faz parte lá dos sistemas técnicos. Ah também tenho carta de condução e com o meu carrito eu e a minha Rosa saímos muitas vezes até Évora e Badajoz agora ainda mais que vamos lá todas as semanas atestar o depósito que a gasolina é muito mais barata lá. E também conduzo o tractor e as máquinas todas de lavrar, gradar, ceifar, tudo é feito por mim e mais umas pessoas que eu contrato quando há muito trabalho e uma rapariga que se ajeita na contabilidade e que me faz todos os anos os impostos.
Agora tem andado por aqui uns engenheiros que dizem que vem ensinar a ter melhores colheitas onde é que já se viu rapazes e raparigas de mãos mimosas, que nunca pegaram numa enxada, pensando que podem vir ensinar o padre nosso ao vigário. O que eu sei é que muitos compadres que eles ensinaram deixaram de semear e agora estão a receber subesídios. Ninguém me tira da cabeça que o governo quer é vender isto tudo aos espanhóis, ou então quer que os portugueses comprem tudo aos chineses, até o leite, lá por causa dos contratos que eles assinam e ninguém percebe o que é. Há dias vi na televisão numa terra qualquer da França, uns agricultores chegarem a uma praça e despejarem camiões de fruta com tanta gente a passar fome, ó que mundo este.
Também me mandaram escrever sobre a minha saúde pois graças a Deus até agora tenho sido um homem cheio de saúde, só fui uma vez ao hospital de Portalegre a minha Rosa coitada é que não, passa a vida nos médicos e como tiraram o médico do centro cá da terra agora anda num particular e são rios de dinheiro todos os meses e ela sempre na mesma. Diz que não têm médicos, mas eu conheço até uns ucranianos que aqui andam trabalhando nas obras que diz que são médicos, porque é que não os põem a dar as consultas? Cá pra mim o governo é um bocado racista só porque eles vem doutros países acham que os diplomas deles não tem valor, pois eu acho que enquanto isto estiver assim o país não vai longe, porque eles são pessoas como nós que eu bem os vejo trabalhadores e sempre a poupar para voltarem pra sua terra ou pra trazerem as mulheres e os filhos pra cá. É a sina deles e também já foi a nossa que eu sei de muitos portugueses que foram por esse mundo fora procurar melhor vida por isso temos que ser uns prós outros hoje eles amanhã ou ontem nós, somos todos filhos de Deus e não ha razões pró governo não os ajudar até a ficarem por cá e serem médicos e engenheiros em vez de pedreiros e mulheres a dias porque vesse que são pessoas educadas.
E para acabar esta parte da minha história queria dizer que estou muito ralado com esta crise que agora falam ainda na 2ª feira estive ouvindo o prós e contras que é um programa que eu gosto muito porque informa bem mas às vezes adormeço. Não percebo porque é que os governos estão agora dando dinheiro aos bancos, mas não ficam com os bancos. Eu que sou do tempo da nacionalização da banca não consigo perceber e acho que o governo está usar o dinheiro dos nossos impostos para dar aos bancos e isso é um escândalo. Deus queira que os donos apanhando-se com o dinheiro no bolso não fujam pró Brasil, como é costume neste país onde há muita gente sem vergonha. Queria ver os meus netos crescerem e serem engenheiros e doutores. E já agora queria fazer o 12º e até já decidi que vou também fazer um curso de informática e comprar um computador porque se até o meu neto Diogo com 4 anos já mexe num será que o cota do avô não há-de ser capaz?
E pronto, assim termino o primeiro trabalho para o RVCC e cá estou aprontando-me pra fazer os outros.
Campo Maior, 22 de Outubro de 2008
Prostituta também é gente
Por: Vitória Ruas
O meu nome não é Vitória Ruas, mas Maria de Lurdes Almeida Pereira, como consta no meu bilhete de identidade. Nasci há 32 anos, numa pequena aldeia da Beira Alta, no distrito da Guarda, e os meus pais sonhavam para mim um futuro brilhante, doutora em qualquer coisa. Mas quando a cabeça não tem juízo… diz o ditado que o corpo é que paga e comigo foi mesmo assim.
Um dia o meu destino bateu à porta da escola. Estava eu no 11º ano, sem perder ano nenhum, muito boa aluna, com os meus 17 anos. Alta, morena, encorpada demais para a minha idade, com as hormonas em grande agitação, eu era uma bomba ambulante. Tínhamos saído duma aula de História, com a professora Célia, uma tipa fantástica, toda modernaça e com umas ideias muito avançadas. Eu e a minha colega Rita, como era cedo, fomos ao Café Albertino, onde costumávamos fazer tempo para o autocarro. Foi aí que vimos um homem, com muito bom aspecto, dos seus trinta e poucos anos, descer dum carrão e dirigir-se a nós de forma muito educada e convidando-nos para dar uma volta com ele. Ingénuas e encantadas das com o homem e o carro, aceitamos logo. Que mal podia haver?
Já estão a perceber onde é que esta ingenuidade nos levou. Quando demos por nós, estávamos a caminho de Espanha, porque o senhor Correia era afinal um angariador de “meninas”. No princípio ainda pensamos que ele só nos levava a um bar que há na estrada para Salamanca, e que não havia nada de mal nisso, afinal éramos já crescidas, saíamos à noite e íamos aos bares e de certo que ele nos ia trazer antes da noite. Mas não foi assim. Largou-nos num descampado, numa espécie de armazém, onde havia muitas outras raparigas, e um outro homem, a quem chamavam o “paizinho”. Foi ele que nos disse: vocês sabem ao que vêm?
Nós não sabíamos, mas por esta altura já começávamos a desconfiar que tínhamos sido raptadas para trabalhar num bar de alterne. A Rita começou a chorar e levou logo um par de tabefes, ali diante de toda a gente. Eu tentei acalmá-la e fui falar com o paizinho e disse-lhe: ao menos deixe-nos telefonar para casa, havemos de arranjar uma desculpa para não voltar hoje. Ele concordou e disse-me exactamente as palavras que devia dizer. Já lá vão 14 anos e lembro-me como se fosse hoje. Dizes à tua mãe que foram pra uma visita de estudo mas têm que ficar três dias.
Eu tremia toda quando disse isto a telefone. A minha mãe fartou-se de fazer perguntas, com que professor tinha ido, se a camioneta estava avariada, quando voltávamos, ameaçou ir à polícia, enfim, coisas normais de uma mãe. E eu ia repetindo tudo o que o paizinho me dizia. Penso que a minha mãe não ficou convencida, mas também já não era a primeira vez que eu não aparecia em casa.
Até hoje nunca cheguei a saber o que pensava porque só voltei a falar com ela um mês depois para lhe dizer: mãe, a verdade é que eu fugi de casa e estou a viver na Alemanha. Não vale a pena ir à polícia porque eu faço 18 anos daqui a uma semana e já não pode obrigar-me a voltar.
Devem estar curiosos por saber como é que eu arranjei coragem para isto. Pois é verdade. Naquela noite, duas das raparigas mais velhas, aproximaram-se de mim e da Rita e contaram-nos a sua história, não sei se verdadeira se falsa. Tinham vindo de livre vontade, trabalhavam num bar e uma delas, em 3 anos já tinha conseguido amealhar uma pequena fortuna e contava um dia poder ter o seu próprio negócio de “meninas”. Não sei porquê, mas aquela mulher, tão linda, tão cheirosa e bem vestida, convenceu-me. Fez-me pensar: que mal pode haver em beber uns copos com uns homens e ganhar dinheiro com isso? Afinal eu já tinha bebido tantos com colegas e tinha de os pagar! Convenci a Rita, que também não era lá muito certinha, e fizemos um pacto: ficávamos até conseguirmos juntar dinheiro para comprar um carro e voltar à Guarda como se tivéssemos estado emigradas uns tempos. Ela resistiu muito porque tinha um namorado, que era um grande parvalhão diga-se, mas ela gostava dele e sabia que ele nunca compreenderia isto e havia de pensar que ela se tinha tornado uma prostituta. Fiz-lhe ver que ela merecia melhor do que aquele tosco, ainda por cima ganzado, que lhe fazia a vida negra. A mãe dela tinha morrido quando ela era pequena e ela vivia com os avós, porque o pai tinha voltado a casar e a madrasta nunca a aceitou bem. Coitados dos avós. Morreram passados dois anos, sem saber o que tinha acontecido à neta.
Bem, voltando atrás, ficámos. Nessa noite não fomos “trabalhar”. O paizinho disse-nos que precisávamos dum “tratamento”, dum corte de cabelo e umas roupas próprias para o trabalho. No dia seguinte veio ao armazém uma senhora muito fina, com uma mala cheia de roupa e um homem que via-se mesmo que era gay com uma maleta cheia de apetrechos de cabeleireiro. Fez a cada uma um corte de cabelo demais, com madeixas e extensões. Experimentámos roupa e mais roupa, toda tão provocante, sentíamo-nos as mulheres mais lindas do mundo. E estávamos mesmo, até porque já éramos umas moças bem bonitas, mesmo sem “tratamento”.
Nessa noite, mudaram-nos para uma casa muito acolhedora, onde passámos a viver com mais 7 raparigas, todas muito bem postas e todas com o mesmo trabalho. Cada uma de nós começou nessa noite a fazer o “estágio”, como dizia o “paizinho”. Devíamos estar com as mais velhas, observar como faziam até estarmos prontas para atender um cliente. Este estágio durou um mês e eu e a Rita sempre convencidas de que o nosso trabalho era fingir que íamos beber uns copos com os clientes.
Quando passámos a”efectivas” é que percebemos que o mais importante daquele trabalho se passava fora do bar.
Ao fim duma semana eu já tinha dois clientes fixos com os quais fazia sexo no final da noite e que me pagavam por fora, em cada noite, o que eu demorava 6 meses a ganhar no bar.
A minha história como prostituta começa aqui. Um deles, um homem de que não posso revelar a identidade, dois meses depois de me conhecer, tirou-me da casa e levou-me a viver com ele. Eu tinha a ilusão de vir a ser uma espécie de primeira dama, mas a realidade foi outra. Seis meses depois de estar instalada num bom apartamento em Valladolid, a mulher dele descobriu-nos e ameaçou armar um escândalo que lhe destruiria a carreira. Ele, que afinal era um grande traste, obrigou-me a deixar o apartamento, e, numa noite, meteu-me no carro e levou-me até Madrid onde me largou nas ruas. E ali estava eu, a fazer 19 anos, largada nas ruas de Madrid, sem dinheiro e sem um tecto para me abrigar. Chorei muito, tive muito medo, dormi ao relento duas noites e depois de muito pensar, tomei uma decisão - iria fazer aquilo que melhor tinha aprendido no último ano, sexo. Ia ser uma puta.
Há zonas em Madrid onde as prostitutas são tantas que se atropelam umas às outras. Há de todas as raças e idades, mas felizmente para quem tem 19 anos e um corpinho de fazer inveja, não há desemprego para quem quer andar nas ruas.
Arranjei facilmente clientes e em menos de um mês já tinha um lugar decente para morar, que partilhava com uma ucraniana e uma russa. Mas andar nas ruas é um trabalho muito perigoso. Apanha-se de tudo, velhos tarados, novos frustrados, bêbados, homens de negócios, tudo…! As minhas companheiras de casa e das ruas, com quem falava em espanhol, porque elas já andavam por lá há uns anos, começaram a falar-me de países onde a prostituição era legal, onde havia sindicatos, assistência médica e toda a protecção de que precisam as mulheres da vida. Desde que ouvi contar isso eu não parava de pensar que o melhor era ir para um país desses, havia de me safar. E se bem o pensei melhor o fiz. Um dia, depois de ter estado com um cliente daqueles que os cães não querem, tomei a decisão: é hoje! Falei com a Lola (a ucraniana) e combinamos ir embora no dia seguinte. Holanda era o nosso sonho.
Arrumámos os nossos parcos haveres e fomos para o aeroporto. Ela era muito entendida nas coisas de computadores e por isso conseguimos comprar um bilhete para essa madrugada, num avião que saía às 4 da manhã. Ia começar outra aventura.
Duas horas depois estávamos na Holanda. A Lola, que na Holanda veio a chamar-se Maja, tinha um contacto de uma amiga, de modo que foi fácil arranjarmos alojamento provisório. Como tínhamos algum dinheiro, pagámos logo o aluguer do quarto por um mês, pois não sabíamos se era fácil ou difícil arranjar apartamento.
A Iliria, amiga da Maja, introduziu-nos no “ramo”. Avisou-nos logo que para sermos trabalhadoras do sexo em Amesterdão, teríamos que nos sindicalizar e colectar nas finanças. Eu nem queria acreditar no que ouvia: Passava de puta a trabalhadora do sexo, de explorada por homens a trabalhadora por conta própria.
Passados três dias já tínhamos os papéis em ordem e arranjamos lugar na Red Light District, a zona de prostituição legal na cidade. Nunca vi tanta trabalhadora do sexo junta, numa zona à volta duma Igreja que se chama Igreja das Mulheres. Eram novas, velhas, pretas, brancas, gordas, magras, de todas as partes do mundo, algumas estudantes universitárias que têm este trabalho para pagar os estudos. Mas há trabalho para todas. E o que se ganha num mês vale bem o sacrifício que é fazer sexo com alguns homens. Digo mesmo há trabalhos muito piores e muito mais mal pagos.
Muitas das raparigas que trabalham nesta cidade em que parece que nada é proibido, são muito cultas e foi com elas que comecei a ler livros que nunca pensei vir a ler e que me veio a ideia de ter um negócio: criar um site na Internet e trabalhar a partir de casa, porque há homens e mulheres que preferem fazer sexo sozinhos imaginando que estão com uma ou mais mulheres. E assim foi. Chamei um fotógrafo lá a casa, eu e duas amigas tirámos fotografias que pareciam da playboy, e criámos um serviço de “sexo on line”. Para este trabalho o mais importante é ter uma boa voz e saber falar muitas línguas, porque podemos estar on line com um cliente de qualquer nacionalidade. Por isso inscrevi-me numa escola de línguas onde aprendi Francês, Inglês e Alemão, para além do holandês que aprendi por viver na Holanda. Até ter o meu próprio site eu não tinha percebido quanto é que a Internet podia mudar a minha vida. Fiz também fotos para SMS com chamadas de valor acrescentado. Depressa passei a ser conhecida como a Vitória Virtual Woman. Durante 6 anos, fui dividindo o meu tempo entre o sexo virtual, por sms, videoconferência ou pelo msn, e o real, ganhei muito dinheiro, sobretudo com os homens que depois de fazerem sexo comigo on line ou por sms me queriam conhecer pessoalmente. Mas eu tinha prometido a mim mesma que nunca mais nenhum homem me havia de enganar e por isso nunca me deixei levar na cantiga de alguns que queriam tirar-me da vida e me ofereciam mundos e fundos.
Sempre com os meus impostos em dia e muito respeitada pelas colegas de trabalho cheguei a ser dirigente sindical e fui uma das organizadoras de um movimento de prostitutas que lutava pelo direito à reforma das trabalhadoras do sexo. Até foram usados vídeos meus numa exposição sobre a prostituição que esteve numa igreja durante dois meses e que se chamava Love to koop, que quer dizer Amor para vender.
Não há outro país igual à Holanda para se ser prostituta. Tem-se trabalho, respeito, assistência médica e só quem quiser é que tem chulo. Ninguém aceita fazer sexo sem preservativo, todas as semanas as mulheres têm consulta médica nos serviços do estado e assim se evitam as doenças como a Sida que é um flagelo nos países onde a prostituição não é legal, como o nosso, onde a maioria das pessoas querem tapar o sol com a peneira.
Na Holanda eles preocupam-se com tudo. As ruas de Amesterdão estão sempre cheias de turistas, que sujam tudo. Mas de madrugada há equipas de limpeza que deixam tudo num brinquinho.
As drogas para fumar são permitidas nos coffee shops e há muita gente que vai a este país só para ver as montras de prostitutas, ter sexo com umas e poder fumar haxixe ou marijuana sem medo de ser preso ou de lhe chamarem drogado e o porem fora do emprego. Ninguém insulta os homossexuais, que têm as suas ruas e os seus bares mesmo ao lado da Red Light District.
Também são pessoas muito educadas e com muitos estudos e preocupam-se muito com o ambiente. É preciso saber que este país foi tirado ao mar e por isso eles têm que ter muito cuidado. A recolha dos lixos e a reciclagem é demais. Eles reciclam tudo e fazem cada obra de arte com os lixos que só vendo! (Ver fotografias no final). Cheguei a participar em marchas contra a construção dum centro comercial numa certa zona muito próxima da cidade. Eles levam a sério a conservação do ambiente.
Eu estava bem e não pensava sair dali tão cedo, quando aconteceu uma situação que eu não esperava. Um dia, estava on line com um cliente que falava um espanhol esquisito e quando acabou “o serviço”, recebi a mensagem: Maria de Lurdes, não achas que está na altura de voltar pra casa? A tua mãe está muito doente, ela vai morrer de desgosto se souber o que andas a fazer.
Fiquei gelada. Perguntei quem era e foi ainda pior. Era o meu primo Zé Maria. Dei-lhe o meu número de telemóvel e ficamos mais de uma hora a falar. Quando desligámos eu fartei-me de chorar e fiquei sem saber o que fazer.
No dia seguinte não trabalhei. Pus-me a fazer contas à vida. Estava fora do meu país há mais de seis anos, gostava da vida que levava e não me imaginava a fazer outra coisa. Que emprego ia eu arranjar se voltasse? A ganhar uns míseros 500 euros por mês, menos do que eu ganhava num bom dia na Holanda, para esconder quem eu era? Pensei, pensei. Fui ao banco onde tinha as minhas poupanças e investimentos e foi então que tomei a decisão. Com umas centenas de milhares de euros eu bem que podia vir para Portugal, montava um negócio… e talvez ainda pudesse chegar a tempo de ver a minha mãe com vida.
Uma semana depois, e depois de vários telefonemas ao meu primo, voltei para Portugal. Fiquei uns dias no Porto e só voltei à Guarda ao hospital onde a minha mãe acabou por falecer poucas horas depois de me ver, mas já sem conseguir falar comigo. É uma tristeza o sistema de saúde no nosso país. Os hospitais são sujos, velhos, os médicos antipáticos, as enfermeiras umas arrogantes. Ai que saudades tive da Holanda!
Nem pensava em voltar para a Guarda. Decidi ficar no Porto e recomeçar aí a minha vida. Montar um negócio? Tinha de ser de sexo, disfarçado de outra coisa qualquer porque aqui continuam a varrer o lixo pra baixo do tapete, que parece ser o único que nunca vai entrar em crise.
Abri um bar na Rua Escura. Tudo como manda a lei. Todas as condições de higiene e segurança, licença passada, publicidade nos jornais. Eu mesma recrutei as meninas. Ensinei-lhes tudo sobre atender clientes. Neste bar, aberto há mais de 7 anos, não se passa nada de ilegal. O que as meninas fazem depois é com elas. Eu sou a patroa, mas só no local de trabalho. Continuo com o meu site na Net e em breve vou entrar no negócio dos filmes pornográficos, só com adultos para adultos. Nada de crianças a fazer sexo, porque a pedofilia choca-me mesmo.
E foi assim a minha vida até há uns meses atrás. Um dia, estava eu ao balcão a beber um copo com um cliente, porque eu gosto de fazer conversa com eles, aprende-se muito sobre o ser humano e também muito sobre política, negócios, etc, porque quando eles bebem um copo a mais contam-nos tudo, e então o cliente, que por acaso era um professor, disse-me: Ó Vitória, tu devias era ir tirar o 12º ano nas Novas Oportunidades e depois ir pra Universidade. Pelo que sei da tua vida até te podiam dar logo um diploma de doutora em Gestão. No princípio fartei-me de rir e não levei aquilo muito a sério, mas numa outra noite em que ele lá voltou, perguntei-lhe: explica-me lá como é isso das novas oportunidades. E ele com muita paciência lá me explicou. E como eu não sou mulher de hesitar, quando meto uma coisa na cabeça faço-a, no dia seguinte dirigi-me a um Centro Novas Oportunidades que fica ali prós lados da Cedofeita e inscrevi-me. Chamaram-me há dois meses para me explicarem tudo, mas muita coisa eu já sabia. Quando me disseram: a Maria de Lurdes deve começar a escrever a história da sua vida, porque é por aí que começamos o processo, eu respondi: a minha história está aqui nesta pen, se quiser posso deixá-la já, só tenho de escrever esta entrevista.
E aqui estou eu e a minha história, pronta para mostrar que prostituta também é gente e pode vir a ser doutora. Sim, porque agora que me meti nisto, quero ir até terminar a Universidade. Só tenho pena de já não poder dar essa alegria à minha mãe. Mas o meu pai, se Deus o conservar, ainda há-de ter uma filha doutora. E se me der na cabeça ainda me candidato à política e vou para a assembleia da república, para dar o meu contributo pela legalização da prostituição neste país de paneleiros e hipócritas.
Porto, 22 de Outubro de 2008.
Maria de Lurdes Almeida
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O Lurdes gostei dessa do fim paneleiros na central de compras assembleia da republica talvez faça a viagem contigo para barrer com esses pulhas.
ResponderEliminarTambem estou a fazer o 12º ano e gosto de sexo unesto boa Amo-te...
Lurdes adorei a sua história, muita gente não imagina o que se passa para além do que os olhos delas vêm e as coisas não são como parecem, você fez uma boa história e dá uma lição a muita gente.
ResponderEliminarTudo de bom na sua vida!