in http://dn.sapo.pt/inicio/ciencia/interior.aspx?content_id=1421290&seccao=Sa%FAde
Dantes, mal se levantava da cama, às 06.00 da manhã, ia logo pôr o café a fazer. "Adoro o cheiro do café." Agora, a primeira coisa que faz é despachar o e-mail, rotina que repete religiosamente antes de se deitar, por volta das duas. "Não preciso de dormir muito", confessa Nuno Sousa, 41 anos, médico e investigador na área nas Neurociências. "Sete horas de sono são, em média, suficientes para um adulto. Dormir de mais faz mal porque torna os processos mais lentos."
Quando se é uma das maiores autoridades mundiais em stress, não podemos estranhar ter a caixa de correio sempre a abarrotar, e ele não considera educado deixar um mail sem resposta mais de um dia.
O e-mail e o telemóvel podem facilitar-nos a vida, mas são também indutores de stress. "Estamos a acelerar cada vez mais as nossas vidas", constata Nuno, que distingue dois tipos de stress, o bom e o mau. "Debaixo de algum stress, a nossa performance melhora, sem consequências, porque a adrenalina tem um efeito rápido", explica. O problema é o stress crónico, que se verifica quando os estímulos indutores ultrapassam, de forma continuada, a nossa capacidade de adaptação e provocam doenças, fazendo subir a tensão arterial e aumentando o risco de diabetes e depressão.
Nuno tornou-se uma coqueluche mundial ao publicar (em conjunto com sete outros cientistas portugueses) na revista Science, um artigo em que conclui que as pessoas expostas a stress tendem a tomar decisões erradas, mas que isso pode ser resolvido.
Encontrámo-nos na Escola das Ciências de Saúde da Universidade do Minho, de que ele é o director e um dos fundadores. Logo à entrada, ficamos com a sensação de estar numa universidade americana transplantada para o campus de Gualtar, nos arredores de Braga. A escola está povoada por grupos de estudantes com ar feliz, que conversam, comem, estudam e discutem, espalhados por salas e laboratórios com equipamento state of the art.
O ensino da Medicina em Braga é muito diferente do ministrado nas outras faculdades do País. Para praticarem consultas, os 600 alunos têm ao dispor cerca de 70 doentes standard, actores formados durante um ano para serem especialistas numa doença (pericardite, infecção renal, insuficiência respiratória, etc.), também usados no processo de avaliação. Parte dos exames é feita num consultório equipado com uma câmara, que permite aos professores, que estão no gabinete ao lado, seguirem o diálogo entre aluno e actor, a quem previamente entregaram o guião - o falso doente pode começar a consulta a dizer ao futuro médico que só precisa que ele lhe passe uma receita.. .
Depois de uma vista de olhos pela escola, fomos no Toyota Corolla do Nuno para o Arcoense, famoso pela sua comida caseira, onde almoçámos sem stress (não ligámos aos telemóveis) até às 16.30.
Nuno é do Porto, onde se licenciou em Medicina e começou a usar o cérebro para entender como funciona o cérebro. O período de maior stress da sua vida foi a fase final do doutoramento, em que provou que, ao contrário do que se pensava, o stress crónico não provoca uma matança de neurónios e o hipocampo apenas fica atrofiado porque diminuem as sinapses (a comunicação entre neurónios) - ou seja, que eliminando a causa a situação era reversível.
Esta tese foi o ponto de partida para a investigação de uma equipa multidisciplinar (médicos, biólogos, bioquímicos, psicólogos, veterinários e engenheiros de sistemas, biomédicos e biólogos) cujas conclusões publicadas na Science despertaram o interesse do New York Times.
Com base em trabalho laboratorial com ratos, Nuno provou que o stress nos leva a tomar decisões erradas, pois, ao atrofiar o circuito cerebral que nos dá a flexibilidade para encarar e reagir a uma situação adversa e inesperada, deixa-nos dependentes da parte do cérebro onde temos armazenados os hábitos, que nos permitem, por exemplo, guiar até a casa, em piloto automático, sem ligar ao trajecto. A boa notícia é que, através de terapia, fármacos e estímulos eléctricos, vai ser possível, proximamente, activar o circuito atrofiado e poupar-nos aos erros e depressões a que o excesso de pressão nos tem obrigado. Ou seja, dentro de poucos anos, o guarda-redes Enke já não se teria suicidado…
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